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SEM ANISTIA: A ATITUDE DO IRA!. DIAS DE LUTA...

Atualizado: há 60 minutos




Era mais um show da banda paulistana Ira!, surgida durante o movimento do rock Brasil dos anos 1980, em Contagem (MG). Durante a execução de uma música, o vocalista Nasi gritou “Sem Anistia”, no que foi acompanhado por parte do público. Já a outra parte, vaiou a atitude do cantor. Nasi não deixou barato: “Pra vocês que estão vaiando, eu vou falar uma coisa pra vocês: tem gente que acompanha o Ira!, mas nunca entendeu o Ira! Nunca entendeu o Ira! Tem gente que acompanha a gente e é reacionário, tem gente que acompanha o Ira! e é bolsonarista, isso não tem nada a ver, gente! Por favor, vão embora! Vão embora da nossa vida! Vão embora e não apareçam mais em shows, não comprem nossos discos, não apareçam mais. É um pedido que eu faço”. Ele estava expulsando gente que estava reclamando dele ter manifestado o desejo de condenação de todos os envolvidos na tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Nada mais normal numa apresentação de uma banda que surgiu nos rastros do pós-punk. Gritos da multidão, pobre de ti, irmão.

 

Eis que uma semana após esse episódio – ocorrido no final de março – a produtora 3LM Entretenimento, que estava à frente da organização das apresentações da banda nessa turnê, emitiu uma nota cancelando os shows do Ira! em quatro cidades do Sul do país devido, segundo ela, a “inúmeros pedidos de cancelamento de ingressos já adquiridos” pelo público e citou o imbróglio acontecido em Contagem. Essas exibições seriam em Jaraguá do Sul e Blumenau (SC), Pelotas e Caxias do Sul (RS). A produtora ainda alfinetou essa atitude: "artistas deveriam subir ao palco apenas para apresentar suas músicas e talentos". Parece que a os responsáveis também não gostaram muito do desejo de punição a golpistas... É o Ira! vivendo dias de luta.

 

Bem, antes de mais nada, queria relatar um pouco minha ligação auditiva com o Ira!. Nunca foi uma banda que eu curtisse tanto como outras do período, mas já cantei muito suas canções e fui a um show deles tempos atrás. Quando tocava violão, adorava dedilhar “Prisão das Ruas”. Porém, uma letra que sempre me incomodou foi “Pobre Paulista”, com trechos altamente xenófobos.

 

“Não quero ver mais essa gente feia

Não quero ver mais os ignorantes

Eu quero ver gente da minha terra

Eu quero ver gente do meu sangue

Pobre São Paulo, pobre paulista”

 

É clara a alusão a nordestinos, sempre rechaçados pela sociedade paulistana. A letra fala de uma juventude que manifesta e acata o ódio que advém de sua rebeldia.

 

Todos os não se agitam,

Toda a adolescência acata,

E minha mente gira,E toda ilusão se acaba!

Dentro de mim sai um monstro,Não é o bem nem o mal,

É apenas indiferença,É apenas ódio mortal.

 

Desta feita, sempre evitei cantar essa música, é bem simbólica pra uma galera que ama judiar de imigrantes vindos do Norte. E não é que estava certo? Nasi afirmou durante uma entrevista que “Pobre Paulista” é uma música racista sim, composta pelo guitarrista Edgard Scandurra, que anos depois confessou que praguejava contra a música de Caetano, Gil e afins e escreveu essa letra extremamente pejorativa – pra dizer o mínimo!  Pra piorar, o apelido Nasi vem de nazista mesmo! Diz ele que era muito briguento na escola, e como nessa época passava a série “Holocausto” na TV, seus colegas o apelidaram assim. Marcas nada assimiláveis para alguém que curte a banda saber desse passado escroto. Soube que a banda não toca mais essa música. De todo esse passado, boas e más recordações.

 

Mas o Ira! Não é só isso. E aí cabe analisar essa pandega ocorrida lá em Minas. As bandas dos anos 1980, quase todas elas, se manifestaram favoravelmente a Lula nas eleições de 1989. Nessa época, os shows eram incendiários, com gritos de “Lula-lá”, olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”*. Parte daquela geração cresceu durante os anos mais deletérios de ditadura militar e queria algo novo e revolucionário. Obviamente, a maioria carregou consigo ideologias que se inclinavam mais pro lado esquerdo da força, com algumas exceções (Roger, do Ultraje a Rigor, que o diga...). Foi o caso do Ira!

 

Uma banda que compõe uma música como “Núcleo Base” já deu o recado (“eu tentei fugir/não queria me alistar/eu quero lutar/mas não com essa farda”). As letras do Ira! Tem base social sim. De fato, não tem como um sujeito ficar indignado porque o cantor da banda evocou gritos de “Sem Anistia”. Perdeu o bonde da história. A produtora que cancelou os shows, também. Praticamente disseram que a arte precisa ser parnasiana, sem “viés ideológico”, esse papinho furado.

 

Um indivíduo que fica indignado e não vai a um espetáculo de um grupo que admira PELAS SUAS CANÇÕES, porque considera que a “ditadura de toga” tá perseguindo “cidadãos de bem” e acredita que a banda vai passar quase duas horas só cuspindo bordões, deve estar vivendo em Nárnia! Foi um episódio, numa cidade! Isso não significa que a turnê trata de discurso político “esquerdista” o tempo inteiro! Porra, precisa falar isso? Eis o homem que se apanha chorando!

 

E digo mais: deixar de ouvir um artista porque ele demonstra posicionamentos políticos ideológicos diferentes dos seus, é dose! As músicas são mais importantes que qualquer manifesto, o que não quer dizer que o artista deve se calar no palco e deixar de lado suas opiniões. Levando-se em conta a chateação de alguns sulistas, o artista precisa emitir uma certidão, registrada em cartório, ratificando que só se apresenta pra cantar e só! Sem qualquer menção aos dramas sociais e políticos de um país que ele vive, no qual suas mazelas se tornaram fonte de inspiração pra toda uma carreira! Agora vai ser assim, patriotas? Tenha Santa Paciência!

 

Pra encerrar, talvez o pessoal que esteja chateadinho com a banda, só tenha escutado “Cabeças Quentes”, música que pode sim ser vista dubiamente por essa caterva:

 

“Ele é um homem

como qualquer um

Nunca foi tão violento, cidadão comum

Mas ele sabe que de uma hora para outra

Se preciso for lutar, não tem como vacilar

Vai ser preciso

Vai ser preciso, sim”


*registros pessoais


FONTE

 

 

 

IMAGEM: Uhuu

2 Comments

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Áurea Añjaneya
há 19 horas
Rated 5 out of 5 stars.

Amei o texto!

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Guest
há um dia

"Quando se sabe ouvir

Não precisam muitas palavras"


Eis meu recorte depois do seu texto!


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SOTEROVISÃO
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