Durante séculos, o patriarcado moldou a existência feminina como a de um ser que cuida. De acordo com o que nossas tias, mães e avós aprenderam, toda mulher nasceu para ser mãe, cuidadora, esteio do lar e da família, responsável pela educação dos filhos, enquanto o homem é o provedor do lar. Embora essa visão esteja sendo cada vez mais questionada, ela permanece profundamente enraizada em nossa sociedade. Observamos, com frequência, gerações de mães solo que encontram em suas redes de apoio outras mulheres: avós, irmãs e tias.
E a pergunta que faço é: por mais bem constituída que a família possa parecer, quando essa mulher fica doente, quem cuida dela? Sei que alguns homens podem responder "eu cuido da minha mãe/companheira/filha", mas isso é exceção à regra. Em minha experiência prática e pelo que leio, estudo e pesquiso, a resposta é clara: quem cuida da mulher quando ela adoece são outras mulheres.
Embora eu não tenha conduzido nenhum estudo quantitativo, posso compartilhar um exemplo pessoal. Há 14 anos, fui diagnosticada com câncer de mama e, desde então, além de ser ativista na causa, mantenho um blog (Mão na Mama) onde acolho e já acolhi inúmeras mulheres. Algo que observei nos consultórios e salas de espera que frequento é que, geralmente, quem acompanha as pacientes são mães, amigas e irmãs. É raro ver um pai ou marido presente em uma sessão de quimioterapia. Os meus fizeram isso, mas sei que são exceções.
Outro fato muito comum que a paciente oncológica enfrenta é o abandono afetivo. São incontáveis os casos de mulheres que são abandonadas por seus parceiros justamente em momentos de extrema necessidade de apoio. Tenho amigas que faleceram levando consigo a mágoa de terem sido abandonadas durante o diagnóstico ou tratamento. A desculpa é sempre a mesma: "eu não aguento passar por isso, é muito pesado". E se fosse o contrário? Com certeza, as mulheres permaneceriam, mesmo que o casamento já não estivesse bem. Além dos que "abandonam o barco" logo no início, existem aqueles que fingem que vão permanecer e optam pela infidelidade. Isso tudo é um peso a mais para quem já está tendo que lidar com uma doença ameaçadora da vida.
Para corroborar isso, apresento os seguintes dados:
Uma pesquisa realizada pelas universidades de Stanford e Utah e pelo Centro de Pesquisa Seattle Cancer Care Alliance, nos Estados Unidos, aponta que, depois de analisarem a vida de 515 homens e mulheres com câncer ou esclerose múltipla (doença degenerativa dos movimentos), a taxa de separação é de 11,6%.
Neste cenário, as mulheres doentes obtiveram uma taxa de separação (abandono) de 20,8% por parte do parceiro, contra uma taxa de 3% de abandono dos homens doentes. Isso significa que a mulher tem seis vezes mais chances de ser abandonada pelo marido após a descoberta de uma doença grave, como o câncer.
Podemos pensar que, em muitos casos, a mulher passou por um "livramento!" Mas e as consequências disso? E o processo até a mulher conseguir se reerguer, especialmente quando o homem era o provedor de uma casa com filhos pequenos e falta de rede de apoio?
É cruel, é comum, é o patriarcado. Precisamos falar sobre isso, precisamos refletir. Nós, mulheres, precisamos dividir essa carga com nossa parceria, especialmente a masculina e heteronormativa. Não precisamos carregar o fardo que nossas mães e avós carregaram.
Por fim, espero que, um dia, possamos entender e buscar relações que sejam vias de mão dupla, entre adultos funcionais que se cuidem mutuamente.
Reflitamos!
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Fonte da imagem: Getty Images / Canva
Texto importante e necessário! Tenho pavor de ficar doente exatamente por pensar que ninguém cuidaria de mim porque por ser lida socialmente como mulher, as pessoas acham que sempre darei conta do tranco, sabe? É tirado de nós a humanidade e fragilidade dos nossos corpos e mentes!