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Foto do escritorLígia Costa

SALVADOR DO AMOR E DA DOR



Salvador é uma cidade que não tem igual. É aquela que consegue amar e odiar com a mesma intensidade aquilo que é ou que diz ser. Todos os anos, principalmente no verão, a cidade é visitada por inúmeros turistas nacionais e internacionais. Entre janeiro e fevereiro de 2024, conforme análise da Secretaria de Cultura e Turismo da capital, passaram pela cidade mais de um milhão de pessoas.

 

É gente, viu! Gente que chega de todos os cantos em busca dos encantos de Salvador e encontra. A beleza da cidade é incontestável, ornada pelo sol que pode ser visto por diversos ângulos em ambientes pagos ou não e há quem eleja pontos especiais para apreciar o pôr do sol, por exemplo, como se existissem sóis diferentes reinando nessa cidade. Será? Eu mesma tenho o meu lugar favorito.

 

A história, a arte, a arquitetura, a culinária entre tantos outros bens constituem grandes riquezas de Salvador, mas nada, absolutamente nada se compara ao povo dessa terra, são pessoas forjadas pelo amor e pela dor. O soteropolitano ama a cidade. Eu até arrisco dizer que somos os mais barristas entre os brasileiros, é muito difícil ouvir críticas dos de fora sobre a cidade, nós sim reclamamos do trânsito, da política, de tudo mais que julgamos ruim por aqui, mas somente nós podemos fazer isso. Para que tenha ideia do que digo, por amor a terra, torcedores do Bahia torcem pelo Vitória e vice-versa, quando o rival enfrenta um time adversário (Tá bom! Têm uns abestalhados que não).

 

E por falar em abestalhado, já ouviu os xingamentos dessa cidade? Xingamentos não, palavrões que antes de ofender, provocam risos, tamanha é a expressividade posta na emissão que só quem é daqui é capaz de entender os significados e suas sutis nuances. Nenhuma “Lá ela!” é dita com tanta maestria e nem com tanta justeza de colocação como a dos soteros, quem não é da terra se atrapalha com a naturalidade com que um palavrão surge em uma conversa despretensiosa. Dizem até que “porra” por aqui é vírgula.

 

Para constatar isso e ao mesmo tempo não perder a oportunidade de aguçar todos os sentidos, sugiro que você saia para comer em Salvador, mas não seja mijão e fuja dos shoppings. Vá conhecer a culinária de bairros em Salvador e de bônus testemunhará cenas e histórias que só acontecem aqui. (As redes sociais estão cheias de roteiros interessantíssimos). Salvador é uma cidade que precisa ser sentida, principalmente ouvida em sua linguagem peculiar que pode ser uma expressão de dengo, um “frete” ou mesmo um carão em questão de segundos.

 

Para quem decide conhecer a cidade e pode estender a visita para além de Salvador, garanto que valerá muito a pena. Afinal já referenciam Salvador como a Bahia mesmo, desconsiderando que somos a capital e o Estado é composto por muitas outras cidades, um chão de terra sem fim. Assim como fazem com todo o Nordeste, ignorando as particularidades dos nove Estados, tentam nos denominar como se soubessem sobre nós mais do que nós mesmos, nos reduzindo as suas pobres interpretações e mísero conhecimento. Só que Salvador é grande e a Bahia é um mundo de diversidades onde todas as cidades estão irmanadas em suas baianidades.

 

Ao contrário do que os de fora dizem, Salvador, Bahia, Nordeste são territórios de multiplicidades, lugares de superlativos, portanto impossíveis de serem medidos por estereótipos e preconceitos estrategicamente criados e atualizados de forma recorrente pelos tentáculos do colonialismo em uma tentativa de reduzir, desqualificar e negar.

 

Conhecida como a cidade mais negra fora do território africano, Salvador tem como núcleo cultural a influência negra que é vendida e comprada por uma multidão de pessoas que sonha vivenciar o clima de felicidade eterna e a ideia de democracia racial criadas pela administração pública e por setores turísticos que arrecadam cifras astronômicas anualmente. A Roma Negra é terra de orixás, de dendê, de samba-reggae e de axé e, coincidentemente, aqui gente preta, se bobear, dança.

 

Em um verdadeiro paradoxo, enquanto a cultura negra é amada, pessoas pretas ou quase brancas, tratadas como pretas, são exterminadas todos os dias, em mortes reais ou simbólicas. São retiradas dos grandes centros, preparados em beleza para os que pagam para usufruir desses espaços, e são empurradas para as regiões periféricas, sentenciadas quando não à morte, à carestia e ao apagamento, mas elas existem e resistem, muitas movimentando essa cidade antes mesmo do sol nascer. É só olhar para o lado, há sempre um sorriso aberto daqueles que decidiram mais uma vez seguir.

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Boa descrição da cidade e do povo. Porém,torcer pro adversário? É ruim! Tá amarrado!

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