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SUPREMACIA DA BARBIE: como afeta nossas infâncias?






A supremacia da boneca Barbie vai além da comparação dela com outros brinquedos. Estou falando aqui de uma questão um pouco mais complexa - e muito bem sentida: a representação da boneca na construção de identidades infantis e na concepção de mundo.


O novo filme da ‘Barbie’, estreado agora, dia 20 de julho (mês onde também se comemora o dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha), que, para além do numeroso marketing e comoção midiática, também nos faz sim continuar problematizando a respeito do racismo (o acarajé rosa que o diga), da imposição de um padrão de beleza cultural, de performances de gênero e alianças com o consumismo.


O filme veio com uma tentativa de desconstrução em um mix de humor, sensibilização e aspectos da realidade vs barbielândia, mas se esforçou pouco para sair do debate feminista liberal e acabou não aprofundando muito em questões que de fato queríamos ver (a reparação histórica ainda não veio).


Quem nunca teve (ou desejou fortemente ter) a boneca Barbie, sua casa, seu carro, seu namorado, suas amigas, alguma de suas profissões, seu pet, seu avião, sua piscina, seu trailer, seu corpo, suas roupas e seus inúmeros acessórios (inclusive o boneco Ken é categorizado como um acessório da Barbie pela Mattel, viu?). O campo do desejo quando falamos da boneca Barbie não está conectado apenas ao ter, mas também à obstinação profunda em ser a própria boneca.


O ponto aqui é o simbólico do ‘ser a Barbie’ em culturas infantis carentes da representatividade de que você pode ser o que quiser sim, mas desde que seja branca, loira, magra e esteja sempre sorrindo e agradando a todos.


Segundo a professora e psicopedagoga Michelle Cechin (2012):


‘’A boneca manequim mais famosa do mundo, Barbie, envolta em um mundo cor-de-rosa, que evoca magia e fantasia, pode parecer apenas um simples e inocente brinquedo para entreter e divertir crianças. No entanto, ao se revisitar sua história, emergência e permanência no mercado de brinquedos, vê-se que sua produção está imersa em intenções pedagógicas, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento (BROUGÈRE, 2004; DEBOUZY, 1996; ROVERI, 2008; STEINBERG, 2001).’’

Junto à boneca mais vendida do mundo, também se compra uma ideia de beleza, de juventude e de poder, afinal, mesmo que a Barbie tenha diversas amigas de cores de cabelos diferentes (e até algumas tentativas de cores de pele), por que ainda assim quem desejamos ser é a loira da roupa mais rosa e bufante (como trazido no filme, a dita Barbie estereotipada)?


A noção de consumismo atrelada ao brinquedo se estende para além do que sua fabricante (Mattel) poderia contribuir com a venda da boneca e seus acessórios. Estamos falando de roupas, filmes e quaisquer outro tipo de produto que se possa existir vinculado ao nome, slogan [2] ou simplesmente a cor rosa.


Como então a imposição simbólica do ‘ser como/a Barbie’ cabe em uma boneca de 30cm e 150g? A partir da(s) infância(s).


A representação na primeira infância através do uso de brinquedos (uma vez que estão conectados com a dimensão do brincar, na qual a criança se estrutura) contribui significativamente para a construção da identidade da criança, já que a partir disso ela pode enxergar a si mesma e ao outro no mundo social.


Por esse e outros motivos, a área da pedagogia discute tanto a respeito da necessidade de multi-representações, cada vez menos hegemônicas (pessoas negras, deficientes, com diversos tipos de corpos, etc.) em todos os espaços que a criança acessa, afinal, isso pode – e vai – contribuir para sua formação identitária (na escola, na literatura, nos afetos, na relação familiar, no campo imagético do brincar, etc.).


Quando a criança está submetida à ideia de admiração à boneca Barbie (ou de suas réplicas econômicas), está sendo colocado para ela que a apreciação se associa aos símbolos de tudo que o brinquedo representa. Falamos da felicidade do ser a partir da magreza, da pele, olhos e cabelos claros, da rede recheada de amigas, do ter o namorado perfeito (precisamos falar sobre a heteronormatividade compulsória), todo tipo de veículo desejado e inúmeros acessórios.


O ser/brincar de bonecas/princesas, associado a um comportamento em torno do feminino e da feminilidade é uma ferramenta interessante para pensarmos como nossas subjetividades foram construídas em nossas infâncias a partir da Barbie (que ainda acompanha a infância de inúmeras crianças e que se recusa a sair de moda, pelo contrário, sabe injetar investimento em um bom marketing) e como esse universo continua presente no comportamento de diversas pessoas já na fase adulta da vida, que ainda não conseguem se desvencilhar da baixa autoestima e autoaceitação que uma representatividade daninha causa na infância de alguém.


O sucesso da Barbie não diz respeito apenas a práticas produzidas pelos seus criadores, mas também por aqueles que a utilizam. É verdade que a Barbie soberana e poderosa tentou mostrar a todos que poderia ser o que se deseja e ter quem se deseja (seja pelo Ken, pelo Max Steel ou pelos relacionamentos sáficos em que se envolvia, a partir da imaginação das crianças). Já sabemos que isso não é uma realidade, o próprio filme faz questão de separar a realidade do mundo humano e a realidade do mundo cor-de-rosa-empoderado da Barbie. Por que será, então, que ainda seguimos dando palco pra isso? A resposta pode estar em nossas infâncias.


Mas e você, já conseguiu ser a ‘anything’ que a Barbie prometeu?


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* Graduanda em pedagogia na UFBA. Instagram: @klynasc



Notas:

[1] ‘’You can be anything” (‘’Você pode ser qualquer coisa’’).


Referência:

CECHIN, Michelle Brugnera Cruz; SILVA, Thaise da. Assim falava Barbie: uma boneca para todos e para ninguém. Fractal: Revista de Psicologia, v. 24, p. 623-638, 2012. Disponivel em: https://www.scielo.br/j/fractal/a/kzJwqhmwy9Xgsz3SxhXPVdC/#:~:text=Envolta%20em%20um%20mundo%20de%20beleza%2C%20riqueza%20e%20aventura%2C%20que,da%20produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20subjetividades%20infantis

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