Ei, você!! Abra bem seus ouvidos, mantenha seus olhos fixos nos meus, porque preciso falar uma coisa. Chegue mais perto dessa sua tela, escute isso aqui: “C-I-Ê-N-C-I-A-S H-U-M-A-N-A-S”. Quando essas duas palavras escorrem da minha boca e chegam até o seu canal auditivo, o que brota dessa sua mente, qual imagem se forma aos poucos? Eu não sei você, mas é muito comum associar o campo das humanas a algo chamado “construcionismo social”. Parece um termo estranho, ou genérico, mas acredite em mim... ele é mais comum do que imaginam. Talvez você nunca tenha ouvido falar desse termo, mas com certeza sabe da sua influência, seus efeitos, talvez até já se lambuzou com seu prestígio. Ela é uma ferramenta meio inevitável em todos os cursos de humanas e sociais ao redor do planeta, não importa se você é um francês, brasileiro, angolano, japonês ou canadense. Tem algo de universal em seus contornos, alguma coisa que faz parte dos bastidores de aulas, congressos, revistas, livros e palestras.
Diante de uma pergunta básica, como “o que é o belo?”, “o que é o bem?”, “o que é o mundo?”, “o que é a verdade?”, “o que é o gênero?”, é esperado uma certa resposta, alguma que envolva um tipo de malabarismo construcionista. Tudo aqui se reduz a sistemas, estruturas, discursos e relações de poder, ou seja, uma série de contingências esparramadas no pano de fundo da realidade, o que indicaria certos pactos sociais que podem (e devem) ser desmascarados. “Mas por quem?”, pergunta você, curioso. Por mim, claro, o sujeito desmascarador. O mundo lá fora se manifesta como exclusivamente um produto humano, uma extensão de seus desejos, interesses e crises. Todo o resto é visto como efeito, uma consequência desse tipo de pacto humanista, nada mais do que reflexos de jogos de linguagem e poder. Embora popular, e até útil em muitos momentos, ela carrega alguns problemas, alguns pecados, digamos assim. Convido vossa excelência, o leitor, a invadir esse universo de interpretações, críticas e análises, vamos ver até onde esse fluxo de palavras nos leva. Aperte o cinto e venha comigo!!!
Antes de qualquer mergulho mais profundo, antes mesmo de manobras retóricas mais radicais, é preciso deixar claro um detalhe muito importante, já que odeio ser mal interpretado, muito menos por você, meu estranho preferido: o construcionismo social NÃO É um desvio ético de um grupo específico de pessoas, muito menos um problema cognitivo de falta de conhecimento ou algum tipo de influência alienante, mas uma sombra que atravessa todos os indivíduos de humanas e sociais, variando apenas de acordo com o grau. Em outras palavras, até mesmo eu, o autor desse ensaio, escorrego em armadilhas construcionistas, exagerando muitas vezes o seu uso.
É preciso também ter em mente que “ser crítico” é o DNA de todo o edifício da nossa área, a argamassa mantendo nossas paredes intactas, as vigas de toda a nossa estrutura epistêmica, ou seja, a base de como conhecemos coisas e pessoas lá fora. Seguindo os passos foucaultianos, as ciências humanas compartilham de uma hermenêutica da suspeita, de uma desconfiança crônica, constitutiva, sendo uma espécie de fundamento que atravessa todas as abordagens das humanas, por mais contraditórias que sejam entre si: fenomenologia, marxismo, pragmatismo, pós-estruturalismo, vitalismo, (pós) (de) (anti) colonialidade. Apesar dessa característica fazer parte do ar respirado por cada um de nós, o construcionismo social, ao menos como interpretamos aqui, seria muito mais o exagero dessa hermenêutica da suspeita, quando ela sai do controle, quando perde seu limite interno, principalmente numa área não paradigmática como a nossa, ou seja, um espaço sem um critério muito sólido de cientificidade. No campo das humanas, o céu é o limite, assim como as interpretações que acompanham essa abertura. Não existe nenhuma instância, nem mesmo um oráculo improvisado, que fale: “você foi longe demais com essa interpretação”. Embora seja super legal esse campo de possibilidades, de múltiplas interpretações em um fluxo sem fim, existem custos, problemas... 7 PECADOS
