14 de novembro de 2022, segunda-feira
A escrita terapêutica auxilia no processo de superação de traumas, lidar com situações que estão deixando nossas cabeças cheias e, acima de tudo, desabafar sem que ninguém saiba do que você está falando. Quando se trata de um diálogo com um ouvinte, estamos sujeitos a julgamentos, suposições e idealizações, além das expectativas que são propostas sob nossas perspectivas de mundo. Na escrita, isso não acontece. Escrevo diário desde os oito anos e, mesmo com diversos erros de ortografia e concordância verbal, conseguia expressar meus sentimentos em prol de controlar minha índole ou, como posso dizer, controlar algumas crises que poderiam ter sido horríveis.
Assumo que com relação a crises, eu estou muito melhor. Percebi que não posso admitir que meu controle emocional esteja interligado a processos que estão além do meu controle. Na última sessão, eu e minha psicóloga chegamos a conclusão tardia de que sim, eu sou controladora. Quero controlar minhas emoções, as situações ao meu redor, saber o que vai acontecer e não quero (de jeito nenhum), que as propostas que foram impostas sejam violadas. O cotidiano deve, na minha percepção, seguir regras básicas de convivência social. Mas como o mundo não está de acordo, na prática tudo vai por água abaixo.
Sempre há alguém para gritar no pé do meu ouvido sem saber o dano que isso irá causar, por exemplo. Ou um motoqueiro que acha interessante acelerar e gastar a descarga da moto em prol de proporcionar um barulho muito inconstante. E, quem sabe, andar arrastando os pés na rua, ou andar com os calcanhares no andar de cima do meu apartamento. Alguém pode também bater portas e portões. Pode me ver na rua e achar viável gritar meu nome. As pessoas podem me abraçar e, se eu não corresponder, ser taxada de metida, arrogante e até nojenta. São diversas perspectivas de mundo que ultrapassam meu controle.
O ponto é: Como conviver com todos esses processos enquanto estou relativamente, aliás não… Eu estou literalmente vivendo um momento de reconhecimento de vulnerabilidades. Ao mesmo tempo, tenho aprendido a lidar com elas. Tenho tomado remédios diariamente, feito terapia semanalmente, tenho dado meu melhor. Mas ainda há momentos em que eu acredito não ser o suficiente. Eu tenho feito amigos, recebido visitas, comido bem, me exercitado, tô até me apaixonando de novo. Comecei o mestrado, tô estudando o que eu gosto e, mesmo gostando dos assuntos sobre gênero e sexualidade, assistir filmes que tratam do tema me dói. Dói muito perceber que enxergam pessoas LGBTQIA+ sempre como problemáticas, traumatizadas, instáveis… vítimas. Somos sempre vítimas. Eu entendo que a arte imita a vida, mas eu quero vislumbrar na ficção o que me trás epifania. Quero enxergar o que nunca vi. Quero receber do audiovisual perspectivas que não são tão óbvias com relação ao nosso processo social, político e cultural.
A sensação de pertencimento nesse mundo é muito relativa, não é? Em um momento você se sente exatamente onde você deveria estar. No outro, parece que você está flutuando no espaço sem nada à sua frente. Ah, atrás de você tem muito. Mas tá destruído, não dá pra voltar. É como se você precisasse criar uma nova matemática de vida que ainda não existe e, dentro das possibilidades que você tem, testá-las até encontrar a equação perfeita que te deixe confortável e, finalmente, lhe faça ter vontade real de ficar. Mas enquanto não encontramos a fórmula, corremos em círculos como ratos em gaiolas. É assustador ter ciência do que está acontecendo ao seu redor e, entre todas as conjunturas, não se sentir perdido, em pânico, morrendo de medo e sem saber por onde começar ou continuar.
Eu tinha achado minha fórmula. Acontece que ela não serve mais. E parece que é sempre assim quando chegamos em algum lugar por aqui. Fica obsoleto. Não serve mais. Quanto mais você corre para buscar, mais longe você fica de seu objetivo. Me sinto numa equação do infinito, onde corro atrás do zero e uma vírgula me afasta dele. Quando mais eu corro, mais zeros surgem atrás de mim para me afastar do zero que eu, no início, corria atrás.
Hoje eu achei uma lagarta no alface. John disse que há a possibilidade de ela virar uma mariposa, mas se transformar em borboleta ultrapassa a capacidade dela. Também compramos pão de forma. John comeu a tampa do pão de forma antes de chegar no final, onde tem outra tampa. Sabe o que isso significa? As tampas, que são almas gêmeas e sempre quiseram se encontrar, jamais vão alcançar seus reais objetivos. E se o objetivo da lagarta do alface for ser uma borboleta? Será que ela vai se sentir realizada se for uma mariposa ou estará correndo atrás do zero? Que tipo de lagarta eu sou?
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