Uma queixa que muitas mulheres vêm trazendo ao consultório é a cobrança excessiva das pessoas em relação a estarem solteiras, ou, se estão namorando, em relação a quando irão se casar, bem como os efeitos disso em sua saúde mental.
Com a chegada das festas de fim de ano, também chegam aqueles comentários e perguntinhas inconvenientes nas reuniões familiares: “Olha o relógio biológico!”, “Você não está ficando mais jovem", “Tão bonita e não tem namorado, por quê?”, “Onde está o namoradinho?”. Talvez isso até tenha menos impacto esse ano, por conta da pandemia.
Mas o fato é que uma grande quantidade de pessoas demonstra pensar que a mulher tem um prazo de validade, que está correndo à toda, e ao findar, sua chance de ser feliz acabará junto com ele. Uma contagem regressiva cruel.
Mulheres na faixa dos trinta são as que mais sofrem com a cobrança. É como se fosse um momento de definição. Isso é tão marcante que quando começa a se aproximar tal idade (a depender da configuração psicológica de cada uma, claro) vem um grande temor acompanhando o aniversário. Uma certa auto avaliação de “como elas já deveriam estar”.
O interessante é que se fizermos uma comparação de como são vistos socialmente uma mulher e um homem dessa faixa etária, notaremos uma diferença gritante.
O homem de trinta anos solteiro, focado na carreira, que nem pensa em filhos por ora, é extremamente valorizado, bom partido, normal.
Já uma mulher da mesma idade nessa condição, encontra o olhar contrário. É como se ela fosse perdendo o valor a cada ano que avança após os trinta e, por isso, precisa “correr atrás do prejuízo”, senão ficará “pra titia”, encalhada. "Se está solteira, algum problema deve ter".
Por que uma mulher solteira é sinônimo de solidão, tristeza, infelicidade? Por que ao modo de ver da sociedade ela não pode estar bem sozinha?
Anteriormente, quando precisávamos ser sustentadas por um homem, esse raciocínio até poderia ser válido. Atualmente ele não faz mais sentido algum, todavia a sociedade ainda não assimilou isso.
Não estou defendendo aqui que não é importante o vínculo, a conexão, estar com outra pessoa. Sim, é uma necessidade básica do ser humano, mas esta pode ser suprida de várias formas além de um namoro, casamento e filhos.
Percebo que as pessoas têm uma vontade incontrolável de cobrar dos outros prazos e mais prazos. E isso fica muito mais evidente quando o gênero é feminino.
É, o prazo de validade.
Quando penso em prazos de validade, penso em produtos na prateleira, esperando para serem comprados, antes que vençam, caso contrário serão descartados, pois não servem mais. Por isso lancei o termo no título, acredito ser uma boa analogia.
Somos pessoas, mulheres, cada uma com sua individualidade, desejos e escolhas específicas, não produtos em série colocadas em uma gôndola.
Por isso não há prazo! Teremos caminhos diferentes, e comparações de vida não cabem a quem é diferente, ou seja, não cabem a ninguém.
Diante disso, quero adentrar em outro ponto: como esses prazos e comparações afetam você, leitora? Você se sente menos, inferior, quem sabe até insuficiente por não estar com alguém ainda ou não ter sido “pedida em casamento”?
Perceba como as expressões colocam a mulher numa posição sempre de alguém que espera, passiva. À espera de um salvador, príncipe no cavalo branco (tal príncipe que por vezes se torna um sapo, que o diga meu texto anterior).
Para designar esse fenômeno social de cobrança, surgiu uma expressão inglesa, Single Shaming - que ao ser traduzido, equivaleria a "vergonha da solteirice" - definindo diversos acontecimentos onde uma mulher sente-se julgada por estar solteira.
O termo também se relaciona às várias consequências psicológicas e emocionais que impactam diretamente na vida da população feminina a partir disso. Dentre elas estão um sentimento de incompletude, de incapacidade, baixa autoestima e inadequação em relação aos outros.
O fator single shaming resulta em que as mulheres se sintam mais conectadas com o que o social espera delas do que com o que verdadeiramente querem. Criar um vínculo consigo mesma e cultivar o amor próprio é de suma importância para quem é afetada pela situação.
Voltando a indagação, você, mulher, entra nessa comparação, exigência social? Se pega com um tanto de pensamentos sobre qual problema, erro, possui por não estar dentro ou não querer estar dentro dos padrões que o “povo dos prazos” acha correto?
A questão é que as pessoas e acontecimentos de vida não tem prazo ou padrão pré-definido, leitores.
Me vem à cabeça uma metáfora da qual gosto muito, que fala sobre a pipoca. Pipoca? O que pipoca tem a ver com isso tudo?
Pois bem. Se você parar pra pensar, quando vamos fazer pipoca, aquela à moda antiga de panela (mas pode valer pra de micro-ondas também viu), os grãos de milho vão estourando em momentos diferentes, não é mesmo? Nunca um milho estoura no mesmo segundo ou da mesma maneira que o outro.
Colocamos estes na mesma panela, óleo e temperatura, ok? Ainda assim, para que virem pipocas, terão um tempo específico, individual. Haverão também aqueles milhos que não irão estourar. Eles preferem continuar milhos e tudo bem, não precisam ser pipocas.
Assim também acontece conosco. Cada um terá um tempo e escolhas diferentes na vida, nem por isso será infeliz, talvez exatamente o contrário (isso vale pra outros aspectos como trabalhos, estabilidade financeira, etc). Como escrevi acima, não seremos comparáveis
A atriz inglesa Emma Watson, que completou trinta anos em abril de 2020, declarou em uma entrevista que seu status de relacionamento atual era "self-partnered", ou "em parceria com ela mesma".
“Segundo definição do Urban Dictionary a expressão significa "um sinal de que você está feliz e contente consigo mesma e não está procurando um relacionamento".
Pelo visto a eterna Hermione (para os fãs de Harry Potter) não liga para galera do prazo de validade, nem single shaming, hein? E por que as mulheres precisam ligar mesmo?
Estar com alguém deveria ser um ato de desejo pessoal, não um fator que vai lhe conferir um carimbo de aceita ou não aceita. Felicidade não vem de status de relacionamento. Se assim o fosse, divórcios não ocorreriam.
Felicidade vem de atitudes alinhadas com as suas necessidades emocionais, não com as sociais ou de outra pessoa. Saber o que te faz bem e procurar ter comportamentos compatíveis para com isso, aí está a possibilidade real de felicidade, a meu ver.
Então, se for pra pensar em validade, pense em validade do seu desejo, não dos outros ou de um prazo a ser cumprido.
Imagem:
https://www.uol.com.br/universa/colunas/2019/09/23/so-as-mulheres-sem-vergonha-sao-felizes.htm
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