1- PREGUIÇA:
O primeiro e talvez o mais subestimado de todos. Quando examinamos com calma, aos olhos de um microscópio metafórico qualquer, o “construcionismo social” é muito fácil de aplicar, não demandando muita pesquisa ou técnica. É um tipo de matriz interpretativa usada por estudantes de graduação, ou até mesmo por indivíduos que nunca colocaram os pés na universidade. Não só existe algo de atraente nessa abordagem, mas também de conveniente, sempre atraindo mais e mais pessoas. Se fosse possível arriscar alguma metáfora interessante, o construcionismo seria um tipo de jogo da velha, um jogo simples, com regras fáceis de seguir, não importa sua idade. Revelar as causas sociais de um determinado fenômeno, implodindo o “eterno”, o “sólido”, o “neutro”, o “coerente”, o “místico”, o “nobre”, ao mesmo tempo mostrando seu circuito de interesses traiçoeiros, é a primeira coisa que se aprende em cursos de humanas... esse é o nosso Bê-a-bá. Na prática, você não precisa saber nada sobre religião se quiser criticar José, o evangélico. Você não precisa saber nada sobre arte se quiser criticar o “Assassino da Lua das Flores” de Scorsese. Você não precisa saber nada sobre ciências como química, física ou biologia se quiser criticar Darwin, Newton ou Pasteur. Basta apenas sugerir a existência de jogos de linguagem e de interesse nos bastidores, revelando a verdade desconhecida pelos pobres coitados que ainda acreditam em um mundo confiável, relevante e sólido. Tristes criaturas vagando pela existência, incapazes de compreender que o mundo lá fora é apenas um produto de nossas projeções de sentido, um produto antropocêntrico. Afinal, o que é a religião, a arte e a ciência a não ser artifícios ideológicos produzidos por dedos humanos, não é mesmo?
2- IRA:
Não sei se você já percebeu, mas o construcionismo social é quase uma ferramenta comum, como o martelo que usei hoje de manhã ou o serrote guardado no meu armário. Não usamos esses instrumentos em todas as circunstâncias, mas quando a demanda chega, quando algo específico quebra, por exemplo. Da mesma forma, o gesto construcionista é apenas usado quando o trem sai dos trilhos, quando algo me incomoda, quando minha identidade é colocada em risco por algum motivo, por alguém ou alguma coisa. Ou seja, essa é uma abordagem que direciona sua energia a certas instituições ou pessoas. Não existe melhor forma de se vingar de alguém do que mostrando o quanto esse alguém apresenta fragilidades, contradições e crises. Por outro lado, em momentos significativos, em instantes que estruturam quem eu sou, e o que acredito, o construcionismo não aparece, nem mesmo como um vulto distante. Isso torna o “martelo construcionista” assimétrico, variando sempre conforme as circunstâncias. Por exemplo, eu participei por cinco anos de um grupo de cinema, um grupo que até hoje respeito muito, principalmente por ter amadurecido minha trajetória como pesquisador. Mas, quando o assunto eram filmes fora do nosso universo, numa pegada mais popular, como “Hulk”, ou algo do tipo, todos explicavam os bastidores das decisões de Joãzinho do pão, o amante da Marvel. Por outro lado, quando se tratava de filmes que definiam nossa identidade, e eram importantes no nosso território, como aqueles neorealistas, de repente o construcionismo desaparecia. Em outras palavras, eu explico as razões estruturais, sistêmicas e discursivas ocultas no desejo pelo filme “Hulk”, mas não pelo “A Terra Treme” de Luchino Visconti. É o mesmo o que acontece com os Bolsonaristas, no campo político. Vamos explicar a existência deles, vamos invadir o campo hermenêutico, observando todo um jogo estrutural oculto nas sombras, mas não a existência de pessoas que defendem a democracia e seguem as regras. Resumindo... explicamos o ponto fora da curva, aquilo que nos impacta, nos confronta, nos tira do eixo, mas não a regra, não aquilo considerado “normal”. Nesse cenário, a postura construcionista se torna um tipo de sintoma, um mecanismo de defesa diante de tudo aquilo que me ameaça ou sai da minha expectativa. Detalhe: não está em jogo nesse ensaio se os alvos do ataque construcionista merecem esses golpes hermenêuticos. O ponto não esse, mas sim as estratégias feitas nessas investidas, sejam elas justificadas ou não
