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Foto do escritorAlan Rangel

Três constatações das eleições do primeiro turno no Brasil





Os costumes


O discurso moral tem muita relevância. Não importa se o candidato fez bizarrices durante um mandato; não importa se nega o poder da ciência, se apoia ideias e valores ultrapassados e fundamentalistas, ou mesmo se banaliza a morte, seja ela qual for. Tudo leva a crer que uma parcela do eleitorado brasileiro vota por afinidades ideológicas e personalistas. No caso da extrema direita, há votos no campo religioso e anti-progressita, de maneira geral, vide Damares, Eduardo Bolsonaro, o astronauta Marcos Pontes, o militar de pijama Pazzuelo, o anti ambientalista Ricardo Salles, Mario Frias e Osmar Terra, o médico cloroquina. Negacionistas, com defesa de valores da família tradicional, do nacionalismo, das armas e de um cristianismo distorcido. Todos aglutinados por Bolsonaro, que conseguiu capitalizar, e muito, a vitória dessas figuras medonhas da política brasileira. Alguns ficarão oito anos no Senado.


A cruzada moral em voga é, também, não nos iludamos, um contra-ataque aos valores iluministas, uma luta contra a razão, contra a ciência, contra a separação entre política e religião, contra a independência dos Poderes.


Também não vamos esquecer das figuras lavajatistas do judiciário, Sérgio Moro e Deltran Dallagnol, que fizeram suas carreiras políticas atropelando as regras do Estado de Direito, com um projeto de demonização da política, à revelia de tudo que consideramos avanços no campo dos Direitos Humanos e na defesa dos direitos civis e sociais. A vitória desses candidatos representa também uma derrota do Estado liberal, considerando as conquistas políticas no Ocidente. O apoio dessas aberrações jurídicas ao candidato Bolsonaro neste segundo turno esclarece muitas afinidades que possuem com a extrema direita.


A direita democrática


A eleição mostrou que a tal direita liberal no Brasil está em frangalhos. Por não se posicionar de forma muito assertiva em relação à direita radical ou extremista, e muitas vezes, ao longo da redemocratização, fazer o papel de político fisiologista coadjuvante, o que vemos é a derrocada de políticos da direita civilizada. O que se vê, aqui ou acolá, é alguns políticos diluídos em alguns partidos, ou ex políticos que dizem defender as bandeiras do liberalismo e da democracia. Mas não há um bloco, e muito menos um partido forte que dialogue com a população e demarque um campo próprio. Mesmo o partido Novo se perdeu durante esses últimos anos, e que, mesmo assim, parece mais um partido liberista, ou ultraliberal, descolado do liberalismo político e dos problemas sociais brasileiros. E tal partido hoje, que teve apenas três eleitos no Congresso, apoia o candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro.


O PSDB, o partido de centro direita, que esteve atuante durante o período republicano, encolheu. Elegeu somente 13 deputados. O partido começou a corroer a si mesmo e ao sistema político brasileiro, nas eleições de 2014, quando o candidato a presidente da época, Aécio Neves, alegou fraude na vitória da presidenta reeleita, Dilma Rousseff. Ao questionar a legitimidade das instituições, ele abriu a caixa de pandora, permitindo a ascensão de todo desejo ressentido, anti liberal e paranoico sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e, por tabela, das regras do jogo político.


É necessário fazer muito esforço, com ajuda de um microscópio intelectual, para ver por aí uma direita social, democrática ou progressista. Para piorar, há aqueles que carregam a bandeira de uma direita libertarianista radical, por vezes reacionária, vide MBL, que tem ganhado algum espaço, olhando a realidade por uma lente sem foco, ignorando contexto social e histórico brasileiro.


A candidata Simone Tebet, do MDB, que tem apoiado Lula no segundo turno, parece ser a persona democrática que pode dar alguma esperança futura à direita liberal, conservadora e civilizada no Brasil. A ver.


A vez dos progressistas identitários


Por último, os chamados progressistas – defensores das mulheres, dos povos originários, da população negra, dos Lgbtquia+ - que tendem a colocar um peso maior no reconhecimento, para usar um termo caro a Axel Honneth, do que na luta de classes, são os que representam com força a democracia hoje.


Os eleitos que carregam a bandeira da luta a favor do reconhecimento e ascensão das minorias, historicamente excluídas, é a ala democrática que tem mais entusiasmo na defesa das regras do jogo, e acreditam nas reformas políticas. Sim, eles se baseiam em reformas, que fique claro, e não algum tipo de revolução contra o sistema político ou contra a existência do capitalismo. E, comparado aos direitistas radicais e extremistas eleitos, a esquerda, em algum grau, é mais conservadora, ao menos do ponto de vista do respeito à Constituição e do aperfeiçoamento da democracia em favor da igualdade e pluralidade. Por fim, os chamados socialistas – com a essência na luta por redistribuição econômica - se elegeram com bandeiras e discursos que trazem o peso das identidades, chamados de a Nova Esquerda social-democrata.




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carlosobsbahia
carlosobsbahia
17 oct. 2022

Ótimo texto,Alan. Refletiu bem os campos ideológicos eleitorais. O personalismo político chegou no auge,não sabemos o quanto irá durar. Ao que parece,elementos sectários do processo político mobilizaram pautas morais acima de problemas históricos

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