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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

Relatório Figueiredo: o massacre brutal que o Brasil desconhece!

Quem estuda a história do nosso país sabe que encontramos em nossas memórias diversos malfeitos e crimes contra a humanidade. Escravizamos afrodescendentes durante 350 anos, que foram deixados à mingua após a extinção do regime; golpes foram praticados, pessoas presas e perseguidas, corrupção nos altos escalões do poder, regimes autoritários, pobreza alarmante, racismo, homofobia, machismo... Não faltam fatos vergonhosos e absurdos gloriosos na biografia do Brasil. Porém, ainda há escassa divulgação daquele que pode ser um dos piores crimes, presente desde que os colonialistas pisaram por aqui: o genocídio das populações indígenas. Notícias não faltam, no entanto, os reflexos na sociedade são imprecisos e de pouco impacto.


Pestes, aldeamentos dizimados, conflitos agrários, garimpos ilegais... Apesar do esforço de alguns setores institucionais para que prevaleça o reconhecimento de territórios e reservas para os índios viverem, o que predominou foram mortandade, tortura, e arbítrios variados contra essa gente. O Relatório Figueiredo deixa isso muito claro. Esse documento revela ações tão escabrosas que os termos utilizados são pesados e o que foi descoberto deveria deixar os cidadãos de um país em total perplexidade.


A prévia para este registro foi a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em 1963 para averiguar as condições de vida dos índios e apontava irregularidades nas atuações do Serviço de Proteção ao índio (SPI). Publicado o parecer final, o escândalo da cumplicidade do órgão de proteção ficou evidente. O Ministério do Interior delegou uma comissão para investigar a fundo o que de fato ocorria e quem estava por trás dos crimes. Chefiada pelo procurador Jader de Figueiredo, que percorreu centenas de quilômetros para estar in loco em povoações indígenas, colheu dados que resultou no Relatório que leva seu sobrenome. Foi divulgado em 1968, antes da promulgação do Ato Institucional – 5 (AI-5), quando o documento foi arquivado e ficou desaparecido por 45 anos, sendo resgatado por esforços da Comissão Nacional da Verdade.


O que foi revelado? Detectou-se um “antro de corrupção inominável” nas atividades do SPI, acobertando práticas de tortura, escravidão, e sevícias realizadas por grileiros, comerciantes, políticos, desembargadores, juízes, deputados, delegados, entre outros. O professor José Ribamar Bessa Freire da Pós-Graduação em Memória Social da UFRJ – que coordenou o Programa de Estudos dos Povos Indígenas – relatou:


"A repercussão do Relatório Figueiredo foi grande porque não se tratava de um caso patológico, de pessoas que eram psicopatas e que atacavam os índios, mas de pessoas normais, que tinham família, que frequentavam a Igreja, tinham conta no banco e faziam carinho em seus filhos e, de repente, essas pessoas estavam envolvidas”


Algumas passagens do RF mostram o caráter hediondo do que estava sendo feito:


“A fertilidade de sua cruenta história registra até crucificação (...). Havia alguns que requintavam a perversidade, obrigando pessoas a castigar seus entes queridos. Via-se filho espancar mãe, irmão bater em irmã, e assim por diante”


Os registros parlamentares cobrem apenas os anos de 1962 e 1963, e o trabalho de Figueiredo estende-se até 1967. A Comissão da Verdade teve acesso ao documento em 2013, e divulgou o dossiê com 30 volumes e mais de sete mil páginas. Lá estão confirmados desaparecimentos de tribos inteiras, apropriação de patrimônio indígena, prostituição de índias, tudo com participação ativa de agentes de Estado e poderosos proprietários de terras. Não faltam perseguições com arsenal de guerra, armamento pesado, bombardeios aéreos, inoculações de varíola, açúcar doado misturado com estricnina, cárcere privado, chicotadas no tronco, etc.. Tudo fazia parte de ocupação do território brasileiro com aval de militares.


Apesar de tanta covardia, a Comissão Nacional da Verdade foi criticada após apresentação desse dossiê, sobretudo por militares. Essa equipe foi criada através da Lei 12.528 de 2011 e tinha como objetivo investigar crimes e mortes cometidos por representantes do Estado durante o Regime Militar. Embora as condições expostas tenham ocorrido anteriormente ao Golpe de 1964, os militares não o expuseram, afirmando que o documento havia desaparecido durante um incêndio. Ele foi encontrado no Museu do Índio pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Grupo Tortura Nunca Mais e entregue à Comissão da Verdade.


O professor Ribamar Bessa indicou uma situação que pode ter sido essencial para o esclarecimento dos fatos relatados: a importância do método de alfabetização criado por Paulo Freire. Após a escolarização de índios que aprenderam o idioma português, naquele período do início dos anos 1960, muitos passaram a revelar opressões sofridas aos educadores. Então, dados foram levantados sobre essas denúncias que enriqueceram inquéritos e fizeram parte do parecer.


Outra observação do professor foi a continuidade de ações brutais contra indígenas durante o governo militar. Durante a construção da Rodovia BR-174, entre Roraima e Amazonas, os Waimiri-atroari foram trucidados pelo exército brasileiro, com o beneplácito do Comando Militar da Amazônia, fato descoberto pela Comissão da verdade.


Essas transcrições permanecem ainda muito omitidas e o reflexo disso é uma sociedade que confia irrestritamente nas Forças Armadas e na ordem reproduzida por ela. O Instituto Paraná Pesquisas realizou um levantamento que aponta 32,6% de confiança nos militares pela população. As urnas eleitorais têm certificado vitórias de vários parlamentares oriundos da esfera militar nas últimas eleições. Ações policiais tem sido questionadas por alguns movimentos, não encontrando eco nas demais organizações púbicas. E muitos oficiais de alta patente tem colaborado com o desprestigiado governo Bolsonaro.


Há muito o que ser revelado sobre a ação do Estado contra populações vulneráveis, guardadas nos recônditos de instituições públicas Brasil afora. Não vivemos um bom momento de acessibilidade a informações desse nível, o que nos faz refletir sobre os estágios sombrios de nossa lamentável trajetória como povo e que grande parte da população desconhece.


FONTE:




IMAGEM: Jornal Midiamax - UOL


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