QUANDO O CANSAÇO TAMBÉM É ANCESTRAL

Tem dias em que meu corpo pesa mais do que devia.

Não é só o sono atrasado, nem a rotina que esmaga, nem as coisas bagunçadas ou os trabalhos atrasados.

É um cansaço que vem de antes de mim.

Vem da minha mãe, que é de uma geração em que milhares de mulheres trabalhavam fora e ainda assim eram criticadas por isso.

Vem das mãos da minha avó, cheias de sabão e silêncios.

Quando ela, com baixa visão, descia todo dia uma ladeira gigante e pegava fiado no armazém — porque meu avô não dava dinheiro suficiente para as compras do mês. Ao contrário do que ele fazia com a amante.

Vem de mulheres que cuidaram tanto dos outros que esqueceram de si.

E eu herdei isso.

Eu carrego o grito engolido de todas elas.

Carrego as noites em claro, os partos sem anestesia, os prantos escondidos atrás de um pano de prato.

Carrego o medo herdado — a coragem também.

E às vezes me pego exausta, sem saber se estou cansada por mim ou por elas.

Ninguém ensina a descansar quando se nasce mulher.

Descanso, pra gente, sempre teve nome de culpa.

Quando a casa está bagunçada, é a nossa mente que ferve tentando achar um espaço na pauta corrida pra arrumar.

A gente aprende a render, a dar conta, a fazer bonito — mesmo sangrando, mesmo quebrada.

Mas eu tenho tentado quebrar esse ciclo.

Tenho tentado dormir sem justificar.

Dizer “não” sem explicar.

Parar sem pedir licença.

Fazer os exames que preciso.

Cuidar de mim mesma.

Porque, se o cansaço feminino é ancestral, o autocuidado também pode ser.

Que eu seja o ponto de ruptura.

Ou, pelo menos, de respiro.

E se um dia minha filha ou alguém que venha depois de mim acordar leve, sem entender o motivo da própria liberdade,

que seja porque eu, antes, escolhi parar.

Escolhi cuidar.

Escolhi respirar.

Porque todo ciclo que se rompe começa assim:

com uma mulher exausta…

que decide não se abandonar.

IMAGEM: Canva