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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

POR QUE AMAMOS ODIAR? Uma breve (psic) análise do ódio nas redes sociais




Lembra daquele seu comentário indignado nas redes sociais? Lembra do sentimento que tomou conta do seu corpo, ocupando horas e horas da sua manhã, tarde ou noite? Lembra também da sensação de alívio depois de tanto desabafo, repleto de críticas, suspeitas e até xingamentos? Não sei você, mas eu lembro!!!!


Sem dúvida, o ódio é algo ancestral, compartilhado por quase todas as espécies. Já tentou tirar um pedaço de carne da boca de um cachorro? Ou já puxou o rabo de um gato de surpresa? Pois é... nenhuma espécie é muito fã dessas frustrações, o que significa posicionar o próprio corpo em um estado de alerta, de defesa: o Ódio. Da mesma forma que o medo, ou a ansiedade, o ódio tem uma função, tem um propósito. Ele nos mobiliza, nos protege, como se espera de qualquer traço adaptativo. Apesar desse caráter ancestral, o ódio nos humanos, principalmente com a chegada das redes sociais, tem um contorno inédito. Se no passado ele era um sentimento raro, um mecanismo de defesa em instantes pontuais, hoje em dia “odiar” virou moda, algo muito comum, muitas vezes até um tipo estranho de entretenimento, uma constante na vida cotidiana. Da mesma forma que o humano conseguiu adaptar o medo, tornando ele uma parte conveniente em filmes de terror e esportes radicais, o ódio também foi adaptado, perdendo um pouco sua função biológica tradicional. Em vez de defesa, o ódio agora entretém, define, reforça.


Graças a esse tipo de ódio adaptado dos humanos, existe aqui um sentimento de catarse nos bastidores, o mesmo sentido por você diante de um filme de ação, uma peça de teatro trágica ou algum jogo virtual de guerra, luta ou roubo. Por conta de um certo distanciamento físico gerado pelas redes socais, eu posso experimentar o extremo das emoções humanas sem qualquer custo embutido. Imagine o seguinte: “uma coisa é pegar o carro e sair em uma perseguição alucinada, outra coisa é assistir um personagem de um jogo fazendo isso”. No segundo caso, eu consigo experimentar doses parecidas de adrenalina, acompanhadas de toda uma série de descargas emocionais, mas sem nenhum risco ou julgamento. Da mesma forma, “uma coisa é escrever um comentário agressivo a uma pessoa que eu detesto; outra coisa é dizer isso pessoalmente, cara a cara”.


Além do mais, por conta da internet temos várias prateleiras com vários tipos de objetos catárticos, objetos que concentram o meu ódio, assim como emoções mais desprezíveis. Hoje, pode ser Bolsonaro ou Lula, ou algum político qualquer. Amanhã, um cantor, um músico. No próximo dia, uma marca, um filme. Enfim, os objetos catárticos são infinitos, já que a internet é um poço sem fundo, sempre em expansão. Nunca na história humana foi tão fácil (e tão saboroso) odiar, tudo isso graças a conveniência dos nossos queridos algoritmos. Eles filtram cada detalhe pelo caminho, oferecendo a mim a conveniência de certas notícias, além da remoção de outras desagradáveis: Talvez um “bolsominion” chutou um cachorro na rua ou talvez um “esquerdopata” agrediu um cadeirante. Quem sabe o que os algoritmos podem me trazer hoje?


Observe que a catarse independe do conteúdo envolvido, muito menos se ele é verdadeiro ou falso. Não importa se a história é legitima ou uma grande mentira... o importante é a função que ela desempenha, o impacto no meu corpo. Se você é um bolsonarista, imagine descobrir que Lula vende órgãos de crianças carentes. Se você é um lulista, imagine descobrir que Bolsonaro faz experimentos secretos com moradores de rua. A pergunta, portanto, não é se essas informações são verdadeiras ou não, mas qual o papel delas em sua estrutura subjetiva. No fundo, elas se tornam ótimos suportes catárticos, principalmente concentrando ódios e ressentimentos dispersos por aí. Em outras palavras, o critério não é epistêmico, mas desejante.


A catarse pode ser encontrada até mesmo em áreas como pornografia. Pessoas experimentam as mais bizarras circunstâncias sem qualquer tipo de consequência real, muito menos julgamento externo. Isso significa que a catarse tem um efeito importante, Freud diria até civilizatório. Muitos acreditam que jogos violentos ou vídeos pornográficos produzem pessoas violentas ou pornográficas, mas é justamente o contrário. Essas válvulas de escape permitem que as pessoas se apresentem como bons neuróticos em público, seguidores das regras, sem abrir mão de suas fantasias extremas e secretas. Segundo Freud, nós não agimos de forma respeitosa e previsível na vida cotidiana por conta de algum mérito, ou essência embutida, mas porque a sociedade produz mecanismos catárticos e autorizados de descarga de energia, o que ele chama de sublimação, deslocamento e projeção. Em outras palavras, você não evita atacar uma pessoa no meio da rua de forma violenta ou sexual por mérito, ou por alguma virtude interna, mas porque sua “economia libidinosa” está bem administrada, assim como bem distribuída em várias atividades que receberam o selo civilizatório, como postagens, vídeos, séries, peças, filmes e jogos.


Em uma cultura da felicidade como a nossa, extremamente cristã, onde pessoas precisam ser “bondosas” e “alegres” o tempo inteiro, as redes sociais se tornam o espaço catártico por excelência. Como a bondade é cansativa, já que exige um nível de fiscalização constante, as redes sociais acabam sendo uma ótima forma de liberar essa energia contida, até mesmo justificando sua existência. Em vez de manchar a pureza de minhas relações profissionais e familiares com sentimentos dispersos e desprezíveis, eu concentro tudo em um único alvo autorizado, em um vínculo puramente catártico, ou seja, seguro. Não apenas direciono meu ódio em alguém, mas tudo isso é feito sem qualquer custo, afinal, nossos alvos quase sempre são distantes (cantores, músicos, presidentes, grandes marcas, etc) ou abstratos (fascismo, comunismo, democracia, etc).


Claro que nesse esquema catártico muitos lucram, a exemplo de empresas como Twitter, Facebook e Instagram. Os instantes de catarse não apenas produzem prazer, e organizam minha experiência subjetiva, como se espera de um bom neurótico, mas também produz lucro em uma escala maior, por conta da própria frequência de nossa participação naquelas plataformas. Ou seja, quanto mais ódio, mais engajamento; quanto mais engajamento, mais lucro.


Até vídeos e textos ganham mais visibilidade quando incluem explosões de ódio e crítica, o que reforça mais ainda a reprodução desse tipo de sentimento. E aqui eu uso meu próprio exemplo como suporte explicativo. Meus textos mais acessados no soteroprosa são aqueles “mais agressivos”, críticos, aqueles que tocam em temas sensíveis e controversos, embora não sejam os meus preferidos. Isso significa que a quantidade de aplausos e visualizações reforça um certo tipo de comportamento agressivo, lançando todos em um círculo vicioso, ou melhor, odioso.


Mas como fugir disso tudo? Pois é... não tenho a mínima ideia, ao menos por enquanto. Deixo a você, caro leitor, a responsabilidade de achar uma solução.


Referência da imagem:

https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/o-odio-artigo/

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2 Comments

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Texto esclarecedor e certeiro! Eu acredito que esse "ódio" guarda o narcisismo de "ser visto" que a redes sociais nos dão. Posso ser um Zé ninguém no meu grupo social, mas na cyberesfera recebo atenção e destaque.

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
Jan 11, 2023
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Verdade. Tem muito disso mesmo que você

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