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Foto do escritorMarcos Antônio Lima

Uberização e excesso de trabalho





Em primeiro lugar, vamos começar esta reflexão com uma observação importante, qual seja: esta não é uma situação de soma zero onde ou temos que defender um ou outro (a favor ou não da tecnologia), mas sim uma reflexão baseada no uso da tecnologia, especialmente no caso de Uberização.


O termo Uberização é uma clara referência à Uber, empresa responsável por promover o novo modelo de trabalho do século XXI em todo o mundo. Esse novo modelo de trabalho é baseado em serviços gerenciados por meio de aplicativos, empresas-aplicativos, ou seja, provedores de serviços conectados à clientes. Isso possibilita atender grande número de clientes sem comprometer o salário, pois não há vínculo empregatício direto e ainda há custos e riscos que são repassados ​​para a responsabilidade do (a) trabalhador (a).


No Brasil, os tipos de serviços mais populares oferecidos nesses modelos são motoristas particulares e serviços de entrega. Esses serviços, precarizados, acabaram se popularizando nos países da América Latina, onde há casos mais complexos de desemprego estrutural. Por exemplo, o serviço da Uber é mais popular no Brasil, no qual o transporte público é mais sucateado do que em lugares onde tem uma excelente mobilidade urbana.


Por um lado, temos um modelo mais prático para quem contrata os serviços, mas isso não exclui as críticas que vão de encontro ao problema da regulação do serviço prestado. Sem a regulamentação, a exploração que já existe, se aprofunda ainda mais.


Alguns (as) pesquisadores (as) usaram de entrevistas para entender mais de perto qual foi a jornada desses funcionários (as) e como eles (as) interpretam esse novo fenômeno. A utilização de fontes orais permite a realização de uma história interpretativa a partir de matéria-prima e esse método tem corroborado com as críticas sobre o excesso da jornada de trabalho e a falta de regulamentação da área.


A liberdade que esse novo modelo de trabalho defende é que não há imagem de um (a) gerente. Perceba que, neste caso, as empresas podem até economizar em custos de gestão, levando em consideração a capacidade de repassar a autogestão aos trabalhadores.


Na verdade, é observado que no modelo Uber, as vigilâncias e fiscalizações são maiores do que antes, pois o “localizador” do telefone calcula horas de trabalho e rotas, além da dependência da avaliação de clientes no aplicativo. Com tudo isso, a empresa dispõe de ferramentas suficientes para fiscalizar esses trabalhadores. A grande diferença é que o gerente se transformou na inteligência algorítmica.


Outro ponto a ser levantado é que a uberização tira proveito de um grande número de pessoas vivendo em condições precárias e que aceitam qualquer coisa que pelo menos garanta seu sustento. Portanto, não é difícil imaginar o sucesso dessa tendência e como ela continua a ser replicada por outras empresas em quase todos os setores. O que mais observamos é que as pessoas estão triplicando sua jornada de trabalho, eliminando seu tempo de descanso, lazer, para conseguir se sustentar. O mais complicado dessa reflexão é ter a consciência de que sem essas novas “oportunidades de exploração”, as pessoas podem estar em uma situação muito pior, desempregadas.


A grande crítica dessa lógica de “empresas-aplicativos” é precisamente que, no trabalho baseado em metas, não há uma meta superior definida, apenas uma meta inferior. Uma medida a ser tomada, diz José Balboin, advogado trabalhista, é que a empresa de aplicativos Uber estabeleça limites máximos de trabalho para os motoristas, garantindo, pelo menos, maior controle sobre os funcionários, não apenas para otimizar seus lucros, mas para tentar garantir o direito. A empresa Uber utiliza desse modelo de serviço porque precisa de um número gigantesco de mão de obra.


Novamente, as novas tecnologias nem sempre são utilizadas para inventar a roda, mas para atualizar o que já existe. Nesse caso, já existia a possibilidade de trabalhar informalmente e viver em condições de trabalho flexíveis, os famosos "bicos" são exemplos disso. A grande diferença é que todo esse trabalho informal agora é centralizado por algoritmos e gerenciado por por uma ou mais empresas.


A Uberização é um tipo de organização no mundo do trabalho que é fruto de crises no modelo atual de bem-estar econômico, políticas neoliberais, aumento demográfico, sociedade em rede etc. É neste momento que muitas previsões críticas sobre a indústria 4.0 e a sociedade 5.0 apontam para um cenário preocupante em que as novas tecnologias informacionais podem ser utilizadas não só para melhorar a vida humana, mas para explorar ferozmente as pessoas mais empobrecidas.



*Marcos Antônio Marques


Bacharel em Ciências Sociais (UFPI)





Referências e indicações de leituras:


ABÍLIO, L. C. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020. Disponível em:<https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/38579>.


ANTUNES, R; FILGUEIRAS, V. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020. Disponível em:<https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/38901/pdf>.


BABOIN. J. C. C. de. TRABALHADORES SOB DEMANDA: O CASO UBER. Rev. TST, Brasília, vol. 83, no 1, jan/mar 2017. Disponível em:<https://www.contadorperito.com/files/2017_baboin_jose_trabalhadores_demanda.pdf>.


ZAMORA, M. A. M; AUGUSTIN, A. C; SOUZA, A. S. B. dos.A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO COMO NOVA ARTICULAÇÃO ENTRE O ARCAICO E O MODERNO NO CAPITALISMO BRASILEIRO. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais – v. 8, n. 1, p. 55- 86, Janeiro-Abril/2021. Disponível em:<https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/224307/001125255.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.



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