SEM DINHEIRO? SEM FILHOS!
- Autor(a) Convidado
- 8 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

*Laís Albuquerque
Faço parte do grupo de pessoas que deseja imensamente viver a maternidade. Passeando em diversos grupos sobre essa temática, tenho percebido a existência de discursos que invalidam a escolha de determinadas famílias por causa do aspecto financeiro.
A princípio, este parece ser um pensamento altruísta, porque a lógica seria proporcionar o melhor para as crianças. Mas fico com dúvidas em relação a que classe vai perdendo o direito sobre a parentalidade, enquanto outra parece merecer apenas pela quantidade de dinheiro depositado na conta bancária.
Outra dúvida é sobre esse parâmetro do que é melhor: em que estamos pautando esse conceito? Será que a parentalidade se tornou possibilidade apenas para ricos?
Esse sentimento me motiva a escrever esse curto texto, já que esses questionamentos vivem sendo elaborados e de alguma maneira tem repercutido em mim…
É preciso pensar que em tempos neoliberais, até a maternidade precisa atender a uma demanda mercadológica e até os mais progressistas entre nós estão sendo seduzidos pelos discursos que defendem uma relação de parentalidade e ascensão econômica.
Eu tenho me questionado, por exemplo, se um parto humanizado na banheira, em um hospital particular, com fotógrafos e buffet de recepção para família é uma necessidade do maternar ou apenas o que o mercado precisa que eu acredite como algo fundamental. E eu não tenho essa resposta.
Por isso, faço perguntas que questionam essa lógica, mas admito que não tenho as respostas. Esse texto é um convite à reflexão, sobre dois discursos que cotidianamente acabo encontrando:
1- “O certo é esperar ter estabilidade financeira para depois ter filhos”
Eu me pergunto: o que é estabilidade financeira no capitalismo? Se o capitalismo é feito de crises e produz suas crises, como atingir essa estabilidade? Não seria esse um discurso liberal, que acredita que individualmente podemos nos esforçar até conseguir nossa estabilidade ou ascensão econômica?
2- “Só terei filhos quando melhorar financeiramente e puder pagar uma escola particular e plano de saúde, quero o melhor para meus filhos”
A parentalidade assume um viés de proporcionar aquilo que o capitalismo diz ser melhor. Se nessa lógica liberal estamos sendo bombardeados de discursos que desqualificam o espaço público, vamos sendo seduzidos a entender que uma boa parentalidade envolve proporcionar os espaços que o capitalismo determina: ESPAÇO PRIVADO.
Não estou invalidando essa escolha, apenas questiono a interferência do discurso liberal, que categoriza entre melhor e pior a partir da manutenção dos seus interesses.
Então me pergunto:
Por que o melhor para os filhos está relacionado a proporcionar tudo que tem a ver com o privado?
Pais que não proporcionam isso não estão oferecendo o melhor?
Quem determina o que é esse ''melhor''?
O que é melhorar financeiramente em um sistema econômico que não permite mobilidade entre as classes e que se organiza em classes?
Sutilmente, vamos sendo conduzidos a relacionar uma “boa” parentalidade a quantidade de coisas e espaços que podemos financeiramente proporcionar. É a escola bilíngue, as aulas de natação, o plano de saúde, a viagem pra Disney, os aniversários caríssimos, as roupas de marcas... e as crianças precisam disso? A parentalidade depende disso?
Estamos relacionando parentalidade a uma decisão que somente uma classe pode tomar, porque as pessoas pobres vão perdendo o direito sobre isso. Afinal, o outro discurso que circula é de que “pobre não deveria reproduzir”.
Vamos criando a falsa simetria de que se conseguimos custear tudo isso, logo somos bons pais. Porque no capitalismo a parentalidade é sobre o que você pode pagar.
Estamos sempre individualizando discussões que deveriam ser pensadas coletivamente. Tem tanta coisa para se pensar sobre parentalidade, inclusive sobre políticas públicas.
No fim, o discurso liberal influencia até mesmo nas competições entre as famílias sobre o desenvolvimento da criança, não é mesmo? Mas isso fica para um próximo texto.
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*Laís Albuquerque é graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil, Crianças e Infâncias - GEPECI/UFBA.
Imagem: Designer by freepik
A minha dívida quando leio esse tipo de texto é: quem se põe no lugar dos filhos? Uma coisa é não querer renunciar a nada até o ponto que essa escolha influencie a própria vida pessoal, mas é justo usar a vida de outra pessoa (filho), para querer combater as próprias batalhas.
O mundo é como ele é ou seja: se você não tem dinheiro não tem acesso a nada, e não falamos de coisas supérfluas como Disney ou brinquedos caros, mas de comida saudável, educação que quer dizer não só escola mas roupas, livros e material escolar, uma casa, esporte, dentista, poder levar o filho ao medico sem ter que esperar meses para ser atendido e principalmente poder arcar…
Grandes textos surgem de inquietações e atravessamentos pessoais e transformam isto em uma discussão ampla, socialmente relevante e que mobilizam leitores ao questionamento, nitidamente essa é uma característica pontual deste texto em meios a muitas outras que são perceptiveis. O texto é bem escrito, honesto, sincero, real e nos convida a puxar os tapetes de ideais "estáveis" sobre parentalidade e a enxergar como os discursos (neo)liberais estão introjetados. No entanto, a grande sacada deste texto é trazer uma discussão densa para uma seara mais tangível, próximo do nosso cotidiano e que facilmente podemos nos identificar, entender e compreender. Para mim, esse é um dos sinônimos da intelectualidade, parabéns a autora do texto.
Gostei muito do seu olhar!
Foi muito bom você trazer um texto com esse questionamento porque normalmente estamos debatendo entre os movimento de não-mães que crescem no mundo inteiro e as mulheres que são mães e reclamam por uma maternidade mais real. Você trouxe aquela que deseja a maternidade e encontra desde agora os discursos sobre a modelação mais certa para o desenvolvimento humano mais produtivo e eficiente para a máquina moedora de pessoas chamada capitalismo.
Eu achei muito interessante o texto. Você foi ousada ao oferecer a maternidade como um espaço de resistência política, e até de realização pessoal, ao invés de um simples peso nas costas de mulheres e suas carreiras. Seu texto traz um percurso diferente e ousado. A maternidade é vista como uma instituição que deve ser democratizada, difundida, ao contrário do desejo neoliberal por lucro, prestígio e uma obsessão pela carreira e o indivíduo. Sua análise lembra muito reflexões de feministas negras, concentrando as energias no fortalecimento de instituições (e não no abandono delas), especialmente figuras como Patricia Collins. Parabéns!!!