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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

UMA CONVERSA DE BAR COM A ESQUERDA




Não vou aqui reproduzir toda a celeuma envolvendo o ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Silvio Almeida, acusado de assédio moral e sexual contra servidores, ex-alunas, professoras, e sobretudo, à ministra da Igualdade Racial Anielle Franco. A ONG Me Too, entidade que presta suporte a mulheres vitimadas pela violência de gênero, foi a responsável por colocar a boca no trombone. A partir daí, uma série de acontecimentos, desde negações de Almeida, utilização do ministério para defesa, o silêncio de Anielle e muita gente arrasada pelo fato de alguém tão responsável e acadêmico de respeito estar metido nessa. Claro que houve muita ponderação, aguardando a conclusão das investigações e outros achando essa história toda muito estranha. Sei que isso tudo é muito sério e propus, como o título insinua, um papo de boteco com pessoas que tenham posicionamentos progressistas, mas vou falar coisas muito sérias, não há nada de cômico, muito menos proferir falas de um embriagado.

 

Queria começar dizendo que ainda não sei sobre culpas e responsabilidades, mas chamar atenção para algumas atitudes do ex-ministro que não passaram batidas, porém, diz muito sobre suas reações. Ele, ainda ministro, publicou que o Me Too teria “histórico controverso” e tentou intervir em mudanças no Disque 100 – número a serviço do recebimento de denúncias sobre violação de direitos humanos – uma informação meio truncada. E que isso seria “vingança”, pois Silvio Almeida interveio e melou o plano da organização. Ora, se a liderança de um órgão é acusada de algo e começa a revelar trâmites internos de âmbito administrativo, é praticamente utilizar a estrutura de Estado para defesa pessoal e um apelo um tanto impulsivo, quase que chamando as responsáveis pela ONG pra sair no tapa! Isso sem qualquer sindicância interna, ou apuração burocrática. Ele definitivamente “largou o doce”, como um esquema de proteção particular. Há indícios sérios contra ele e agir no calor do momento não é uma boa política para um representante do seu nível.

 

Ouvi depoimentos de comentaristas políticos e gente nas redes sociais lamentando que o fato tenha envolvido dois negros, entretanto, vou dizer uma coisa... Os dois deveriam ser desracializados nessa questão por um motivo: assédio e violência não tem etnia. Psicanalistas sempre falaram do comportamento psicológico do assediador, que não é um monstro que está nos esperando meia-noite, atrás de um poste, pra atacar na surdina. São manipuladores, pessoas de confiança e que passam segurança. É um ato geralmente associado à figura masculina, e é isso que deve ser alertado, pois é um triste fator espalhado por muitos lugares, e por isso, fenótipos deveriam ser evitados para não alavancarem discursos estigmatizantes. A vítima também não tem cor, é um sofrimento advindo de práticas machistas, e isso é suficiente.

 

Sei que há uma representatividade e um espelhamento em uma pessoa negra, que tem tantas dificuldades de alcançar postos importantes de autoridade, mas a substituta é uma mulher negra, Macé Evaristo, com experiencia política e, talvez, muito mais afeita a destravar os mecanismos que paralisam avanços nessa seara. E agora vem outra menção: o cargo é mais importante que a pessoa, pois Direitos Humanos e Cidadania advém de lutas sociais, coletivas, é uma das virtudes dos movimentos sociais que são acolhidos pelas forças progressistas e demonstra todo o legado de unidade e bem-estar público que a esquerda tanto preza e é essência de sua existência universal. Por ter seus valores partilhados, é justamente por aí que devemos caminhar, visto que as causas estão num legado que muitos ajudaram a construir, inclusive Silvio Almeida.  E por isso mesmo não deve ser personalizado, algo que nos diferencia de outros espectros políticos.

 

Outra questão controversa é a chateação com esse episódio ter chegado a tal ponto que muitos já querem “limar” o nome de Silvio Almeida do mapa através de sua obra, deixar de utilizar seus escritos. Veja... muitos pensadores deixaram documentados suas teorias para a posteridade e se foram. Alguns tinham vida pessoal bastante conturbada e repleta de comportamentos lamentáveis. Imagine se fossemos estudar suas ideias, mas antes lêssemos as suas biografias. Muita gente nem iria cogitar ir adiante ao conhecer as primeiras derrapadas morais desses intelectuais. Não é assim que funciona. Nós estudamos os fundamentos do autor, baseados em experiências cientificas ou filosóficas, nada apegadas ao que eles foram ou deixaram de ser. Portanto, deixar de propagar ideários de um pensador porque quebrou regras de convivência social, não dá! Mesmo confirmado o crime cometido, Silvio Almeida não ficou conhecido por ser um assediador, e sim criador de um conceito muito utilizado pela área de Humanidades que é o racismo estrutural – concepção que atribui práticas racistas a trajetória social, e não um desvio de caráter. Vai deixar isso de lado? Mais uma vez: não se estuda a pessoa ou o que ela representa, mas sim os fundamentos de sua produção intelectual. A tese de Silvio Almeida é fruto de uma colaboração de toda uma literatura, sendo assim, vai muito além dele! É requisito da própria produção de sentidos que manifestamos ao contra-argumentarmos com outrem que pensa diferente de nós. Se o papel social de Almeida como pessoa negra pode ter sido abalado, o retrospecto de sua luta como negro a chegar em tal patamar é um motivo maior de orgulho que deveria ensejar um estímulo mais genuíno.

 

Por fim, tenho a impressão que fui utilizando um balaio de senso-comum desnecessário, pois parece uma pregação pra convertido. Mas esqueceram que estamos na birosca da esquina?

 

Um brinde aos enfrentamentos. Tim-tim.


FONTE:

 

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