No dia 11 de julho, um domingo, foi divulgada a informação de que populares saíram às ruas de San Antônio de Los Banos em protestos contra a falta de energia, de alimentos, e de remédios na localidade. Daí, se espalhou pelo país. Mas de que local estamos falando? Cuba. Imaginei que outra onda ia se espalhar, dessa vez, pelas redes sociais. Mas não de protestos, e sim de especulações mil sobre esse país tão comentado por manter um ideal de governo cada vez menos requisitado.
As manifestações em Cuba foram bastante comentadas pelo noticiário. Um morto, dezenas de presos – incluindo uma jornalista espanhola – e pelo menos uma centena desaparecida. O governo ainda derrubou a internet, supostamente para evitar maiores mobilizações. Essa foi uma das maiores revoltas populares em décadas na Ilha. Analistas entendem que os aplicativos de mensagens ajudaram muito a dimensionar o poder dos levantes.
Quando se fala em Cuba, é preciso ter muito cuidado para não parecer tendencioso. Vi matérias jornalísticas que falavam em protestos “contra o regime socialista vigente no país”. Bem, houve confrontos entre simpatizantes e opositores do regime cubano, porém, a pauta das notícias nos principais veículos expõe crises – econômicas, energéticas e sanitárias, sobretudo. A discussão política pode até ser uma consequência, todavia, atos contra crises acontecem também em regimes democráticos e teocráticos. Prisões e mortes, idem. Recentemente no Chile, a resposta do Estado a uma série de manifestos foi violenta: mais de 200 pessoas perderam a visão! No Brasil, mais dois feridos com lesões graves no globo ocular, nas últimas manifestações contra o governo, em Recife.
Falando em socialismo, Cuba é um dos poucos países que mantém essa doutrina. Desde 1959, ano da Revolução Cubana, a Ilha sustenta o regime. Desde a saída de Fidel Castro do poder há 13 anos, o país vem aos poucos relaxando esse sistema e gradualmente passa por transformações. A transição pode estar sendo lenta e ao longo desses mais de 60 anos ocorreram virtudes e contradições no comando da nação.
Não esqueçamos que a revolução derrubou outra ditadura, a de Fulgêncio Batista, quando os Estados Unidos mantinham amplos negócios no país, com intervenções e repressão da imprensa, numa espécie de neocolonialismo. Após a derrubada de Batista, foi instituído o modelo socialista com amplas reformas na educação, na saúde e no campo. Porém, o regime repreendeu opositores, praticou execuções, limitou a liberdade de expressão e artística. Alinhados com a então União Soviética, vieram a sofrer um sério embargo econômico, retaliação dos Estados Unidos, que dura até hoje. Essa medida, que vigora há décadas, dificulta relações comerciais com outros países, o que impossibilita aquisição de mercadorias e itens alimentícios, higiênicos, e tecnológicos.
Apesar de tanta controvérsia, Cuba tem índices positivos em relação aos vizinhos da América Central e de outros continentes. Seu sistema de saúde é tão conhecido que médicos cubanos se espalham pelo mundo, especialistas que são em atenção primária e preventiva; baixa mortalidade infantil (segundo dados do UNICEF); a taxa de alfabetização é de quase 100%, embora algumas fontes apresentem estagnação nos avanços educacionais; estando na rota de furacões e ciclones tropicais, possui uma agência meteorológica de excelência; no esporte, detém a melhor performance olímpica entre todos os países da América Latina; a música lá produzida é contagiante e culturalmente rica e reconhecida. Livros e documentários retratam visões particulares sobre a sociedade cubana, indicando um número pequeno de meninos de rua e índices insignificantes de violência gerados por guerras entre narcotraficantes e guerrilhas urbanas. A pandemia em Cuba apresenta 257 mil casos confirmados com cerca de 1.700 óbitos, em uma população de mais de 11 milhões de habitantes, números satisfatórios em termos de letalidade se comparado a outros com equivalência de residentes. Foi um dos poucos países que continuaram recebendo visitantes nesse período. A vacina Abdala foi desenvolvida no país, embora sem aprovações por agências sanitárias mundo afora.
No entanto, há sempre um outro lado, desconstruindo o parágrafo acima. Clínicas exclusivas para turistas e alinhados ao poder, contradizendo o ideal socialista; professores mal pagos; serviços deficientes; alto número de abortos; renda percapita baixíssima. Os cubanos, durante décadas, tiveram um parco acesso a equipamentos pessoais tecnológicos e possui uma frota de automóveis ultrapassada. Fora pobreza, prostituição, fome e demais problemas que não são exclusividades de lá. Livros – publicados inclusive por cubanos dissidentes – e documentários indicam um país nada glamouroso no trato com a população local. Muitos que emigraram ou pediram asilo para outros países, são fortes oponentes dessa política. Houve até cubanos e descendentes residentes nos Estados Unidos que foram eleitores de Donald Trump, tamanha é a indisposição com a administração dos revolucionários. Claro que o embargo deve ser levado em conta, entretanto, o modelo adotado pelos líderes de 1959 contém deformações e me parece bastante obsoleto.
Recebo poucas informações sobre Cuba e o que escuto e leio tem muita abstração. Há alguns anos, Cuba vem sendo retratada como um “portal do inferno” por muita gente, principalmente formadores de opinião e influencers digitais que declararam apoio ao atual presidente da República. Há muita ladainha instrumentalizando versões da realidade cubana em favor de seus anseios ideológicos. Por outro lado, alguns simpatizantes do regime não conseguem expor críticas contundentes quando essas merecem alguma observação mais pertinente. Quase sempre quando um indivíduo com posicionamentos de esquerda é entrevistado, sobra uma pergunta que remete a alguma opinião sobre o regime castrista, como se ser de esquerda representasse adesão automática a qualquer ideário socialista. Felizmente, é possível encontrar algumas análises sem paixões ou reproduzindo algum viés. Para se ter uma ideia do palco que a visão política da Ilha se tornou, entre combates com convicções opostas, um protesto de rua transformou-se num longo texto explanando algumas considerações sobre pautas sociais concernentes a qualquer país do mundo.
FONTE:
Prezado,
Você fez um esforço em mostrar a polaridade ideológica que cerca a narrativa sobre Cuba, sem se posicionar diretamente. Entretanto, você se traiu com julgamento de valor como obsoleto, ultrapassado, etc., sem entrar por exemplo em dois pontos que eu acho cruciais para argumentar sobre Cuba. 1. Os impactos dos embargos econômico e político que a democracia americana e de seus aliados impõem a vida cotidiana dos cubanos que justificam ou não seus automóveis ultrapassados ou obsoletos. Isso é importante para analisarmos os limites do socialismo cubano. 2. Cuba é uma pequena Ilha socialista "perdida" no meio do Pacífico, sem grandes indústrias, recursos naturais ou economia pungente. Desse modo, o que o capitalismo neoliberal tem para oferecer para …