3- LUXÚRIA
Nesse jogo construcionista, não é necessário propor nada como substituto, nem mesmo um pequeno aperitivo. Vários textos que passaram por mim nesses doze anos de carreira carregam essa marca, essas digitais em seus fluxos de palavras. Eles simplesmente gastam páginas e páginas apenas descontruindo certas instituições, pessoas, valores, critérios, parâmetros, mas sem nunca propor uma saída, um caminho, uma alternativa... ALGO. Nesse gesto de masturbação hermenêutica, o puro fluxo descontrolado de interpretações é o suficiente. Exemplo, textos que revelam o quanto nossa família é patriarcal, mas não propõem nada no lugar. Textos que revelam o racismo no campo científico, mas também sem propor nada. Textos que descortinam a hipocrisia de certas práticas, mas também sem nada a oferecer. Existe aqui um tipo de gozo na crítica pela crítica, uma espécie de dialética negativa contrária a sínteses, a não ser uma resistência constante e sem propósito. Como consequência do pecado anterior (IRA), a meta não é sugerir nada, mas atacar alguém ou alguma coisa. A “resistência”, ao invés de um meio, de algo provisório aberto a futuros arranjos, se torna um fim em si mesmo, um campo prazeroso por si só, além de um excelente artificio que confere identidade a alguém. Nesse cenário luxuriante, nesse tesão hermenêutico, cada momento não é um momento, mas uma oportunidade de crítica, já que eu sou apenas o que questiono, o que confronto. “Critico, logo sou”, diz o Descartes de 2024, o construcionista. Quando meu inimigo despenca diante dos meus olhos, revelando suas entranhas desprezíveis e fedorentas, numa mistura de sangue e bile, um tipo de tesão percorre meu corpo, um “mais gozar”, como diria algum lacaniano qualquer.
4- INVEJA
Embora não proponha nada como substituto (pecado 3), além de ser um exercício meio preguiçoso (pecado 1), o construcionismo social se apresenta como inteligente, sábio... CRÍTICO. Ele deseja o selo de “intelectual”, admira essa insígnia, querendo todo o prestigio que essa palavra carrega, mas sem pagar o preço disso, sem correr o risco de propor algo. Como você já sabe, não é só difícil sugerir uma alternativa na vida, como também arriscado. Ao menor sinal de sugestão, alguém pode me atacar. Qual o caminho mais conveniente? Simples... não sugerir nada. Lembro como se fosse ontem, em uma mesa sobre preconceito linguístico, um dos integrantes criticou a ideia de um “bom texto”. Segundo ele, todo indivíduo é único, cada texto singular, com trajetórias próprias, logo não faria sentido parâmetros, a não ser como artifícios ideológicos e autoritários. Observe a manobra construcionista sendo feita aqui com todo o seu glamour... o palestrante criticou a existência de uma certa instituição (escrita), o que é normal, esperado, mas não quis correr o risco de propor um caminho, um substituto. Isso significa que o custo da ferramenta construcionista é muito baixo, mas os ganhos simbólicos extremamente altos. Em outras palavras, eu conquisto todo o prêmio do edifício simbólico, daquilo que Bourdieu chamaria de capital acadêmico, sem me preocupar muito com as consequências, já que nada é proposto, logo não sou ameaçado. Se eu revelo que por trás do sólido tem líquido, por trás do eterno tem o provisório, por trás do neutro tem interesse, por trás do universal tem o particular, por trás do divino tem o profano, por trás do puro tem a indecência, por trás do verdadeiro tem o discursivo, logo sou CRÍTICO, sou ESPERTO, sou ESPECIAL.
