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Foto do escritorJacqueline Gama

Quais são as lições do Professor Polvo ?


As pernas dançando na água, o homem descobrindo que pode ser anfíbio, ampliando os horizontes da alma, do corpo, da mente. O mestre é um ser improvável: um polvo fêmea. As imagens da professora das profundezas ensinando ao aspirante a Aquaman inunda as telas em Professor Polvo (My octupus teacher), filme de 2020, produção original Netflix, vencedor de melhor documentário no Oscar 2021.


As imagens fílmicas chamam atenção pela qualidade. A experiência de imersão é tão profunda quanto os mergulhos de Craig Foster, documentarista e narrador do longa. A relação de amizade improvável entre o humano e o polvo é o que mais chama atenção. Ele narra uma experiência de melancolia e de ressignificação da vida através do nado e da procura pela criatura esquisita, a qual, em alguns momentos, se aproxima do comportamento humano.


O filme chama atenção pela experiência etiológica, em que o pesquisador, nesse caso, o documentarista assumindo um papel de narrador-personagem, se insere no meio ambiente de cultura. Nesse caso, o ambiente marinho. Ele nada entre tubarões, algas, peixes, crustáceos e a criatura polvo.


Nessa experiência, tanto o espectador quanto o documentarista ficam inertes em suas posições. O espectador por assumir apenas o papel de emitir emoção diante da tela, sem poder tomar uma atitude mais efetiva nas situações. O documentarista fica passivo por não poder salvar sua amiga dos tubarões, ameaças naquele habitat, pois, interferir no nicho ecológico que não é o dele seria também interferir nas leis da natureza. Esse é um dos questionamentos que o filme pode nos impulsionar a fazer: até que ponto o ser humano pode interferir no meio ambiente?


No filme, a experiência de contato entre humano e animais marinhos acaba por ir na contramão do antropoceno, ideia de o homem no centro do mundo, para a ressignificação do ecológico em prol de um bem-estar de todas as espécies, da preservação do bem comum. Nesse caso, a preservação do ambiente marinho, que ainda é um mistério para a espécie humana.


Essa relação de contato e amizade estabelecida no filme também provoca reflexões sobre a veracidade do documentário, afinal a amizade seria uma criação da psique humana, quem garantiria a resposta recíproca do polvo? Interessante é que durante todo o processo narrativo há explicações por parte do documentarista sobre as estratégias de sobrevivência e de contato do animal tentacular para com ele, assim como também possíveis respostas, porém tudo na base do empírico.


Alguns espectadores do filme, dizem que ele é baseado em uma fic, ou seja, a criação da relação de amizade acontece apenas por parte do documentarista. Esses comentários não são de todo inverdades, afinal, a relação de amizade com seus significados e trocas fazem parte do universo do humano, ainda assim, não impede que ela exista entre espécies. Um exemplo é da relação que podemos ter com gatos, cachorros, pássaros, jabutis, hamsters e outros animais.


Fato é que Professor Polvo é um daqueles filmes que precisa ser visto com calma, sendo necessária a permissibilidade da imersão. Ao assisti-lo o expectador se inunda com uma sensação de paz e imagens brilhantes, tanto no sentido técnico quanto estético. O universo marinho é quase uma pintura, um efeito especial, mas está lá, existe, é real, é fotográfico.


Também, ao assisti-lo, se torna quase impossível não pensar acerca do quanto há para o ser humano descobrir no meio-ambiente. Por isso é tão necessária a preservação dele, já que diretamente ou indiretamente os seres humanos podem estar causando danos em lugares inimagináveis. No ambiente marinho é possível destacar os vazamentos de óleos de plataformas de petróleo e barcos, os lixos depositados nas praias e nos oceanos, caça predatória; para citar alguns.


Professor Polvo ensina uma lição de empatia com o outro, seja ele de que espécie for e, de acolhimento com o si e com os outros seres. Sem dúvida é um mergulho na reflexão e na beleza do ser o que se é, do ser e estar no mundo e das trocas em que os seres podem fazer, ainda que em habitats diferentes. A beleza marinha do documentário está nessas mil facetas de ser polvo e que o humano também pode incorporar em sua morfologia mamífera.


Foto de capa: cena do filme Professor Polvo, retirada de <https://www.torredevigilancia.com/wp-content/uploads/2021/04/Ez3S9SvVgAE-EO8.jpg>

1 Comment

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Guto Sampaio
Guto Sampaio
Jan 26, 2023

depois de ler, assistirei novamente,observando cada aspecto citado no texto. que por sinal, é muito bem argumentado. a visão necessária do ser humano sair do centro da existência e construir uma relação realmente recíproca com o meio ambiente é deverás bem dito. "uma lição de empatia com o outro, seja ele de que espécie for e, de acolhimento com o si e com os outros seres" - este trecho arremata de vez a bela e necessária crítica 👏🏻👏🏻👏🏻

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