Se lá no começo me contassem das noites sem dormir, do choro e da sensação de fim do mundo, eu teria desistido de muitas histórias.
Se me falassem que daria errado, que eu comeria tampado e que meu coração estilhaçado demoraria de cicatrizar, eu sairia correndo. Alívio! Não iria sentir nada, nem sofrer na madrugada, sem lágrimas derramadas, sem rugas de preocupação.
Mas não seria eu. Não seria quem olha no espelho e entende de onde vem cada pedacinho, cada cor que brinca de eternizar um momento no meu rosto.
O vermelho das espinhas.
O roxo das olheiras.
O castanho dos sinais.
Cada linha e marca de expressão.
Fazendo da minha pele um livro, com contos de fadas, de falhas, de ser humano.
Toda essa poesia escrita pelo destino, versos longos, intuitivos, que brotam dos pulsos de Deus como uma semente de girassol acolhida pelo ventre da terra, com a certeza do florescer no amanhã
Não saberia o que conta essa pintura colorida pelo meu coração de tinta.
Não seria quem recomeçou.
Ficaria sem a dor, e sem a doçura.
Sem o choro, faltando sorriso.
Na apatia total de quem luta com os sentimentos para se manter inteiro.
Bobagem!
Desde que saímos do útero somos esse bolo de carne apartado de quem nos gerou, buscando se conectar aos outros apenas por elos invisíveis que construímos rasgando o peito e soltando o amor que une as almas.
Depois do cordão umbilical cortado, nossos vínculos são mais difíceis, nem sempre nutritivos e a todo tempo desafiadores.
Para quebrar alguns, dói mais do que para cortar o cordão.
Para construir todos, é preciso a sabedoria e o invólucro sagrado de amor que compõem o útero, na gentileza de ceder um pouco de si pra ser morada de alguém.
Se assemelha ao susto de não estar mais protegido e ser solto no mundo para viver essa aventura gostosa que chamamos de "vida".
Completamente soltos, no único sofrimento bonito que existe: a liberdade.
Escolhemos ir, escolhemos ficar.
Hoje penso que cada caquinho quebrado e colado no mosaico do meu corpo e da minha alma, valeram a pena.
E todos os que virão, valerão o dobro.
Me ensinam que dentre tantas ligações e afetos, precisamos sempre construir uma casinha dentro da gente, ser nossa morada, cura e proteção. Acolher a vulnerabilidade e o potencial que temos em amar um monte e construir histórias.
Nascemos para a vida, quando a prioridade dos dias é esse fio invisível que conduz nosso afeto e nos traz para a casa indestrutível alicerçada no coração.
Amor-próprio é estar.
Amar o outro é dividir para somar
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