5- GULA
Um outro problema do construcionismo é o exagero das análises, criando um retrato de mundo onde cada centímetro lá fora é controlado por grandes forças sociais nos bastidores. Se não tiver cuidado, se não forem usadas de forma metodológica e mais recortada, estruturas, sistemas e discursos se tornam entidades com vida própria e com uma abrangência quase sobrenatural. Essa “gulodice epistêmica” traz vários riscos, como a própria impossibilidade de diálogos interdisciplinares. Nessa atmosfera gulosa, o construcionismo é a única explicação possível, sendo todo o resto um desdobramento, um epifenômeno. O que seria a física senão um discurso europeu? O que seria a fé senão um manto ideológico de pessoas alienadas? O que seria a arte senão um campo de disputa epistêmico? Resumindo... tudo e todos são devorados pelas ciências humanas, sendo extensões de uma mesma cadeia explicativa. Como consequência dessa fome que devora tudo pelo caminho, e monopoliza a própria possibilidade de diálogo, começamos a escorregar no pântano relativista. Se tudo é uma construção social, se cada coisa na superfície do mundo carrega nos bastidores estruturas e sistemas traiçoeiros puxando as cordinhas das circunstâncias, por que eu deveria confiar na vacina, por exemplo? Não seria ela apenas um discurso como outro qualquer, um modelo eurocêntrico de conhecimento, uma forma autoritária e epistemicida? Na verdade, por que eu deveria confiar em alguma coisa ou alguém? Depois de tanta gulodice, áreas como sociologia ficam completamente isoladas no cenário acadêmico, presas em seus próprios mundos, fascinadas em seus próprios jogos de linguagem, sem permitir qualquer tipo de diálogo com outras esferas e experiências. Por que eu deveria ouvir as explicações de um físico, um engenheiro, um xamã, um pastor, um músico, um geólogo, um arquiteto, um químico, um padeiro, um botânico? Por que eu deveria perder tempo com eles? Tudo não é apenas jogos de linguagem e poder? Essa não é a causa das causas, o fundamento dos fundamentos?
6- SOBERBA
Dentro desse modelo construcionista, a partir de todos os outros pecados que surgiram até agora, eu sou alguém especial, uma criatura privilegiada, única... INCRÍVEL. Assim como no Livro 7 da República de Platão, eu sou aquele cara que fugiu da caverna, um dos poucos capazes de enxergar as cordinhas organizando a realidade, enquanto os pobres coitados lá fora permanecem presos numa atmosfera de ilusão. Nesse cenário construcionista, o mundo não é apenas governado por estruturas, sistemas e discursos... isso é só a ponta de um iceberg gigantesco. A coisa mais importante é que eu sou um dos poucos capazes de enxergar todo esse esquema, o escolhido nessa trama de ficção científica, nesse novo filme da MATRIX. Qual o resultado dessa enorme autoestima, característica muito comum em cursos de humanas? Simples... uma arrogância perigosa, uma pretensão difícil de ser contida. É curioso, na fronteira do cômico, que minha própria identidade e minhas escolhas são vistas por mim como espontâneas, racionais, nobres, enquanto os OUTROS viveriam de forma inconsciente, irracional, instintiva. Eu sou a racionalidade, já os OUTROS são o corpo, eu sou a consciência, já os OUTROS o inconsciente, eu pondero sobre as variáveis da minha vida, enquanto os OUTROS são movidos por forças desconhecidas, eu sou aberto ao diálogo, à contingência, já os OUTROS tem mentes nubladas por forças ideológicas. Eu sei quem sou e o que o mundo é, mas os OUTROS, pelo contrário, apenas acham que sabem, apenas pensam que conhecem. Pobres criaturas alienadas, presas em gaiolas estruturais. Eu sei que é triste, mas não se preocupem... eu vou salvar vocês, eu vou libertar essas suas consciências!!! AFINAL, VOCÊS PRECISAM DE MIM, NÃO É?
