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SEM DINHEIRO? SEM FILHOS!



*Laís Albuquerque


Faço parte do grupo de pessoas que deseja imensamente viver a maternidade. Passeando em diversos grupos sobre essa temática, tenho percebido a existência de discursos que invalidam a escolha de determinadas famílias por causa do aspecto financeiro.


A princípio, este parece ser um pensamento altruísta, porque a lógica seria proporcionar o melhor para as crianças. Mas fico com dúvidas em relação a que classe vai perdendo o direito sobre a parentalidade, enquanto outra parece merecer apenas pela quantidade de dinheiro depositado na conta bancária. 


Outra dúvida é sobre esse parâmetro do que é melhor: em que estamos pautando esse conceito? Será que a parentalidade se tornou possibilidade apenas para ricos?


Esse sentimento me motiva a escrever esse curto texto, já que esses questionamentos vivem sendo elaborados e de alguma maneira tem repercutido em mim…


É preciso pensar que em tempos neoliberais, até a maternidade precisa atender a uma demanda mercadológica e até os mais progressistas entre nós estão sendo seduzidos pelos discursos que defendem uma relação de parentalidade e ascensão econômica.


Eu tenho me questionado, por exemplo, se um parto humanizado na banheira, em um hospital particular, com fotógrafos e buffet de recepção para família é uma necessidade do maternar ou apenas o que o mercado precisa que eu acredite como algo fundamental. E eu não tenho essa resposta.


Por isso, faço perguntas que questionam essa lógica, mas admito que não tenho as respostas. Esse texto é um convite à reflexão, sobre dois discursos que cotidianamente acabo encontrando:


1-     “O certo é esperar ter estabilidade financeira para depois ter filhos”

Eu me pergunto: o que é estabilidade financeira no capitalismo?  Se o capitalismo é feito de crises e produz suas crises, como atingir essa estabilidade? Não seria esse um discurso liberal, que acredita que individualmente podemos nos esforçar até conseguir nossa estabilidade ou ascensão econômica?


2-     “Só terei filhos quando melhorar financeiramente e puder pagar uma escola particular e plano de saúde, quero o melhor para meus filhos”


A parentalidade assume um viés de proporcionar aquilo que o capitalismo diz ser melhor. Se nessa lógica liberal estamos sendo bombardeados de discursos que desqualificam o espaço público, vamos sendo seduzidos a entender que uma boa parentalidade envolve proporcionar os espaços que o capitalismo determina: ESPAÇO PRIVADO


Não estou invalidando essa escolha, apenas questiono a interferência do discurso liberal, que categoriza entre melhor e pior a partir da manutenção dos seus interesses.


Então me pergunto:


Por que o melhor para os filhos está relacionado a proporcionar tudo que tem a ver com o privado?


Pais que não proporcionam isso não estão oferecendo o melhor?


Quem determina o que é esse ''melhor''?


O que é melhorar financeiramente em um sistema econômico que não permite mobilidade entre as classes e que se organiza em classes?


Sutilmente, vamos sendo conduzidos a relacionar uma “boa” parentalidade a quantidade de coisas e espaços que podemos financeiramente proporcionar. É a escola bilíngue, as aulas de natação, o plano de saúde, a viagem pra Disney, os aniversários caríssimos, as roupas de marcas... e as crianças precisam disso? A parentalidade depende disso?


Estamos relacionando parentalidade a uma decisão que somente uma classe pode tomar, porque as pessoas pobres vão perdendo o direito sobre isso. Afinal, o outro discurso que circula é de que “pobre não deveria reproduzir”.


Vamos criando a falsa simetria de que se conseguimos custear tudo isso, logo somos bons pais. Porque no capitalismo a parentalidade é sobre o que você pode pagar.


Estamos sempre individualizando discussões que deveriam ser pensadas coletivamente. Tem tanta coisa para se pensar sobre parentalidade, inclusive sobre políticas públicas.  


No fim, o discurso liberal influencia até mesmo nas competições entre as famílias sobre o desenvolvimento da criança, não é mesmo? Mas isso fica para um próximo texto.


______

*Laís Albuquerque é graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil, Crianças e Infâncias - GEPECI/UFBA.



Imagem: Designer by freepik

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12 Comments

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Grandes textos surgem de inquietações e atravessamentos pessoais e transformam isto em uma discussão ampla, socialmente relevante e que mobilizam leitores ao questionamento, nitidamente essa é uma característica pontual deste texto em meios a muitas outras que são perceptiveis. O texto é bem escrito, honesto, sincero, real e nos convida a puxar os tapetes de ideais "estáveis" sobre parentalidade e a enxergar como os discursos (neo)liberais estão introjetados. No entanto, a grande sacada deste texto é trazer uma discussão densa para uma seara mais tangível, próximo do nosso cotidiano e que facilmente podemos nos identificar, entender e compreender. Para mim, esse é um dos sinônimos da intelectualidade, parabéns a autora do texto.

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Gostei muito do seu olhar!

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Foi muito bom você trazer um texto com esse questionamento porque normalmente estamos debatendo entre os movimento de não-mães que crescem no mundo inteiro e as mulheres que são mães e reclamam por uma maternidade mais real. Você trouxe aquela que deseja a maternidade e encontra desde agora os discursos sobre a modelação mais certa para o desenvolvimento humano mais produtivo e eficiente para a máquina moedora de pessoas chamada capitalismo.

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Exatamente.

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Rated 5 out of 5 stars.

Eu achei muito interessante o texto. Você foi ousada ao oferecer a maternidade como um espaço de resistência política, e até de realização pessoal, ao invés de um simples peso nas costas de mulheres e suas carreiras. Seu texto traz um percurso diferente e ousado. A maternidade é vista como uma instituição que deve ser democratizada, difundida, ao contrário do desejo neoliberal por lucro, prestígio e uma obsessão pela carreira e o indivíduo. Sua análise lembra muito reflexões de feministas negras, concentrando as energias no fortalecimento de instituições (e não no abandono delas), especialmente figuras como Patricia Collins. Parabéns!!!

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Thiago, feliz com esse comentário. Minha proposta é exatamente essa, que bom que o texto deu conta da gente fazer essas análises.

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Gostei muito dessa discussão sobre o capitalismo e liberalismo.


Agora, eu acho que faltou também uma discussão sobre o Estado. Não é só a questão do capital, mas a inabilidade do Estado sobre a importância de cuidar também de seus nascimentos. Esse é o aspecto coletivo que precisa ser pensado.


Colocar um monte de gente por aí, sem o amparo público é difícil também. Infelizmente.

Existe algum projeto coletivo? Não. E sabe por que? Porque esse modelo de Estado Nação é fracassado.

Deveríamos voltar ao moldes comunitarios

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Eu senti falta disso no meu texto também kkk tentei falar disso no final, quando digo que precisamos pensar nisso coletivamente, cito as politicas publicas... mas ficou esvaziado. Quem sabe um proximo texto me ajude aprofundar isso.

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