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O OBJETIVO ERA DESTRUIR O OUTRO?




Sempre tem um evento que nos obriga a visitar os nossos traumas.

 E eu fui convidada a olhar para os meus.

 

Todo mundo tem seu tempo, o meu tem durado longos meses e às vezes eu fico horas e horas refletindo no que poderia ser diferente para que eu me sentisse diferente.


E de todas as dores que eu coleciono, as piores partem dos comentários ácidos e cruéis que vieram de maneira gratuita. Tem lembranças que me perseguem e eu fico presa em questionamentos infinitos do porque aquele comentário existiu, do que exatamente era o objetivo… em muitos momentos eu sinto que a ideia era destruir a autoestima. Mas, por quê? Eu também reflito sobre quem foram essas pessoas e é verdade que não as admiro, mas isso não altera o quanto me sinto afetada. Acredite, esse texto não é sobre mim, é sobre nós.

 

Bom, quando eu era criança ouvi comentários um pouco cruéis. Todos os dias, pessoas diferentes faziam comentários extremamente dolorosos sobre mim e sobre o meu corpo, sobre o fato de eu ser uma criança magra. Não eram sempre “brincadeiras”, algumas vezes era pura destilação de ódio. E é incrível que eu não me relacionava com a minha estética dessa forma negativa, mas passei a me relacionar. Seria então que os conceitos negativos que carregamos sobre nós não vieram exatamente de nós?

 

Até que um dia, uma conhecida da família me encontrou e me perguntou sobre meu peso. Eu tinha 11 anos, ficava tentando processar cada comentário que ela me fazia, até que no meio de tudo aquilo ela disse que parecia que eu tinha AIDS.

Eu nunca esqueci daquela cena, da sensação, da vergonha, do constrangimento…

 

Será que ela queria me deixar triste? Será que ela sabia que isso se tornaria um grande fantasma na minha vida?

 

Claro que isso é pequeno perto da quantidade de comentários ofensivos e ácidos que vamos escutando ao longo da nossa vida. Tem coisas que me fazem questionar até mesmo se estou lidando com um ser humano porque a  frieza e insensibilidade de alguns é assustadora.

 

E nisso tudo, vamos ficando com os fantasmas dos comentários, que por vezes acreditamos estar resolvidos, até que um belo dia somos convidados a relembrar de um por um.

 

Eu já fui acusada de coisas que não fiz, já fui agredida nos momentos de intensa dor, já tive o meu valor questionado, já ouvi comentários que passaram anos ecoando em mim e eu NÃO SOU A ÚNICA. 

 

Eu sei que quem está lendo esse texto também tem coisas assim para contar. Todo mundo tem uma história de um comentário carregado de perversidade que não sabemos direito o que fazer com ele e principalmente: não sabemos porque ele existiu.

 

Sempre tem uma pessoa que se considera auto suficiente e finge que isso não gerou um grande impacto. Mas eu duvido muito que alguém esteja tão blindado a esse ponto porque todo ser carrega uma vulnerabilidade.

 

Mas sobre o que é esse texto?

 

É sobre questionar o que de fato as pessoas querem com esses comentários. Difícil acreditar que é pelo “bem”. Difícil acreditar que é o sadismo de destruir o outro apenas para destruir. Difícil acreditar que mensuram o impacto disso. Mas será mesmo que não mensuram?

 

Qual é a intenção? Qual foi o objetivo?

Quando alguém nos diz algo cruel, de maneira gratuita, sem uma briga, sem uma discussão, apenas a destilação do ódio na sua forma mais dura e pura, será que a ideia é nos ver chorando em posição fetal?

 

E se vissem? Validariam a dor ou apenas se recusariam a assumir a responsabilidade disso?

 

Qual o objetivo? Nos fazer pedir perdão pela cor de pele? Pela orientação sexual? Pelo peso? Pela condição financeira?

 

“Me perdoe por ser muito magra”

“Me perdoe por ser gorda”

 

Curiosamente, não conheço ninguém que se sinta feliz ao receber comentários assim. Todo mundo rejeita a ideia de ouvir algo tão desagradável, mas uma quantidade expressiva de pessoas tecem comentários assim o tempo inteiro. E eu vivo me questionando o porquê disso!

 

As nossas dores sempre parecem mais justas do que as dos outros. O mínimo comentário pode nos derrubar, mas ainda assim alguns são capazes de ser cruéis com o outro. A troco de quê?

 

Eu finalizo esse texto sem grandes respostas, por que não considero essas pessoas vilãs mas também não as enxergo como vítimas. Também não acho que sempre é uma projeção, mas reconheço que existe uma falta de empatia e sensibilidade muito grande.

 

Eu ouvi de pessoas com problemas com o peso afirmações sobre eu ser muito magra. Ouvi de pessoas com graves problemas de relacionamento críticas a meu jeito carinhoso. Ouvi de pessoas que nunca se divertem criticando a minha forma de expressão. Já fui acusada de traição por uma pessoa que já traiu o próprio marido.

 

Por que os comentários sempre vem de pessoas que não são uma referência naquilo que estão criticando?

 

Hoje, na minha coleção de dores está o fato de que em poucos momentos eu devolvi o desconforto. Mas o resultado seria outro se eu tivesse devolvido? Eu sofreria menos?


IMAGEM: Freepik

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