Inêz Meneses*, colunista do Jornal Português “O Público”, acertou nas palavras da sua coluna semanal o dizer, com as palavras certas, o que venho desconfortavelmente buscando expressar...
“Faltam-me alegrias pequenas, coisas de nada, que a comunicação social está longe de querer fazer germinar. Tudo o que é de pequena dimensão está, hoje em dia, condenado: os escritores de pequena dimensão, os semi notáveis, os atores quase famosos, os pensadores respeitados, mas pouco conhecidos. Estamos na época do exagero, que não aceita sequer um desabafo honesto como estar embaixo de forma. Isso não vende, não é apelativo.”
Eu me perguntava, estando pela primeira vez como escritora numa Bienal, a Bienal do Livro na Bahia, o que precisava fazer para nadar naquele mar de gente sendo “capturada” pela “grande mídia”, que pautava os nomes mais vendáveis antes mesmo de aquela gente toda lá chegar, que influenciavam o público a agir como moscas por sobre eles?
No stand onde expus as minhas obras publicadas, instei a mim mesma que agisse, que reformasse meu passado, a fim de que resultasse diferente no presente que naquele instante pavimentava o solo do meu futuro. Quis eu fosse mais “atirada”, extrovertida, agressivamente proativa. Pedi que eu, estando em Roma, agisse como os romanos!
Senti-me pequena demais para uma transformação totalmente contra a minha natureza... Será que naquele imenso pavilhão havia espaço para as pequenas coisas? As coisas de nada que eu tinha a oferecer?
Sim, eu estava em Roma. Sim, eu estava na Bienal do livro. Mas não podia agir como romana, ser alguém que não sou. Custou-me muito anos de autoconhecimento, aceitação, terapia, cultivo da autoestima para chegar me tornar esta que estou sendo, a melhor versão de mim que consigo trazer a vida.
Passei os dias que antecederam ao evento da Bienal desejando pequenas conquistas. Cultivei esperanças de sentir que não apenas pela escrita, mas pelas pessoas que viessem até mim, a certeza de estar fazendo o que devo fazer, sentir que escrever é a minha missão maior nesse mundo.
Estando lá na Bienal, no entanto, encarei também o risco de sentir que não faço grande coisa... a Inêz Meneses, mais uma vez, expressou muito bem:
“Há muitos dias que sinto essa náusea, esse aborrecimento, essa dor adormecida. Nem sei de onde vem - temo que venha de tudo o que li, assimilei, intuí, temi, daquilo que perspectivei ser o futuro. Antes tínhamos a utopia, agora fomos derrubados pela distopia.”
E, de fato, não foi só a Bienal que me deixou mexida e até doente nas últimas semanas... O meu ofício se espraia em diversas enseadas, na docência, no trabalho coletivo, na pesquisa... Em todos estes lugares a esperança (nas últimas semanas) parece ter sido, pouco a pouco minada, a angústia, a incerteza, a pressa dos prazos, a falta de previsão, a indiferença ao que é pequeno e processual, o desinteresse ao que semeado para um longo tempo muito depois e, é preciso esperar e, até, talvez nem chegar a ver os resultados.
Quando se vive movido por extremos e não sabe para onde olhar, o que chamar mais a atenção do olho e elevar a adrenalina que alimenta a febre do tempo ganha sempre, uma vez que chega fazendo muito barulho e sendo hiper espalhafatoso.
Eu quase desisto de tudo. Ocorre que comigo, a revolução acontece do meu lado de dentro. Minha reforma é íntima. Será sempre invisível aos olhos. Hoje era domingo, amanhã segunda-feira e corre com pressa e sem fôlego quase engolindo a semana..., mas, hoje é hoje, e eu escrevo sobre o que parece ter se tornado um sentimento recorrente: Sentir-me cansada após estas intermináveis duas últimas semanas...
Passaram tão depressa as duas últimas semanas, vindas não sei de onde. Só sei que elas não serão curadas com vitaminas, intervalos, ansiolíticos, férias, virtudes ou vícios. Somente como uma boa reposição de Esperança.
Prossigo buscando alcançar o que, às vezes, escapa por ser em pequena escala e dimensão. exaustivo porque é uma jornada na direção contrária à grande maré do mesmo. Parto do singular para o plural, do particular para o geral, do simples para o complexo.
Enquanto a nossa época do exagero segue atraindo toda a atenção para os grandes acontecimentos (que já nascem com potencial) mediáticos, periga de eles parecerem mais importantes.
* O coração Ainda Bate. No campo: A utopia foi derrubada pela distopia In: O Público, em 6 de maio de 2024, 8:16
Me senti exatamente igual
Que texto emocionante! Me vi nas suas palavras, inclusive por viver a mesma sensação de me expor como escritora na Bienal e na semana seguinte ter crises terríveis de ansiedade e sinais de burnout. Você traduziu o que só pude expressar em lágrimas. Esse exagero, esse espalhafatoso que me cobra ser uma vendedora da minha arte e que pra mim não faz o menor sentido. Olho a pilha de livros que encomendei e não foram vendidos e me sinto péssima, mas eu tb não quero entrar nesse ritmo de "conquistar" pessoas para a minha escrita. Que venham. Agora, depois ou muito, muito depois. Ser artista é viver rasgando as entranhas e depois seguindo a vida normal sem comentar que a…