Numa instigante discussão, com um grupo de leitores afiados, sobre o livro "Ela Seria o Rei", de Wayétu Moore, que narra a fundação da Libéria através de uma mescla de história e realismo mágico, começamos a tratar das mitologias dos povos presentes na narrativa. No processo, comecei a refletir sobre esse palavrão: MITOLOGIA.
E o que é isso? Esse termo, tão frequentemente usado, refere-se ao conjunto de mitos, narrativas e crenças que uma sociedade desenvolve ao longo do tempo para explicar os aspectos fundamentais do mundo, da natureza, da origem da humanidade, do divino e do sobrenatural.
Os mitos podem abordar uma vasta gama de temas, desde a criação do universo até as aventuras de divindades e heróis, explicando fenômenos naturais, costumes e tradições, e oferecendo orientações morais e éticas. Eles desempenham um papel crucial na formação da identidade cultural e na transmissão de conhecimentos de geração em geração.
No entanto, percebo uma tendência curiosa: quando falamos de mitologia, muitas vezes nos referimos às crenças e tradições dos outros, das culturas minoritárias. Mas e nós, também não temos nossa própria mitologia? Nossas crenças dominantes são aceitas como verdades absolutas, enquanto as dos outros são vistas como folclore ou superstição, evidenciando dinâmicas de poder e hegemonia cultural.
Por exemplo, o cristianismo, tão enraizado em nossa cultura, é frequentemente aceito acriticamente como verdade histórica, ignorando sua própria natureza mitológica. As narrativas religiosas cristãs contêm elementos que poderiam ser interpretados como míticos, como a criação do universo por um ser divino onipotente, mas são tratadas como inquestionáveis, enquanto outras crenças são desconsideradas. Aliás, quase nunca, mesmo entre os estudiosos das humanidades, se usa a palavra “mitologia” para se referir ao cristianismo.
É essencial questionar nossas próprias crenças e as hierarquias que perpetuam noções preconcebidas de verdade e mitologia. Devemos reconhecer a diversidade e complexidade das práticas religiosas ao redor do mundo, apreciando a riqueza cultural e espiritual das diferentes tradições, sem cair na armadilha da condescendência ou da romantização, e, sobretudo, sem promover o ódio em relação às crenças diferentes das nossas.
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Fonte: Fonte: Google Imagens
Essa divisão entre o ser e o outro pra mim é muito palpável quando vou em museus. Acho tão estranho olhar pinturas de pessoas dos povos originários em suas roupas como se fosse um símbolo de beleza exótica a ser observada. Onde estão as pinturas de homens engravatados? Elas não existem porque seriam um "normal", sem necessidade de ser representado e pendurado na casa de uma viúva rica do Leblon....