Todos já devem estar sabendo do ataque do Hamas, movimento de resistência islâmica, a Israel. Não estou aqui pra repetir o que está sendo reproduzido pelos sites, jornais, e noticiários da TV, mas tentar observar as coisas de uma outra ótica.
Essa ofensiva pode ser considerada uma contraofensiva a todo um histórico de expansão do território de Israel na Faixa de Gaza, um dos limites entre áreas árabes e judaicas. Desde a implantação do Estado Judeu em 1948, conflitos étnicos têm marcado a região. Com toda ajuda financeira e militar recebida pelos israelenses, os confrontos há décadas tem sido uma luta desigual, ocasionando, a cada conflito, um avanço territorial israelense, oprimindo os palestinos. Sempre acompanhamos essa quizumba durante todo esse tempo, sendo assim, massacres do lado mais fraco dessa luta foram sendo normalizados. Pouco se convencionou uma proposição mais aguda desse desequilíbrio beligerante.
Eis que nesse último ataque – nunca visto antes, dado o potencial ofensivo do Hamas – ocasionou dezenas de mortes israelenses, sequestros, estupros, e muita violência e destruição. Imagens chocavam pela brutalidade de ação do grupo islâmico. O revide seria óbvio, e nesse ínterim, já devem ter morrido o quadruplo de cidadãos palestinos, fora corte no fornecimento de água, luz, e alimentos.
E o que isso gerou no lado de cá? Muitos posts e redes sociais vociferando contra o Hamas e muitas postagens solidarizando com a “causa palestina”. E aí tento iniciar minha contraofensiva (sem trocadilhos).
O Hamas nunca quis acordos de paz, quer simplesmente a expulsão dos judeus de lá. Não vou entrar em detalhes sobre a Bíblia, quem tem razão, que povo teria mais direito em ocupar aquele espaço, nada disso. Uma pena, pois seria necessário para um texto completo. Mas isso tem sido feito, inclusive pelo meu colega de Soteroprosa Alan Rangel (link nas fontes). Então vamos lá... Se o grupo ataca membros da sociedade, mostra toda sua ojeriza a vida de outrem, até porque pra quem deseja varrer uma comunidade inimiga, pouco importa quem vai morrer ou não. Isso, em minha visão, não deve ser visto como “causa”, e sim rejeição social total. Atacar instituições políticas que resulte num poder inimigo combalido seria... digamos... aceitável, sob o ponto de vista de uma guerra “justa”. Mas a morte de civis é sempre condenável, em quaisquer circunstâncias, seja que lado for. E aí, não coaduno com o papel progressista de considerar ataques sociais como “causa palestina” e prestar “solidariedade” a esse povo, sendo que a representação para isso seria o próprio Hamas, ocasionando uma legitimação do ataque a anônimos israelenses. Ululante que um Estado Palestino já deveria estar implementado, sem dúvida, um operador de delimitações territoriais mais precisas. No entanto, não vou entrar aqui em atritos de três mil anos naquele perímetro tão conturbado do planeta!
Quando reagimos a forças policiais provocando mortes e fazendo comunidades carentes de trincheiras, denunciamos uma ação violenta praticada pelo próprio Estado. O povo Palestino sofre das mesmas opressões, assim como indígenas com grilagem de terras, e etc. O governo israelense expande assentamentos a torto e a direito na Cisjordânia – outra área fronteiriça naquela geografia – pressionando mais árabes a se agregarem uns em cima dos outros. Se isso não é uma prévia de uma expansão aviltante que pode estar gerando futuramente um Hamas cisjordãnico, não sei o que é mais! Israel está sob um governo de extrema-direita (o que já um grande paradoxo! Um dos princípios do extremismo direitista surgido no pós-Guerra europeu é justamente o antissemitismo! Mas como estamos em tempos loucos e toscos, acontece isso aí: uma extrema direita judaica!) que atualmente divide e causa cismas no próprio país. Ou seja, quando o Estado aflige um outro e afronta parte de seus cidadãos, alguém vai esperar que uma organização inimiga vá ter dó de outro povo? Pois é. Mas não se justifica descartar que houve um massacre de sujeitos anônimos de um país em defesa de uma causa palestina, afinal, se pessoas de classe baixa torturarem e matarem filhos e esposas de policiais, ninguém vai dizer que isso é uma luta contra “violência policial”.
Por outro lado, nossos queridos “liberais”, muitos ocupantes da tal “nova direita” limpinha e cheirosa, acusam o Hamas pelo massacre (até aí, tudo bem) mas se omitem – sempre – das constantes mortandades de cidadãos palestinos ao longo de décadas, praticadas pelo Estado israelense. Como já mencionei acima, normalizadas e pouquíssimo noticiadas. E mais uma vez: quando a polícia brasileira reage a morte de um agente de segurança em ação e promove uma matança na área, a salva de palmas à carnificina sempre acontece. Mais uma vez: civis palestinos também são pessoas tá? Onde estão as postagens nas centenas de mortes de nativos africanos pelas guerrilhas armadas pelo contrabando de armas das nações colonizadoras? Algum post? Não vi essa galera horrorizada pelo sofrimento aos Yanomamis em Roraima. Muitos diziam que eram “venezuelanos importados”, como se, verdade fosse, a vida lá tivesse menos importância. Se esses indígenas fossem parar nas ruas de Boa Vista e saíssem dando flechadas a torto e a direito em quem atravessasse seu caminho, essa gente provavelmente classificaria esses índios como terroristas, decerto! Ou seja, nessa briga de rede social entre o rochedo progressista e a maré liberal, sobra pra vários mariscos, seja nas favelas, nas terras indígenas, Israel, ou Palestina.
Mortes de civis são mortes em qualquer canto. Numa luta de Estado contra Estado, cada autoridade que vista seu colete, já que nessa guerra, não é ela quem vai morrer.
FONTE:
IMAGEM: BBC
Ótimo ensaio, Carlos
Pois é, meu caro, a seletividade e a hipocrisia acompanha a nossa combalida humanidade.