Aconteceu de novo! Duas crianças morreram vítimas de “bala perdida” em um bairro do município Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. As primas Emily e Rebeca – de 4 e 7 anos – brincavam na porta de casa quando foram atingidas pelos disparos. Parentes das meninas afirmam terem visto uma guarnição da PM efetuando os tiros, e que não aconteceu confronto com criminosos em momento algum. Um projétil foi encontrado no corpo de uma delas e será periciado. Mais um drama familiar... Nesse 2020 atípico, essa tragédia é bem típica pra quem vive nesses bairros carentes de tudo: 22 crianças baleadas e 8 mortas somente no Rio de Janeiro. A polícia nega o tiroteio, mas não quero entrar no mérito de quem atirou ou não. Deixo isso com a balística. Importa mais o modelo de combate à violência, que ao invés de produzir redução dos crimes, conduz anjinhos aos céus.
Esse padrão de patrulhamento vem dizimando a população negra e pobre do país. Levantamento da Rede de Observatório da Segurança atesta que em 2019, do total de mortos pela polícia na Bahia, 97% eram negros e pardos; em Pernambuco, 93%; e no Rio de Janeiro, 86%. Não é novidade alguma esses números. As estatísticas gritam, há anos, que o planejamento ostensivo da segurança pública não perdoa a pele preta. O racismo é evidente. Em 2017, o comandante da ROTA de São Paulo, Tenente-Coronel Ricardo de Mello, afirmou que as abordagens nas regiões nobres devem ser diferentes das periféricas. Ou seja, para o próprio comando da polícia, cidadãos são diferentes entre si, de acordo com o bairro onde ele reside. Com isso, mostra disposição em acossar sujeitos nessas comunidades onde a melanina é mais perceptível. O caso ocorrido na Favela Naval em 1997 é emblemático nesse tratamento. Policiais que patrulhavam o local espancavam e torturavam qualquer transeunte que passava por lá. Sem qualquer motivo, atiraram em um veículo e mataram um morador. Até hoje a família do falecido espera indenizações. Toda ação foi filmada por um cinegrafista. Com o crescimento do monitoramento via câmeras, aumentam os flagrantes. Muita gente duvidaria da truculência policial se não fossem esses benditos equipamentos.
A situação piora ainda mais quando segmentos da população, preocupados com índices que nunca regridem, apelam para as urnas: nas eleições de 2018 militares de todas as patentes foram eleitos, aparecendo como os mais votados entre os deputados estaduais e federais. Em 2020, militares prefeitos cresceram 39% em comparação com 2016. O discurso de grande parte deles é mais repressão, maior segurança jurídica nas autuações, mais recursos, e um forte aparato para a guerra urbana. A narrativa virulenta seduz o eleitorado, visto os dados acima. O Youtuber Gabriel Monteiro foi o terceiro vereador mais votado no Rio de Janeiro (60 mil votos!). Monteiro havia sido expulso da PM por deserção e recebeu a pior das classificações do regulamento interno da instituição em sua ficha disciplinar, além de afrontar o então comandante geral Coronel Ibis Pereira. Se envolveu numa confusão em pleno sepultamento da garotinha Aghata Félix – morta por um tiro disparado pela polícia – agredindo um dos participantes daquela cerimônia. Armamentista, é defensor do atual governo federal e de “tudo isso que esta aí”. O governador afastado Wilson Witzel foi eleito com discurso de “atirar na cabecinha”. Estava longe de ser um dos favoritos, mas bastou aparecer ao lado de candidatos em um comício rasgando uma placa de rua homenageando a vereadora assassinada Marielle Franco (morta, adivinhem: por um policial e um ex-policial) que a mordacidade mostrou sua força: todos os envolvidos foram presenteados com cargos eletivos.
A corporação, no entanto, se sente cobrada com tantas exigências, de que numa “guerra civil” como vivemos nas metrópoles, só bomba, porrada, e tiro pode solucionar os problemas de insegurança. A polícia está pressionada com tanta política almejando “faca nos dentes” da tropa. Em 2019, foi detectado que 43 policiais foram afastados por dia em razão de transtornos psiquiátricos. A saúde mental dos profissionais pode corresponder ao desejo de transformá-los em verdadeiras máquinas de matar. E quando são mortos, a mesma voz que lamenta é a mesma que os motiva a revidar. As ações criminosas ocorridas recentemente nas cidades de Criciúma (SC) e Cametá (PA), com explosões de bancos e populares reféns, talvez indique que os trabalhos de inteligência e prevenção precisam ser mais fortalecidos, ao invés de correr atrás do prejuízo sob clamor dos afetados.
Não adianta apenas mudar o modus operandi de atuação ou o treinamento dos soldados. Parcela importante da população urge por medidas duras e não se afeta por declarações de ódio. Segundo estudos, 57% do território municipal do Rio de Janeiro é controlado por milícias, o que indica tolerância com esses grupamentos. Como melhorar a capacitação com tanta influência que contradiz aspirações para uma mudança? Enquanto isso, a roleta russa roda, sem se importar com a quantidade de corpos negros que irão tombar. E de quantos anjinhos ainda vão voar.
FONTE:
Imagem: Jornal Tribuna do Norte (Rodrigo Brum)
Que textaaaooooo daaaa p^$$!@ carambaa disse tudo e muito mais! Arrasou! Chega ferveu minha alma!