Dia primeiro de janeiro de 2023, sinto uma bruma leve chegando, para fazer jus a música de Alceu Valença que por muitas vezes foi o hino da chegada da primavera vermelha: “Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais...” Finalmente estamos livres do governo da asfixia, da morte, do genocídio, do descaso para com a educação, do abandono da saúde, do negacionismo, do fim da cultura, do desrespeito para com os direitos humanos e para com a democracia. Decretamos que não toleraremos mais a LGBTQIA+fobia, o racismo, o capacitismo. Estamos libertos do desgoverno que guiou o Brasil para o isolamento mundial e para o mapa da fome.
Aprendi nesses quatro anos que misérias sociais escancararam as misérias internas de seus governantes. Esse texto talvez destoe um pouco do que estou acostumada a escrever por aqui, porque sempre tento buscar uma visão equilibrada das situações, evitando o cancelamento, mas não tenho como defender aquilo que é indefensável, aquilo que ri de quem está morrendo. Sinto muito, não consigo usar uma caracterização que determine que aquilo era aquele, porque não consigo concebê-lo como humano, só se a definição de humanidade for degradação. E aposto que você sabe de quem eu estou falando.
Penso que a humanidade seja mais do que aquilo. Não quero falar dele, nem da fuga para Orlando para se livrar de seus crimes, mas como o povo gritou hoje na posse do presidente eleito democraticamente: “sem anistia”. É a isso que corroboro. Sem anistia para os genocidas. Mas hoje, por ser o primeiro dia do ano e eu acredito que essa seja uma data-portal, o que a gente deseja emana e se fortalece em pensamento, quero falar das coisas boas que vi e ouvi, da bruma leve que chegou e do momento mais especial da posse de Luís Inácio Lula da Silva: a entrega da faixa presidencial que foi passada por pessoas comuns ao presidente democraticamente eleito.
Na rampa um indígena quase centenário, Cacique Raoni Metuktire, representando a emergência de cuidado para com os povos originários e com a floresta, a visão de um Brasil antes de ser Brasil, a esperança de um país que necessita de seus povos originários para desenvolver de forma sustentável e também a importância de valorizar o saber ancião.
Ao lado de Lula uma criança negra da periferia, atleta de natação, representando o futuro que queremos para os jovens do nosso país e por que não o futuro do esporte? Na semana que perdemos o Rei Pelé, colocar Francisco no palanque é no mínimo simbólico, é um vislumbre de um país com oportunidades para todos, principalmente para as gerações mais novas que tem sofrido com a falta de programas governamentais que fomentem o esporte e a arte.
Também tivemos Weslley Rocha, metalúrgico do ABC, outrora, tal qual foi Lula, representando os trabalhadores braçais que carregam nas costas o Brasil, porém diferentemente do presidente, mas por conta de suas políticas, Wesley se formou em Educação Física pelo Fies, mostrando a necessidade de ascensão das classes mais baixas e a importância da educação para a vida dos cidadãos. Juntamente com ele, tivemos no palanque o professor de Letras, Murilo de Jesus, que teve acesso a bolsas internacionais de estudo, sem dúvida também fruto das políticas criadas pelo PT para a educação superior, sua presença demostra a importância do investimento em educação e na pesquisa Universitária.
Esteve presente o artesão Flávio Pereira, mostrando a importância do trabalhador comum, daquele que vai à luta diariamente no nosso país, que faz bicos, que corre atrás para sustentar a família. E ele não deixou de lutar, passou 580 dias na vigília Lula Livre, um guerreiro pela nossa democracia, uma vez que Lula foi preso injustamente. Também, da vigília Lula Livre, esteve presente a cozinheira Lucimara dos Santos, mostrando a força da mulher, da matriarca, e a necessidade de alimentar o próximo, hoje ela é cozinheira da Associação de Funcionários da Universidade Estadual de Maringá.
Também faço um adentro para a presença da cachorrinha Resistência, que embora não tenha subido no palanque, subiu a rampa, ela foi encontrada na vigília Lula Livre e estar presente nesse momento demostra a necessidade de cuidar dos animais, principalmente daqueles que se encontram em situação de rua e que muitas vezes são os únicos companheiros de pessoas que também vivem nessa condição e necessitam de atenção, essa é uma das pautas que o governo pretende lutar, o fim da fome. Inclusive, Lula chorou ao falar das pessoas que estão pedindo dinheiro em semáforos, num ato de empatia pelo próximo. Sem dúvidas o amor e a compaixão estão estampados no ato de adoção de Janja e Lula.
O influenciador digital e militante pelos direitos das pessoas com deficiência, Ivan Baron, também esteve presente em grande estilo com uma roupa que estampava a necessidade de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, a necessidade da luta anti capacitista e da inclusão de todas as PCDs nos espaços sociais, direito esse que muitas vezes não é respeitado, apesar de garantido constitucionalmente. Ivan também faz parte da comunidade LGBTQIA+, um homem gay com deficiência mostrando que o corpo também é político, não só o dele como o de todos os presentes no palco e os do que compunham a multidão que foi presenciar esse momento histórico.
E para encerrar com chave de ouro, a faixa, a mesma de 2003, foi entregue por Aline Sousa, mulher negra e gorda, membra do Movimento Nacional de Catadores e beneficiaria do programa “Minha casa, minha vida”. Aline é a tradução do Brasil que majoritariamente é carregado por mulheres negras com empregos que não são valorizados pela classe média, mas que são de extrema importância para a manutenção das cidades. Aline é a personificação de um Brasil que necessita dos programas sociais para ter acesso a moradia e ter acesso a alimentação, saúde, educação e laser. Ela é a representação do grupo social que mais sofre no nosso país, mulheres negras e pobres.
Não atoa o bolsa família é entregue a mulheres e muitas delas são negras, periféricas e mãe solteiras. Aí poderemos falar de racismo e machismo, da luta contra a pobreza. Lula discursou duas vezes na posse, uma quando assinou o documento de empossamento dentro do Planalto e outra para o povo depois de estar com a faixa no peito. E nas duas falas ele trouxe a emergência de pensar nessas demandas identitárias, sem esquecer de uma industrialização sustentável, da preservação da floresta e das relações internacionais.
As pessoas que entregaram a faixa presidencial representaram as nossas caras. Um Brasil diverso, gordo, magro, negro, branco, indígena, deficiente, LGBTQIA+, heterossexual, o doutor e o trabalhador braçal, a cidade e a floresta, nessa nova democracia todos terão oportunidades de vida. Veremos o Brasil feliz de novo, com casa, roupa lavada e comida no prato. Como um dia disse o grande poeta Cazuza: “O Brasil vai ensinar ao mundo. O mundo vai aprender com o Brasil” e novamente seremos respeitados no planeta, a república de pindorama, a antropofagia brasileira. O caos inescrupuloso aqui já não reina mais.
Foto de capa: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo, via CNN Brasil. <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cores-da-posse-lula-de-gravata-azul-alckmin-de-vermelha/>
Algumas das informações sobre as pessoas citadas foram retiradas de postagem do site Brasil de fato: <https://www.brasildefato.com.br/2023/01/01/posse-presidencial-saiba-quem-subiu-a-rampa-e-passou-a-faixa-para-lula>
Texto maravilhoso! Traduziu poeticamente esse dia especial e o sentimento que tomou conta do Brasil. Quem diria que uma semana depois enfrentaríamos a loucura e o vandalismo sem precedentes...
Tava inspirada,hein Jac? Decifrou bem o que representava cada participante da entrega de faixa. Não acompanhei a posse,mas estou ciente do recomeço,um novo tempo.