Maradona,política e arte:Donde estás el fútbol,Dieguito?
- Carlos Henrique Cardoso
- 27 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
O futebol é de longe o esporte que mais arrecada no mundo. Só no Brasil, foram 53 bilhões em 2019. Os times mais ricos da Europa somam juntos centenas de bilhões em receitas. Não há país que não tenha uma seleção formada, por pior que seja sua qualidade técnica. Uma modalidade tão vistosa assim, promove paixões profundas e momentos mágicos. Óbvio que gerados por verdadeiros magos da bola. Um deles, partiu no último dia 25 de novembro do corrente ano: o argentino Don Diego Armando Maradona.
Me refiro ao futebol, mas o que jogadores como ele fizeram em campo não diz respeito a este desporto. Maradona, assim como Pelé e Garrincha, eram artistas. Suas jogadas eram pinturas. Eles faziam arte. Você pode odiar futebol, no entanto, ignorar os lances incríveis que esses caras criaram é impossível. Eles estão para além do esporte, estão muito acima da média. No caso de Don Diego então...
Ele já era uma estrela de seu país, mas se tornou uma lenda após a Copa do Mundo de 1986, realizada no México, quando ganhou a competição quase sozinho. Em uma partida memorável contra a Inglaterra – memorável tanto no simbolismo do adversário (a redenção após uma guerra entre os dois países em 1982) quanto nos gols daquele jogo: um de mão (o gol irregular mais comemorado da história) e outro que atesta que, para jogadores como ele, a pelota vira pincel, transformando um confronto esportivo numa revanche nacional.
Foi atuar em um time considerado mediano na Itália, o Napoli. Lá, provou seu quilate engradecendo o time e conquistando títulos inéditos. A cidade o reverenciou tanto, que na Copa do Mundo da Itália, 1990, os napolitanos confundiram sentimentos durante a semifinal entre Argentina contra a seleção anfitriã. Provocador, teria dito: “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio país e, hoje, têm de fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou napolitano os 365 dias do ano”. Nápoles fica numa região menos desenvolvida da Itália e sofria discriminações de localidades mais ricas. Maradona conseguiu desvendar esse fator social para o mundo. “Diego nos corações, Itália nas canções”, diziam as faixas no estádio. A Argentina eliminou a Itália nos pênaltis e foi à final. O gol decisivo foi de quem? Muitas vezes carregou a seleção nas costas, assumia o comando da equipe, ele era o iluminado. Outros craques argentinos não conseguem esse feito hoje...
Seus problemas com as drogas apareceram no início dos anos 1990, o que fez com que sua carreira ficasse irregular a partir de então. Mas a áurea mitológica já estava consolidada. Maradona é mais que um ídolo, é uma ideia, quase um sentimento para os argentinos – povo passional e vibrante, como ele.
Sua vida agitada era maior que os cuidados com a saúde. Era intenso e desmedido, gostava de festas, da agitação dos estádios, de estar presente junto ao povo. Tinha postura política. Era fã de Fidel Castro e tinha Che Guevara como herói. Resolveu tratar sua dependência química em Cuba. Menino pobre da periferia de Buenos Aires, aliou-se ideologicamente à governantes revolucionários que, mesmo questionáveis, junto com eles se tornou uma figura típica da América Latina, demonstrando ter consciência de classe. Desafiou a FIFA aliando-se a outros jogadores dencunciando corrupção por parte da entidade. Com isso, demonstrava que artistas da bola como ele não deveriam permanecer alienados.
O corpo não resistiu aos anos de excesso. Morreu aos 60 anos, uma idade ainda precoce para a estimativa de vida dos dias atuais, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Antes de se tornar de vez uma lenda eterna já era louvado na Igreja Maradoniana, fundada em 1998. Tal identificação com um ícone poder tornar-se celebração religiosa é algo fenomenal. Além de sua terra natal, o culto possui seguidores na Espanha, México, e Itália.
Na trajetória de sua vida, difícil cobrar a ele qualquer tipo de ponderação. Um artista magistral dos gramados, tinha um carisma de outro mundo e uma reverencia desmedida a uma pessoa pode o levar a caminhos de excesso. Seu falecimento provou que não era um homem totalmente liberto. Como cantou Mano Chao* em homenagem ao craque, ficou seu espírito autêntico e contestador: “Se eu fosse Maradona, viveria como ele. Se eu fosse Maradona, frente a qualquer objetivo, nunca me equivocaria. Se eu fosse Maradona, perdido em qualquer lugar”.
*“La Vida Tombola”
FONTE:
Imagem: Jornal O Globo.
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