UMA FARSA CHAMADA TERAPIA DE CONVERSÃO
- Autor(a) Convidado
- 23 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2024

*Armando Januário
Leticia Maryon não se suicidou em 01 de outubro de 2024. Ela já estava morta quando compareceu ao culto promovido por Flavio Amaral, pastor fundamentalista evangélico. Com essas primeiras afirmações, pretendo, de forma breve, expor como as terapias de conversão integram a complexa máquina que assassina os sonhos e corpos das travestis e mulheres trans todos os dias: a heterociscompulsoriedade[1].
O pastor cristofascista[2] se identifica como ex-travesti e alega ser possível “abandonar a homossexualidade”, a partir de um tratamento denominado “terapia de conversão”, supostamente abraçando a fé em Deus. Sem qualquer comprovação científica, ele tem cooptado pessoas LGBTQIAPN+ e promovido seu “tratamento” pelas redes. Na verdade, esse senhor é apenas um entre tantos que utilizam a fé cristã para espalhar o medo de uma apocalíptica “Agenda Gay” que viria exterminar a heterossexualidade.
Nas duas últimas décadas, assistimos a viralização dos discursos de ódio como uma das matrizes heterociscompulsórias mais efetivas. São narrativas que incentivam grupos sociais inteiros a desprezar a si mesmos, suas lutas e literalmente esquecer o próprio valor, para se converter a padrões religiosos desprovidos de qualquer conexão com os princípios democráticos. A glorificação da ignorância aliada a contínua desinformação e o incentivo à burrice tem reunido milhões decididos a exterminar o suposto inimigo da homossexualidade. Nesses termos, Letícia Maryon já estava morta quando foi trazida para o culto de Flavio Amaral. As suas palavras comprovam isso: a “guerra espiritual entre carne e espírito” que ela mencionou enfrentar, era, na verdade, a guerra fomentada por entidades humanas contra todas as diferenças. Essas organizações, em seu Transtorno Delirante (CID–10 F220), compartilham a insana criação de uma sociedade homogênea, com indivíduos obsessivos pela verdade heterossexual suprema. Existindo sem viver e sempre a serviço de interesses que aumentem a amplitude econômica de quem utiliza o nome Jesus para enriquecer, esses pelotões de fuzilamento religioso clamam pelo fim de toda racionalidade, especificidade... e diversidade!
A morte física de Letícia em um país com esmagadores índices de violência contra pessoas trans e travestis põe novamente em discussão como o rolo compressor da heterociscompulsoriedade atua para destruir qualquer resistência, através das terapias de conversão. Subjacente ao suicídio, encontra-se a psicodinâmica da transfobia, força resultante de um patriarcado transfeminicida, na língua de pseudo autoridades religiosas, com as mãos cheias do sangue da jovem travesti de 22 anos.
*Armando Januário dos Santos é Psicólogo (CRP–03/20912), Mestre em Psicologia, Especialista em Gênero e Sexualidade e Palestrante. Contato: (71) 98108-4943 (WhatsApp).
[1]Termo criado por mim durante a pesquisa que resultou na Dissertação de Mestrado em Psicologia, intitulada Vidas e amores para além da heterocisnormatividade nas experiências de travestis e mulheres transexuais. O texto se encontra no Repositório Institucional da UFBA e disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/37668/1/Armando%20Janu%c3%a1rio%20dos%20Santos%20-%20Disserta%c3%a7%c3%a3o%20de%20Mestrado.pdf
[2] Cristofascismo abrange a utilização do nome de Cristo para legitimar o conjunto de discursos e práticas supremacistas, totalitárias, imperialistas e intolerantes contra grupos sociais historicamente perseguidos, conforme descrição da teóloga alemã Dorothee Sölle, em 1970.
Gratidão!