Um deputado federal do PSL do Rio de Janeiro foi preso em flagrante de delito após publicação de um vídeo insultando ministros do STF. Isso foi o bastante para dividir opiniões sobre o exagero ou não da detenção. Juristas e colegas de Congresso acharam ou “justa” ou “exagerada”. O ministro Alexandre de Morais foi o autor do pedido. Em plenário do Supremo, o placar da manutenção da custódia preventiva foi unânime: uma goleada de 11 a 0.
Mas o que o referido parlamentar divulgou que causou tanta celeuma? Em 19 minutos ele se referiu aos ministros como “mimado, marginal da lei, mau caráter, militante de esquerda(!?), filha da puta, cara de vagabundo, gosta de colhão roxo, moleque”, além de outros impropérios. E ainda falou que a Corte máxima do país é uma “nata de bosta”, citou AI-5 como medida contra os magistrados, o escambau. Para alguns analistas, um congressista se dirigir a membros de um poder dessa forma é apenas lamentável, sem se dar conta que uma verborragia dessa magnitude avilta as relações institucionais e deve ser contida sob alguma ordem disciplinar. Mas deixemos de lado essa pendenga jurídica.
O problema é a interpretação sobre o que é crime praticado por um representante eleito. A Lava Jato incutiu na sociedade o entendimento em retaliar de forma severa os crimes de peculato e enriquecimento ilícito praticados pela classe política. Na verdade, ela reconsiderou a importância disso. Sempre fomos sensíveis a crimes contra o patrimônio público. Assim elegemos Jânio Quadros – que iria “varrer a corrupção”; Collor – o “Caçador de Marajás”; e Bolsonaro, na esteira da criminalização da política, com vistas populares a mudanças bruscas na vigência dos poderes, na eleição de pessoas cuja vida pública não continha participações em quadrilhas assaltantes do orçamento federal, refletindo o desejo social de alterar “tudo isso que tá aí”. Talvez essa visão continue presente ao não nos assustarmos com a falta de indignação na condenação da deputada Flordeliz, que “apenas” mandou matar o marido. Muito mais discutida foi a prisão do senador Chico Rodrigues, pego com dinheiro em partes inomináveis do corpo... Porém, lembremos que o ex-deputado Jean Wyllys teve um processo de cassação levado quase às últimas consequências após considerarem que sua cusparada no então parlamentar Jair Bolsonaro – durante a tumultuada seção do impeachment de Dilma – poderia ser enquadrada em quebra de decoro. Ou seja, o Congresso cassa e determina quem deve ou quem não deve ser expulso da Câmara.
Esses impropérios dirigidos ao STF, lembram a redefinição da tal liberdade de expressão, que ficou caracterizada por falar o que quer, quando quiser, a quem desejar, com o linguajar que for preciso. E também nova definição de ética: ético é aquele que não rouba o dinheiro de impostos do cidadão de bem. Tanto que o parlamentar preso por ofender os ministros do Supremo rasgou uma placa de logradouro que simbolizava uma homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco. Não foi entendido como profanação.
O deputado atuou como policial militar e a cúpula da PM sempre confirmou o mau comportamento dele durante a passagem como agente de segurança. 54 dias de detenção, 14 repreensões, 60 sanções disciplinares, e duas advertências foram suficientes para classificar “inadequação ao serviço militar” e “ineficiência do caráter educativo”. Como deputado, responde dois inquéritos no STF por atos antidemocráticos e divulgação de fake News. Armamentista, dizem que frequentava a academia com uma garrafa d’água em formato de projetil. No plenário da Câmara, proferiu que “tem mais negros com armas, mais negros no crime, e mais negros confrontando a polícia”, ao justificar a alta taxa de pretos mortos por tropas da PM. Quando cobrador de ônibus, em Petrópolis, foi acusado de falsificar atestados médicos para faltar o serviço. Essa ficha não bastou ao eleitorado. Ele consegue representar uma parte da população por sua “ética”. Obteve 37 mil votos no último pleito.
De tempos em tempos – a cada 30 anos, em média – a população brasileira elege, com marcante euforia, políticos que impõem uma imagem de detentores da moral e defesa da honra cidadã, apesar dos mesmos ofenderem adversários, clamando o sentimento de repúdio, e linchamento virtual de políticos tradicionais. Foi assim com Jânio, Collor e Bolsonaro (as observações anteriores foram dirigidas mais a ele), como mencionei. Qual a próxima representação política que irá impressionar os patriotas? Provavelmente um tipo como esse: brutamontes, com bíceps avantajados, um “armário” humano, sem papas na língua, esbravejando blasfêmias, misturando atitude impetuosa com virilidade muscular, com um grau detectável de misoginia. O mesmo deputado, quando preso, discutiu com uma policial que solicitou que ele usasse máscara. Como ele respondeu? “Se eu não quiser botar? Se a senhora falar mais uma vez, não boto tá? A senhora é policial civil? Também sou polícia, e aí? Folgada do caralho!”. Eis o mito do futuro: Com explosão ofensiva apurada e fisiculturista.
E assim podemos ter nosso presidente em 2046, enfrentando os males do país na base da porrada, e uma essencial dose de valentia à base de suplemento alimentar, anabolizante, e muita academia. Com inovações! Ao invés do desfile em Rolls Royce, a apresentação ao povo será num ringue de luta livre. Neste ringue, puxado por burros e jumentos, o presidente eleito levará à lona toda a praga de comunistas, fracotes, ex-ministros do Supremo senis, e outros desafetos. Ao redor, uma horda ensandecida.
FONTE:
IMAGEM: Depositphotos.
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