7- AVAREZA
Nesse esquema construcionista, pessoas, objetos, animais, espíritos e outras instâncias perdem qualquer tipo de autonomia, deixam de ter qualquer traço de agência. Todas se tornam efeitos de grandes arranjos nos bastidores, nada mais do que peças em um tabuleiro pronto, pré-organizado. Tudo é reduzido ao nosso monopólio antropocêntrico, ao nosso poder incrível de humanos, as únicas criaturas capazes de interpretar e intervir. Se o mundo fosse um cofrinho repleto de dinheiro, nem um centavo seria compartilhado com outras instâncias não-humanas. O mundo lá fora não é apenas nosso, mas também é oferecido como um objeto que pode ser dissecado e modificado. Em outras palavras, existem sempre humanos fazendo humanices nos bastidores, sejam essas humanices boas ou ruins, democráticas ou autoritárias. Não importa... os humanos explicam tudo. Nem mesmo importa se você é de esquerda, centro ou de direita, todos acreditam que se eu tiver o humano certo, na hora certa, fazendo a coisa certa, tudo terminará bem. O mundo perde aqui autonomia, sua própria capacidade de resistência, da mesma forma que se curva diante dessa criatura toda poderosa, humana demasiada humana. Se eu tiver alguém inteligente (critério epistêmico) ou bondoso (critério ético) assumindo as rédeas da realidade, não preciso ter medo, já que o mundo permanece aberto às nossas intervenções, simplesmente passivo aguardando o sábio ou o nobre. Não se preocupem, meus caros... as variáveis da existência podem ser controladas, precisamos apenas do humano certo, seja aquele epistêmico (inteligente) ou ético (bondoso). PS: Eu preciso dizer a você que esse parágrafo foi uma indireta a candidatos de esquerda ou de direita populistas espalhados por nossas democracias liberais? Não existe nada mais antropocêntrico do que o populismo...
Em um mundo neoliberalizante onde instituições já são fragilizadas, o construcionismo social pode acabar reforçando posturas reacionárias, de uma extrema direita relativista que descontrói tudo, da ciência até a mídia tradicional, passando pelas universidades e o próprio estado. É preciso ter muita cautela em 2024, nós, indivíduos de humanas, caso contrário o preço da imprudência pode ser alto demais. Sair por aí apenas descontruindo instituições, mostrando seus podres, não combina com o nosso cenário acadêmico contemporâneo. Talvez fizesse sentido na década de 60 e 70, mas hoje precisamos de mais, precisamos revitalizar certas instituições e o cenário de possibilidades. O esvaziamento da esfera pública de propostas coletivas, acompanhada pela fragilização constante dos aparatos institucionais, criaram, segundo Michael Sandel, as condições perfeitas ao fortalecimento dos reacionários. É isso mesmo o que queremos? Queremos um mundo onde tudo é frágil e descentrado? Um mundo onde a única coisa legítima é o indivíduo soberano e suas infinitas interpretações e experiências? Isso é o máximo que conseguimos oferecer enquanto representantes das humanas? Ou seja, queremos mesmo reproduzir esse modelo neoliberal de cultura?
Referência da imagem (modificada):
Me pergunto também: é possível, de fato, produzir efetivamente nada a partir da "mera" crítica (não afirmando ser esse o ponto do texto, mesmo porque é, ironicamente(?), situada em seu campo produtivo)? Como se ela, ao contrário de um texto-a-ser-criticado, não carregasse suas próprias proposições, sua "intencionalidade objetiva", quiçá um telos advindo de seus pressupostos metafísicos (provocação provavelmente já respondida no texto, considerando-se os projetos cosmopolíticos e ideológicos aludidos no seu concluir). No entanto, esse telos, se assim postulado, teria dever de ser unívoco? Evocada a ausência de proposição (espaço-a-ser-preenchido) se admite (talvez) o projeto como imposto e pressuposto. Há espaço para uma terceira hipótese e sua inumerável prole? Não desprezo a possibilidade de serem os efeitos de uma formação…
Recortando o(s) argumento(s) (instigante, como de costume) me detive numa questão da "crítica cinematográfica", ou do falar sobre cinema; do julgar e discorrer sobre filmes. Decorre de minha constante surpresa e frustração ao me deparar com uma divisa epistémica (rs) - proposta por vezes pelo grupo "antagônico" ao descrito e, devido ao desdém habitual e formal, em menor monta pelo citado - entre o "cinema do entretenimento" e aquele do "ter que pensar". Aí se opera um rebaixamento automático da obra-da-reprodutibilidade-técnica - taxonômico, quase ontológico - que lhe furta o olhar atento e a produção; lhe priva . A captura do postura desdenhosa (ou de sua estrutura socialmente construída, rs) que produz, num argumento em revés ou às avessas, o…