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O PATRIARCADO TEM TESÃO POR MULHER COM AXILA CABELUDA



Não sei se você percebeu essa notícia em algum lugar, mas a influenciadora Fenella Fox, uma das sensações do OnlyFans, faturou nada mais nada menos do que três milhões de reais com suas fotos. Até aí, nenhuma novidade... Muitas mulheres conseguem o mesmo divulgando seus corpos pelos quatro cantos do universo digital, sejam peladas ou vestindo algum pedaço de pano colorido e microscópico. A diferença aqui foi o tipo de foto em jogo, sendo que pela imagem introdutória desse ensaio você já consegue imaginar: AXILAS CABELUDAS, pelos por todos os lados!!! O curioso nessa história toda não foi apenas esse detalhe, o que por si só é interessante, mas a justificativa de Fenella, uma explicação bem reveladora da forma como nosso capitalismo contemporâneo funciona. Segundo a estrela do OnlyFans, ela vivia muito cansada dos padrões de beleza feminino. Curioso, não é? Como interpretar esse gesto rebelde, mas que ao mesmo tempo despertou desejo dos seus seguidores? Ou seja, o corpo subversivo pode ser um objeto do prazer patriarcal, um pedaço de carne consumível? Não parece contraditório a fuga dos padrões se tornar um padrão ou até uma mercadoria? Se ficou curioso, venha comigo nessa aventura interseccional onde gênero e classe se encontram na esquina da realidade.


Primeiro, antes de qualquer mergulho um pouco mais profundo, é preciso fazer uma diferença básica entre machismo e patriarcado, principalmente porque são palavras usadas como sinônimas. Seguindo os passos butlerianos, o segundo é uma estrutura que organiza a realidade, enquanto o primeiro é muito mais um desdobramento, muitas vezes personificado em práticas específicas, como desvios éticos, por exemplo (comentários, piadas, xingamentos, leis). O patriarcado, por outro lado, representa um arranjo epistêmico, ou seja, as condições de possibilidade de comportamentos lá fora, incluindo posturas machistas, mas não necessariamente. Isso significa que é possível uma estrutura patriarcal sem machismo, mas não machismo sem uma estrutura patriarcal.


Ao menos enquanto discurso padrão, na fronteira da conveniência, o patriarcado deseja uma mulher “recatada e do lar”, assim como submissa às suas decisões, tudo isso dentro de critérios estéticos muito rígidos (depilada, magra, tímida, doméstica). Como qualquer manto neurótico, existe essa superfície do fenômeno e suas justificativas convenientes, mas também as profundezas e todas suas contradições. Por baixo do tecido neurotizado, esse falo patriarcal saliva pelo desvio, pelo ponto fora da curva, pelo obstáculo, encontrando no universo capitalista um jeito perfeito de saciar seus desejos ocultos. Da mesma forma que o capitalismo incorpora seus opostos, transformando até mesmo críticas em mercadoria (se não acredita, veja como Hollywood hoje é tão “subversiva”), o patriarcado pode também operar da mesma forma, instrumentalizando aquilo que é oferecido como resistência. Em outras palavras, a “recatada e do lar” é apenas um discurso público oferecido em circuitos de conveniência, mas “o sovaco cabeludo” é o inconsciente, o desejo proibido que se esconde no histórico dos computadores de homens puros.


Em vez de um gesto revolucionário, acompanhado com um aroma de maio de 68, o subversivo é simplesmente consumido no banquete desejante, devorado por homens de meia idade, todos na madrugada com seus computadores e vaselina. Isso é o que a psicanálise chama de “mais gozar”, um tipo de excesso que escorre pelos cantos do comportamento humano, uma espécie de “mais valia” transbordando pelas brechas do fenômeno. Esse tipo de característica funciona muito bem em propagandas, não sei se você já percebeu. Na superfície, é apenas um vídeo sobre uma cerveja, uma promessa de resolver minha sede imediata. Em outras palavras, é apenas uma mensagem pragmática com objetivos muito claros (cerveja – sede, carro – mobilidade, Madero – fome, Disney - Lazer). Mas, por baixo do pano, o que existe mesmo é um infinito número de demandas sendo preenchidas, desejos estranhos e contraditórios na busca por autorrealização.


A defesa das axilas cabeludas não apenas representa um caso evidente da forma como o capitalismo opera, com seu EU soberano preenchendo suas mais íntimas demandas (lembram da propaganda do desodorante Dove e sua defesa de corpos diversos?), como também atende a uma estrutura patriarcal mercantilizada que se alimenta nos bastidores do discurso subversivo.


Enquanto em público os Red Pills criticam as mulheres “fora do padrão”, aquelas empoderadas e donas de si que ameaçam o macho Sigma, no conforto de suas casas, por outro lado, todos se masturbam com a imagem desse corpo subversivo, consumindo produtos em um circuito capitalista estranho, tudo isso dentro de uma economia desejante bizarra. Resumindo, sovacos cabeludos apenas desafiam o desejo masculino na superfície, deixando aceso nos bastidores o tesão mercantilizado. Nesse mundo neoliberalizante, mulheres fora dos padrões de beleza não são descartadas, mas apenas “consumidas” em um circuito paralelo de imagens. Da mesma forma que reacionários condenam corpos trans em público, mas gostam de ver mulheres com seus pintos duros, o mesmo acontece com o sujeito patriarcal e seu padrão de beleza feminino. A “Bonita, recatada e do lar” sempre foi a fachada, apenas o discurso do sujeito neurótico com suas leis e conveniências. O que machos gostam mesmo é de cabelo no sovaco!!!



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