Criado por Gilberto Reys
Não se pode negar, a prática de edital para artistas no Brasil, de uma forma geral, foi e ainda é importante e tem fomentado por alguns anos muitos artistas, grupos de teatro, espaços culturais e teatros, assim como outras áreas. Mas é uma ferramenta ainda a ser melhorada e democratizada tanto na esfera privada e pública. Muitos editais não dão conta de nossa diversidade da Arte no Brasil. E o que parece é que tudo se resolve com dinheiro de edital e pronto, mas o problema é mais complexo do que parece.
Muitas vezes, para se participar de um edital, é preciso de tempo, estudo, um bom portfólio, conservar boas relações com a classe artística, e sem opiniões contrárias ao governo municipal ou estadual (públicas, em muitos casos, segundo as fofocas), um projeto que seja interessante para a sociedade, segundo um júri, (alguéns dizem: este interessa ou não.).
Além disso, para se inscrever tem que ter um conhecimento extenso sobre o mecanismo. Ou ainda, se na sua equipe tiver diversidade, lgbtqipn+, pretos ou pardos, mulheres, indígenas, PCDs, e outras diversidades também legítimas e importantes. Se você tiver essas moedas de troc… ou melhor requisitos, você é bem visto. Mas é muito difícil qualquer grupo de artes, pelo menos no teatro não ter uma dessas opções, somos esta parcela marginalizada que faz arte no Brasil, em sua grande maioria.
Essa diversidade precisa estar com a grana na mão sim, precisa estar em cena sim, e todo tipo de apoio deve ser colocado à sua disposição. Deve haver cotas sim! O problema é que os editais são seletivos dos seletivos. Se alguém recebe o investimento, outro não receberá. Enquanto esses editais tentam pôr fim ao abismo social, cria-se outro. E aí, tampa-se o sol com a peneira. E esta peneira de edital escolhe quem passa fome por temporada sim, temporada não.
Há grupos de teatro em Salvador que estão há anos sem receber nenhum apoio público ou privado para realizar seus espetáculos. E muitos outros coletivos acabaram. Te desafio a pensar em 5 grupos que produzem constantemente novos espetáculos. Agora te desafio a pensar qual deles tem uma sede fixa pra chamar de sua? Mas você deve estar pensando que teve pandemia. Antes da pandemia já estava osso. Não há continuidade de nada, e isso só é responsabilidade dos projetos de poder da cultura que aí estão.
O pretenso rodízio do edital se algum dia fomentou alguém, não se vê resultados expressivos. Mas teve o bolsonarismo inimigo da arte e da cultura. Teve, mas tiveram a lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc que salvaram também na mesma época. E o que ficou destas leis? Ainda aguarda-se sua regularidade e eficácia, principalmente, nas menores cidades. A lei precisa ser azeitada e de muita vontade e entendimento dos políticos.
Quando a Funarte lançou seus editais ano passado nacionalmente, fizeram uma viagem por várias capitais, eu perguntei diretamente durante evento deles no Teatro Martim Gonçalves à sua presidenta Maria Marighella se não seria possível pensar em outros mecanismos de fomento para a cultura e arte. Ela foi taxativa, “não” e outras coisas e justificando. Também, questionei o barema, coloquei na balança: quem será escolhido, um artista de 30 anos de carreira ou eu, que estou começando há 10 anos. A resposta foi que o barema é mais complexo, e que seria possível eu passar desde que seu projeto se adeque. Mas o resultado, meu projeto não passou em mais um edital. Mas outro colega e meu mestre das artes virou pra mim depois da reunião e disse: “Gilberto, eu tenho mais de 30 anos de experiência e meu projeto também não foi aprovado. Tem mestres de 70 anos de Teatro que não são escolhidos ”
E agora, o que acontece com os artistas nesse rodízio da peneira do edital, quem merece continuar a fazer arte? Quem merece estar em cena ou não? A política de estado de investimento em artes e cultura não pode se reduzir a simples distribuição de recursos em edital. É bom, funciona em dada medida, mas não é eficaz como é necessário.
Vamos lá ao que é necessário: precisamos na prática uma aliança mais direta entre as esferas federal, estadual e municipal para aplicação de dinheiro direto em estruturas de cultura e artes; programas de apoio para diferentes estágios de carreira; Financiamento de grupos de teatro; programas de ocupação remunerado de espaços ociosos: teatros, centros culturais, igrejas, prédios antigos, qualquer espaço nas mãos de uma artista ganha possibilidades de arte; festivais calendarizados; crédito ampliado para artistas; Bolsas de estudo; programas de intercâmbio e por aí vai. Mas precisa de estratégia bem amarrada e com participação dos artistas.
Também devem ser feitas parcerias com as redes privadas, que devem ser instruídas por lei para assegurar parcerias com artistas e investir no capital simbólico de seu próprio país. Ou estrangeiros, como a BYD que vem ao país, mas devem investir na nossa potência cultural também. Vide a carta que escrevi na última coluna:
O edital deve ser um meio burocrático transparente e necessário por causa do controle do que é investido. Ele não pode se encerrar em si próprio, não pode ser uma ferramenta de moeda de troca simbólico para o estado dizer que é diverso e plural, enquanto seus secretários não são, vide esta coluna:
O edital não pode ser só uma torneira que acionada despeja dinheiro na mão de artistas para fazer 8 sessões de teatro, e não seguir com atividades contínuas. O edital é uma via de chamamento. O que precisamos é de afinco nos objetivos de continuidade, precisa ter um estudo de campo para analisar melhor nossas necessidades. Pingar no bolso, fazer a peça e matar o cachê não fomenta nada. Só o dinheiro de forma perene, 6 meses sim 6 meses não. Não fomenta público, não gera agenda, não gera continuidade. Apenas ficamos concorrendo entre nós, entre os espaços, por um dinheiro que vai pagar umas contas atrasadas há 6 meses. Que é que fazemos enquanto Isso?
Vivemos uma crise de público, mas em grande parte é porque toda a estrutura é precária e frágil para que os artistas de uma forma geral ganhem consistência, continuidade e permanente diálogo com seu público. Quem fomenta público é artista em cena. Se está difícil estar em cena, quando chegamos ainda temos que competir com o Bavi, com as plataformas, com os trio elétricos, onde está o espaço para as outras artes? Ainda precisamos de edital, mas esses editais precisam ser um meio de fomento agora, manhã e depois e não um trocado para enganar artistas e o grande público.
Portanto, os fazedores de editais de arte e cultura precisam evoluir com urgência. Precisam ouvir os artistas e dar continuidade ao que já vinha caminhando. Agora fique com a tradicional divulgação do mês seguinte:
Parabéns aos atores de teatro pela luta e perseverança, teatro é cultura e abertura de mente .
Cara, você foi cirúrgico! Dá raiva o que estamos vivendo na arte baiana. Esse texto precisa ser divulgado ao máximo.