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Foto do escritorMarcos Antônio Lima

REFLEXÕES SOBRE A JUSTIÇA BRASILEIRA: OS DESAFIOS REVELADOS PELO PODCAST 'PROJETO HUMANOS”




Neste artigo, abordarei uma experiência marcante e as reflexões que surgiram após ouvir duas temporadas do podcast "Projeto Humanos", criado por Ivan Mizanzuk. O podcast adota o formato de storytelling e se dedica a explorar casos de crime real, tendo em duas temporadas específicas intituladas "O Caso Evandro" e "Altamira". Ao compartilhar minhas reflexões, levarei em consideração minha formação e perspectiva de mundo, que estão em constante desenvolvimento por meio de leituras e experiências.


Antes de tudo, é importante ressaltar que este artigo não se concentra nos detalhes dos casos em si, mas nas reflexões que emergiram a partir desses podcasts. Além disso, buscarei estimular a reflexão, confrontando algumas crenças em relação à justiça e o modo como é operacionalizada no Brasil. Meu objetivo não é impor minhas opiniões, mas sim despertar a reflexão nos leitores, abalando suas certezas e levando-os a pensar criticamente, por isso, utilizarei de algumas generalizações para expor meu argumento.


Os casos abordados nessas duas temporadas são terríveis, envolvendo sequestro, assassinato e mutilação de crianças no Paraná e no Pará. A narrativa dos podcasts revela que as pessoas que foram presas como responsáveis por esses crimes podem não ser as verdadeiras culpadas, o que torna a situação ainda mais trágica. Essa possibilidade é amplamente compartilhada por aqueles que ouviram os podcasts. Recomendo enfaticamente a audição desses episódios, mas ressalto que eles abordam temas pesados e podem não ser adequados para pessoas sensíveis. Para aqueles que preferem uma abordagem mais resumida, há também um documentário disponível na Globoplay sobre o caso Evandro, e talvez seja lançado um outro documentário para a temporada de Altamira nos próximos meses.


Em suma, esses mais de 70 episódios de podcasts me fizeram refletir sobre problemas na justiça brasileira e na justiça contemporânea como um todo. Muitas vezes, temos a percepção de que a justiça é uma entidade certeira, na qual a pessoa presa é realmente a culpada pelo crime e os casos são resolvidos de maneira tranquila. Embora essa seja uma visão ainda compartilhada por boa parte da sociedade, especialmente entre aqueles que vivenciaram os eventos nas cidades afetadas, é importante questioná-la. A crença na justiça pode ser perigosa, pois percebemos que nem sempre se trata de uma resposta justa ou da melhor investigação possível. Frequentemente, o objetivo é acalmar a população, evitar revoltas e impedir que o sentimento de indignação se torne algo maior e prejudicial para a cidade e o “status quo".


Em momentos de tragédia como esses, os governantes locais e os representantes do sistema de justiça são cobrados e desejam oferecer uma resposta rápida para a situação. No entanto, nessa corrida para solucionar o caso, muitas decisões podem ser tomadas de forma errônea, resultando em respostas que podem apenas acalmar momentaneamente a população, sem necessariamente serem corretas. Essa é uma constatação difícil, mas evidente ao acompanhar esses casos.


Outro ponto que merece destaque é o papel do sistema de justiça na perpetuação de desigualdades sociais e injustiças. Ao longo dos episódios, é possível observar como questões como classe social, corrupção e falta de recursos impactam diretamente a forma como os casos são investigados e julgados.


Os episódios do podcast revelam situações em que as evidências são manipuladas, testemunhas são coagidas e investigações são conduzidas de forma negligente. Isso levanta questões sobre o quanto os julgamentos podem ser falhos


Além disso, essas narrativas também expõem o papel da mídia na construção de narrativas sensacionalistas e na influência sobre a opinião pública. A pressão da mídia por resultados rápidos e espetaculares muitas vezes leva à criação de bodes expiatórios e à negligência de investigações mais aprofundadas. Isso reforça a importância do contraponto na mídia e de uma educação para as mídias no Brasil, para que o sensacionalismo seja visto como mais criticidade pela população.


