Hoje, meus girassóis, não irei falar sobre questões jurídicas, pois há algo entalado na minha garganta dificultando a minha concentração para abordar a respeito de um dos meus assuntos prediletos: o Direito.
Esta semana fui a uma loja de produtos naturais situada no bairro onde resido, o qual é de classe média para cima.
Entrei, esterilizei as mãos, peguei o carrinho e fiquei frente à frente com um senhor (carrinho com carrinho). Pedi licença. Ele me cumprimentou educadamente com um sorriso e meu pediu licença. Fiz as minhas compras e fui para o caixa.
Este senhor estava passando os seus produtos e eu aguardei logicamente. Ah, ele estava conversando com a senhora do caixa, dizendo que estava se tornando mais saudável, se tornando vegetariano. Achei de uma lindeza e tanto!
Nesse interstício temporal, um funcionário da loja passou agachado, envergado pelas costas do referido senhor para pegar as cestas de compras que estavam no chão e que foram deixadas por clientes.
Imediatamente, o senhor tão distinto e educado gritou com o funcionário e o enxotou com as mãos como se enxota um cachorro de rua quando este vem atrás de você, sabe? Aquele movimento de sacudir as mãos, afastar o corpo e transpirar medo e raiva pela face. O senhor dizia em tom irônico: “olha o distanciamento social, hein? Chega pra lá”.
Eu saí de um estado de “que senhor massa! Mudar a mente assim com uma certa idade. Tenho que contar isso aos meus pais” para uma expressão de susto, espanto, olhos arregalados e mudez. Nunca presenciei uma cena dessa. Alguém tratar outro alguém publicamente como animal de rua sarnento.
O funcionário era negro. Fiquei pensando se esse fato poderia ser uma agravante, mas não quero me ater a esse ponto nestas linhas, pois, talvez, se fosse um funcionário branco ele teria agido da mesma forma. É possível que o enxergasse também como um “subalterno, serviçal”. Mas, não posso deixar de dar luz a esse gravame, afinal pode sim ter influenciado na conduta da minha decepção da semana.
Ressalto aqui que me considero uma mulher preta apenas no tom da pele, pois nunca vivenciei as dores do racismo, por isso tenho muita cautela em tratar sobre esse tema e esse é mais um motivo para que eu deixe a você, meu girassol, o direito de tirar as suas próprias conclusões.
Após o ocorrido, fui para casa pensando em como nós pegamos filosofias de vida e incorporamos à nossa rotina a fim de, exclusivamente, melhorarmos a nossa saúde física, a nossa saúde psicológica, a nossa saúde espiritual, a NOSSA, a NOSSA, a NOSSA... É muito pronome pessoal para uma vida só!
Não sou vegetariana, mas sei que se trata de um cuidado com os outros animais, com o ambiente, a compreensão de que todos precisam estar bem para que todos possam realmente estar bem.
Uma alimentação balanceada vegetariana é realmente mais saudável para o ser humano e não estamos errados em pensar isso (eu mesma mudei alguns hábitos alimentares a partir do vegetarianismo), mas cheguei à dolorosa conclusão de que quando nos propomos a aderir alguma filosofia, fazer alguma caridade com o próximo de perto ou com o de longe, precisamos agir dessa forma primordialmente para o bem do todo e depois para o nosso, caso contrário adoeceremos ainda mais enquanto Humanidade.
Eu quero ressaltar aqui o “dolorosa” do parágrafo anterior, porque o meu espanto inicial com a conduta do senhor da nossa história foi pela ação dele, mas depois foi por mim. Sim, meus girassóis, por mim.
Eu nunca tratei alguém daquela forma, mas será que não me utilizei de uma prática religiosa, de uma alimentação saudável, de rituais para cuidar da minha saúde mental com o objetivo de ficar bem para ficar bem sem refletir em ficar bem para que pudesse levar outras pessoas a ficarem bem? Confesso que já e isso me assustou.
Queria ser o tipo de pessoa que reflete pouco, mas infelizmente penso demais. Enfim.... Aquele senhor estava se tornando vegetariano para ficar saudável, mas essa saúde era só para ele, porque quando você enxota uma pessoa, você a torna enferma.
Vamos continuar, portanto, meus girassóis, olhando o nosso reflexo na água, cuidando do objeto que projeta essa imagem, mas cuidado para não cair na água e morrer afogado por cuidar tanto de si sem sequer olhar realmente para os lados.
Abraço!
Link da imagem: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/narciso-caravaggio/
Comments