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MOMAGING: MULHERES QUE MANDAM PRECISAM VIRAR MÃES



Essa pergunta é diretamente para as mulheres: você tem medo de mandar? Mais ainda, quando ocupa um cargo de liderança ou gerenciamento, você pensa o tempo todo como mandar nas pessoas e não ser mal vista? Quando se é culturalmente combinado, em termos de gênero, quem manda e quem obedece, quando as posições se invertem, conseguimos, como sociedade dar conta de ver o inesperado? Todos esses questionamentos me ajudam a iniciar essa conversa sobre mulheres que mandam como mais um obstáculo na jornada limitante de atuação da sujeita nos espaços públicos e, especialmente, nos de poder. 


A incompatibilidade entre o gênero feminino e a posição de comando é alimentada pela prática discursiva que é entregue desde a infância sobre o comportamento, atitude e temperamento indicativos da “verdadeira feminilidade”. Como Zanello (2020) aponta em sua pesquisa sobre gênero:


“ ‘doçura, feminilidade, propensão natural à dedicação e ao sacrifício, debilidade, necessidade de proteção e de autotutela’ (p. 14) foram características associadas culturalmente às mulheres pela identificação destas ao corpo e capacidade de procriação. A subordinação das  mulheres passaria assim mediante sua identificação total entre corpo (capacidade de procriar) e função social (maternar)” (p. 146)

De fato, outra pesquisadora, a Silvia Federici aponta no seu livro “O Ponto Zero da Revolução” como


“os trabalhos executados por mulheres são meras extensões da condição de donas de casa em todas as suas facetas. Não apenas nos tornamos enfermeiras, empregadas domésticas, professoras, secretárias — todas as funções para as quais fomos treinadas dentro de casa —, mas estamos no mesmo tipo de relação que dificulta a nossa luta dentro de casa: isolamento, o fato de que a vida de outras pessoas depende de nós, a impossibilidade de enxergar onde começa o nosso trabalho e onde ele termina, onde nosso trabalho termina e onde começam nossos desejos”. (pg. 50)

Com isso, acontece o que foi constatado no relatório Women in the Workplace, da McKinsey junto com a LeanIn.org, que revela uma grande rotatividade de mulheres em cargos de liderança. O estudo aponta que para cada mulher que chega a um cargo de diretoria, duas líderes optam por deixar as empresas que trabalham por conta, principalmente, de micro-agressões, falta de reconhecimento, apoio e suporte psicológico. O mais espantoso é que outras pesquisas explicitam que as mulheres líderes são capazes de influenciar no crescimento de até 20% dos lucros e de 54% da criatividade e da inovação dos negócios. 


Imagine você estar à frente de uma empresa e diariamente tomar decisões sérias e importantes que podem mudar o rumo do negócio do dia para noite, porém, como você se apresenta como mulher, o que é dito sobre a sua feminilidade não compete com as falas objetivas, diretas e secas de um ambiente corporativo. E aí, quem está debaixo da sua liderança, por força dos estereótipos, vê sua objetividade como grosseria, seus comandos diretos como arrogância e sua correção necessária como desrespeito. Mesmo que as capacidades dessa mulher sejam excelentes para o cargo que ocupa, como ela não assume a docilidade e a amabilidade associadas ao feminino, ela se transforma na chefe megera, na boss bitch. 


Com medo desse título infame, o que tem acontecido com as mulheres é se refugiar no único espaço em que lhe é dado autoridade e respeito: a maternidade. Com isso, as premissas que levam a mulher do espaço público para o privado, agora fazem o trajeto contrário, onde as performances domésticas precisam aparecer no ambiente corporativo e a mulher necessita adotar um comportamento materno com seus funcionários, a chefe-mãe. No inglês, essa ideia recebeu o nome de momaging que significa algo como “a mãe que gerencia”. 


O site Think Eva, uma ONG que possui como um de seus programas principais o Laboratório Think Olga voltado a debater as desigualdades de gênero, mapear possíveis soluções, conscientizar pessoas e encorajá-las a serem parte da mudança, apresentou esse fenômeno do momaging como algo que tem se tornado bastante comum entre as lideranças femininas pelo fato delas se dedicarem ao bem-estar de seus liderados, tornando-se uma figura que os materna. O instagram da instituição perguntou às suas seguidoras se elas percebiam no ambiente de trabalho uma expectativa de que, além de chefes, elas agissem como mãe dos seus colaboradores. O resultado revelou que 82% das respondentes acreditam já ter percebido esse fenômeno.


A gerente-mãe, minha livre tradução abrasileirada do termo, se comportaria com todas as premissas estereotipadas sobre a ideia de maternidade como, uma aparência leve, uma voz mais doce, um comando cheio de tatos, e uma inclinação pela compreensão da necessidade alheia, alimentada por uma amorosidade infinita, se dispondo a tolerar funcionários desleixados, irresponsáveis ou arrogantes. A mulher chefe momaging jamais irá se impor, dar limites em um tom mais alto ou indicar o que precisa ser feito objetivamente. Para que a empresa funcione, ela pisa em ovos e evita conflitos pois, mais do que mandar, seu papel primordial é cuidar, ser uma protetora do ambiente corporativo harmonioso. 


Voltando ao livro da Federici, ela esclarece como o ambiente de trabalho tem uma premissa diferente para as mulheres, onde somos convocadas a participar deste espaço com a mesma aura do lugar doméstico. Ela questiona:


“Levar um café para o seu chefe e conversar sobre os problemas conjugais dele faz parte do trabalho de secretária ou é um favor pessoal? O fato de termos que nos preocupar com a nossa aparência no trabalho é uma condição laboral ou um resultado da vaidade feminina? (Até há pouco tempo, nos Estados Unidos, as comissárias de bordo eram pesadas periodicamente e viviam fazendo regime — uma tortura que todas as mulheres conhecem — por medo de serem demitidas)”.

Se essa condição se configura para qualquer mínima funcionária, nos altos cargos de liderança, as mulheres não conseguem ser isentas dessa interpolação entre público e privado, profissional e doméstico, com grande apelação para posturas “maternas” mesmo que a sujeita nem seja mãe. Concluindo, ainda que as mulheres estejam alcançando grandes conquistas no que condiz a carreira profissional dentro do sistema capitalista, à sua conduta é demandada que o feminino ganhe, senão, não haverá possibilidade real dela ser ouvida, respeitada e considerada.  


FONTE:




FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Editora Elefante, 2019.



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Não conhecia a expressão e pelo que vejo e acompanho, concordo com seu texto.

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Karla,uma vez vi uma pesquisa que indicava que mulheres preferem ser chefiadas por homens que outras mulheres,já tem tempo,e achei isso interessante,não me recordo dos motivos. O que falei não tem nada a ver com o texto,verdade,mas me pareceu que uma gerente mãe é coisa de sociedade mimada. Daí,me pareceu que para ambos os gêneros,uma líder precisa ser mais prestativa e carinhosa.

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