Essas reflexões nos fazem repensar nossas próprias crenças e certezas em relação à justiça. É essencial reconhecer que erros podem ser cometidos, e que a justiça nem sempre é alcançada da maneira adequada. Devemos questionar os sistemas estabelecidos e buscar formas de aprimorar a forma como a justiça é administrada, para evitar injustiças desmedidas, como pessoas inocentes sendo presas, dentre outros absurdos que encontramos no Brasil.

O sistema de justiça pode ser marcado por uma tendência de resistência em admitir erros e assumir responsabilidades por decisões equivocadas. Quando ocorrem falhas ou injustiças, é importante que o Estado seja capaz de reconhecê-las e corrigi-las, buscando reparação para as vítimas e evitando a repetição de erros. Mas não é isso que parece acontecer.


Inclusive, outro ponto relevante é o corporativismo, que pode estar presente no sistema de justiça. Isso ocorre quando há uma proteção mútua entre os membros de uma mesma instituição, dificultando a responsabilização e a punição de atos indevidos. Esse fenômeno pode criar obstáculos na promoção da transparência, imparcialidade e accountability no sistema de justiça.


Para lidar com tudo isso, nesse contexto, acredito que as ciências sociais, particularmente a antropologia, desempenham um papel crucial ao contribuir para a compreensão das dinâmicas envolvidas. É importante reconhecer que não existe uma racionalidade absoluta de 100% nesse processo. E Aqui estou dirigindo-me às pessoas que acreditam que tal racionalidade é possível, quando na realidade existem questões políticas, sociais e pragmáticas que influenciam as decisões. A antropologia, entre outras disciplinas, pode ser uma das melhores ciências para explicar como diferentes fatores estão interligados nesses processos, pois é necessário questionar a ideia de que as operações jurídicas são estritamente técnicas, pois muitas vezes são permeadas por outros elementos.


Portanto, ao ouvir os episódios de "Projeto Humanos" sobre o caso Evandro e Altamira, somos confrontados com a realidade dura e muitas vezes injusta do sistema de justiça brasileiro. Quando o Estado comete erros, ele não adota uma postura de desculpas e reconciliação, mas sim busca transformar esses erros em acertos. Em vez de reconhecer a falibilidade e buscar formas de reparação, observamos que o Estado direciona seus esforços para negar o erro e convencer a sociedade de que este não ocorreu.


Essa estratégia de negação do erro revela uma dinâmica complexa de poder e legitimação por parte do Estado. Ao invés de adotar uma abordagem reflexiva e autocrítica, o aparato estatal busca proteger sua imagem e legitimidade, recorrendo a mecanismos que visam minimizar ou distorcer a responsabilidade pelos equívocos cometidos.


Foi o que aconteceu, ao se deparar com as descobertas do podcast, que incluem fitas que comprovam confissões obtidas sob tortura, o Ministério Público optou por descreditar tais evidências.


Essa atitude de negação e tentativa de convencimento reflete um aspecto importante das relações de poder entre o Estado e a sociedade. Ao invés de estabelecer um diálogo aberto e transparente, o Estado utiliza recursos retóricos e institucionais para afirmar sua autoridade e minimizar qualquer questionamento sobre sua conduta. Nesse processo, aspectos políticos e ideológicos desempenham um papel relevante, influenciando a construção de narrativas que buscam justificar a ação estatal e manter sua posição de poder.





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2 Comments

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carlosobsbahia
carlosobsbahia
Jul 09, 2023

Laudos e perícias antropológicas são muito utilizadas pelo ministério público,inclusive cresce a participação de antropólogos naquilo que é chamado de Antropologia Forense,quando disputas de território entre latifundiários e povos tradicionais ganham corpo,casos vem chegando ao STF com maior celeridade.


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Marcos Lima
Marcos Lima
Jul 11, 2023
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É interessante o que você apontou, Carlos. Muitos dos casos investigados por esse podcast ocorreram principalmente na década de 90. Uma das questões destacadas é que muitos casos são resolvidos com base em testemunhas oculares, o que sabemos ser complicado, e também com base em rumores e teorias da conspiração que são levados a sério pelo Ministério Público. A crítica é justamente que deveria haver uma perícia especializada e profissional, para que não dependêssemos tanto dessas questões mais subjetivas. Sobre a Antropologia Forense, é realmente um campo extremamente interessante que você está mencionando. Eu sempre observei esse movimento acontecendo em outros países, influenciado pela série "Bones", que trata desse assunto. No entanto, eu não sabia que esse desenvolvimento também estava…

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