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Foto do escritorAlan Rangel

O EXISTENCIALISMO NÃO ATEU



 

Basicamente, o ser humano carrega aspectos biológicos e históricos. É uma perspectiva material bastante simples de objetiva. Diferente dos animais, o homem tem consciência de si. Autoconsciência.  E é a partir do mundo, da existência, do contato consciente com seus pares, que ele se reconhece como distinto de outros seres.  


A essência do homem é a mutação. Fazer diferente. Construir e destruir culturas; modificar o mundo; fazer e refazer sociedades com padrões sociais, econômicos e políticos distintos e, também, não menos importante, aperfeiçoar-se. “Os animais se repetem e não avançam. O homem, ao contrário por natureza, não pode ser o que já é” (Jaspers, 1965, p. 47).


Para Mounier (2010), o homem rompe sua natureza por duas vias: pode modificar seu entorno e a si mesmo; além disso é um ser dotado de amor. No que tange a existência humana, é preciso levar em consideração questões de ordem material (econômica, social, biológica), mas, também, as dimensões espirituais e psicológicas. Afastar ambas as dimensões levariam o homem à ruína.


Isso tudo nos faz pensar que o homem é existência subjetiva e existência corporal. “Não posso pensar sem ser, e ser sem o meu corpo: estou por ele exposto a mim próprio, ao mundo, a outrem, e por ele que me esquivo a solidão de um pensamento que seria tão só pensamento do meu pensamento” (Mounier, 2010, p.12).


Mounier (2010) alerta sobre a necessidade de termos uma relação dialética com a natureza, evitando a pura exterioridade. Com o desenvolvimento da ciência e da técnica, o homem tornou-se, perigosamente, um objeto de sua própria criação, se despersonalizando.


O avanço da cultura, da técnica, das leis sociais, da moral e da ciência é o que o ser humano incorporou ao longo da sua trajetória. Sua ação se baseia no comportamento dos homens, vendo-os como sua imagem. No entanto, Jaspers (1965) concebe que há uma aura em torno do homem que se apresenta como um mistério. Nada sobre o seu ser natural e histórico pode dizer o que é o homem e a sua origem.


O humano continua existencialmente na busca ininterrupta sobre quem ele é. A busca dar-se pelo desvendar da natureza:  penetrar em seus mistérios, tal como ocorreu na descoberta do fogo, do uso do ferro, da prata e da invenção de objetos voadores. Porém, o conhecimento tem limitações nas quais é impossível ultrapassar, pois o homem não é ilimitado. Mas um alerta: o risco no desenvolvimento das técnicas é a autodestruição da humanidade.


Jaspers (1965) coloca em evidência que o homem também busca conhecer-se através da fé, da quietude, do contato com o algo subterrâneo em si: a busca de uma transcendência indizível, ou, em outros termos, não filtrado pela razão.


Não há respostas últimas para a existência humana. Mesmo assim, o homem, por ser portador da liberdade, continua na sua busca eterna pelo que ele é.


Para o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, é na encarnação, na vida em sua materialidade, que deve o homem superar-se a si mesmo. As contradições, a contingência ou a situação faz parte da própria existência humana. Não há como interpor um saber universal que contemple todas as consciências. A objetividade dissolve ou despersonaliza o sujeito. Assim,


“a existência não pode ser analisada nos moldes científicos. Ela não é uma ciência, é uma história, que envolve personalidades, relações e contradições paradoxais, que não se esgota em definições e demonstrações lógicas” (Almeida e Valls, 2007, p. 5).

Não é na fórmula de conceitos abstratos e universais que encontraremos respostas últimas para a existência humana. A pura objetividade reduz o humano a simples enunciados racionalistas de uma filosofia que se pretende sistemática, como, por exemplo, o pensamento totalizante de Hegel, que postulava uma razão histórica e universal reduzindo o humano a uma grande teleologia. Grande parte da crítica severa dos existencialistas à filosofia sistêmica, tem suas origens no modelo cartesiano. A citação abaixo de Kierkegaard resume as diferenças entre a filosofia sistemática e a filosofia existencial,

 

 

a distinção entre o pensador objetivo é indiferente com respeito ao sujeito pensante e à sua existência, o pensador subjetivo, como existente essencialmente interessado ao seu próprio pensamento, é existente nele. Portanto, o seu pensamento tem uma outra espécie de reflexão, isto é, aquela da interioridade, do domínio, com que ele pertence ao sujeito pensante e a nenhum outro. Enquanto o pensador objetivo coloca tudo em resultado, e estimula a inteira humanidade a trapacear copiando resultados e fatos, o pensador subjetivo, põe tudo em devir e omite o resultado, em parte, propriamente porque esta é a tarefa do pensador existencial, porque possui o caminho, em parte, porque como existente ele é sempre em devir. A reflexão da interioridade é a reflexão-dupla do pensar subjetivo. Pensando o pensador pensa o universal; mas como existente neste pensamento, ele o apropria em sua interioridade e existe (Kierkegaard, 1993, p. 226, apud Oliveira, 2007, p.5).

         

 

Apesar de Kierkegaard criticar a filosofia sistemática, ele não é um autor antissistemático. O problema é quando colocam todas as dimensões, conhecidas ou não, como Deus, amor e fé no âmbito da medição lógica. O sistema seria uma ficção, e, como tal, deve afastar-se do plano da existência. Esta é um universo de escolhas, possibilidades e projeções. Questões éticas, estéticas e religiosas fazem parte do âmbito da ação dos indivíduos, subjetivamente, e não podem ser englobadas em grandes modelos ou sínteses. Tais questões não podem ser vistas como degraus universais que trajam as pessoas como etapas exteriorizadas:

 

Os estádios não são degraus; não se passa de um para o outro como em um processo evolutivo ou como o movimento de consciência na superação hegeliana, uma vez que não existe um sistema da existência determinando o movimento da vida por intermédio de padrões ou de qualquer sujeição a necessidade. Entre os estágios existem abismos, que, para o movimento lógico que culmina na mediação, são incontornáveis, o que faz com que a passagem de um para o outro se dê somente através do salto (Almeida e  Oliveira, 2013, p.91).

  

O pensamento existencialista não ateu ajuda a refletir que não é possível pensar uma história universal: só há histórias humanas, contadas em seus dramas existenciais, suas experiências, descontinuidades, sofrimentos, incongruências e paixões projetadas no mundo. A consciência é uma consciência da subjetividade, e esta singularidade é o que conforma a relação do ser existente com a própria materialidade. O que sobra? É a busca de cada um com o real. E a verdade será sempre um grande mistério no horizonte.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALMEIDA, Jorge Miranda de; VALLS, Alvaro L. M. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

 

JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico.  São Paulo: Cultrix, 3 Edição,  1965.


MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições Texto eGrafia,  2010.

 

OLIVEIRA, Leonardo Araújo; ALMEIDA, Jorge Miranda de. Kierkegaard: Da relação entre existência e pensamento no Post-Scriptum conclusivo não científico. Revista Humus, Nº 7, 2013. p. 87-99.

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