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Memórias secretas do pânico


* Por Fabíola Cunha


Trecho do diário mantido durante meu tratamento para Transtorno do Pânico entre 2014 e 2016


Tenho percebido dois medos em mim. Um é óbvio: ainda tenho medo de ter uma crise de pânico. Entrar na Emergência do hospital em cadeira de rodas, médicos, enfermeiros, eletrocardiogramas, doppler, horas sendo monitorada na sala de observação esperando morrer.


O outro medo vem de reflexões mais filosóficas, de algo que venho percebendo em mim. Tenho medo de estar me perdendo: psicotrópicos apaziguarem todo o meu caos e junto ir embora quem eu sou. Não sei até onde meu comportamento é a doença, eu mesma ou os remédios. Quem dos três responde por mim?


Começo a buscar esse universo que eu era antes de começar o tratamento, antes de o mundo desabar. Minha cosmogonia.


Fui ouvir Nude do Radiohead. Lembrei de quando morava na casa da minha mãe e o Nude era a minha Ave Maria. Às 18 horas colocava essa música no computador que ficava na saleta e era capturada pela essência mágica da hora. Ia até a janela do quintal e assistia o Sol se escondendo atrás da antiga fábrica de cimento perto do Mar. O cenário era de uma poética apocalíptica.


A sombra dos telhados e a estética dos quintais do Subúrbio me fascinavam. Sentia mais do que via. Os varais sendo esvaziados pela tarde e aquelas mangueiras com as raízes se tocando por debaixo da terra.


Eu consigo visualizar esse momento como se olhasse um recorte de jornal. Deixo escapar a totalidade dos sentimentos. Não capturo todas as sensações como antes, elas são apenas esboços. Algo que pode ser, mas termina no rascunho. Um espirro que morre no início. Ouço a música, lembro da casa, da vista, vou me preenchendo e logo me esvazio antes de ficar completa.


E se as drogas que o psiquiatra receitou estiverem me adormecendo?


Alguém me disse que a quimioterapia também acaba por matar células saudáveis e que estão testando um meio para que o tratamento atinja apenas as células cancerosas. E se para matar minha ansiedade generalizada, os medicamentos estejam matando tudo junto? Tudo o que me faz ser quem sou?


Agora estou ouvindo Alabama Shakes. A música me levanta do estado letárgico. Estou mais amadurecida e tento manter o espanto pela beleza das coisas. Bordoadas me fizeram descomplicar certos aspectos da vida.


Um pouco de resiliência recém adquirida gerou um estado de trégua. Não a paz, uma trégua.


* Escritora, professora, historiadora, redatora freelancer. Instagram: @fabiolac.cunha


Link da imagem: pixabay

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