Aconteceu durante um evento em São Paulo. Lula defendeu, mais ou menos, a legalização do aborto. Polêmica, polêmica! Saiu da boca do líder das pesquisas, óbvio que vai rolar celeuma. Muito se falou do absurdo na defesa de tal pauta nesse momento, afastando conservadores, evangélicos e demais segmentos que estariam inclinados a digitar o 13 na urna eletrônica, ainda que sem convicção, pois importa mais o afastamento do presidente atual e blablabla... Também torna-se arma de contrataque justamente daqueles evangélicos, reacionários e outros que tem verdadeiro asco pela figura do petista. E aí? Discussão fora de hora?
Talvez. Porém, vale ressaltar o contexto da fala. O candidato se referia às dificuldades que mulheres das classes mais baixas enfrentam para realizar uma interrupção da gestação, enquanto riquinhas podem até realizar o procedimento fora do país. Ou seja, isso é uma realidade, independente desse ou daquele expressar. O G1 especificou que em 2020 mais de 80 mil mulheres foram atendidas pelo SUS justamente por abortos malsucedidos. Segundo OMS, 73 milhões de abortos induzidos são realizados no mundo. E então? Devemos deixar o problema embaixo do tapete por cálculo eleitoral? O problema tá no Lulinha?
O ex-presidente se referia a um público que pertence ao lastro social que é potencialmente seu eleitor. Deu exemplos de mulheres que utilizam métodos domésticos para encerrar uma gravidez mal planejada, que pode ocorrer por N motivos: incapacidade em criar mais um filho, ignorância, desconhecimento, pobreza contraceptiva... e vários outros fatores que tornam a vida dessas mulheres um tormento total em conseguir sobreviver, sem condições de dar sobrevivência a outrem. Termina por ser uma discussão das mazelas sociais sofridas por cidadãs sem renda do que uma discussão séria sobre o aborto em si.
“Mas agora não é hora, pepepê, caixa de fósforo...”. Vai ter hora pra falar de nossas mulheres mal assistidas? Quando? Quando tiverem creches pra suas crianças? Quando o tráfico não incluir seus filhos? Quando puderem comprar absorventes? Quando estiverem independentes de um homem controlador? Digam a hora que eu vou marcar aqui...
E ele ainda completou depois “sou contra o aborto, como cidadão”. Como cidadão! Presidente não é cidadão, não tem opinião! Presidente é gestor, administra e segue leis. Opinião dele é seguir medidas legais e propor o que é melhor para seu povo. Parece clichê, mas é isso aí mesmo. Posso ser pessoalmente contra uma coisa, e posso defendê-la em nome de um bem-estar social maior.
Mas a insistência persiste. “Depois de eleito ele programa, fala, diz...”. Ou seja, devemos ficar sempre com o pé atrás, pois a agenda ultraconservadora avança e devemos sentar e ficar assistindo essa evolução moral na platéia. Enquanto isso, a onda liberal, o mercado, a privatização de não sei o que, são sempre listados, sem profundidade, sem metodologia, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada... Enquanto esse papo bonito toma corpo, corpos femininos são explorados, abusados, assediados, e ainda precisam decidir, na entoca, se prosseguem com suas vidas e ainda carregando outras. Mas sobre isso, boca de siri!
Outras falas foram desnecessárias. Lula falou em “mapeamento” de residências de parlamentares para cobrança pública, ou algo do tipo, inócuo em termos de pressão popular e apelativo como sugestão. Ou a retirada de milhares de militares de cargos comissionados caso assuma em janeiro. Isso seria praxe, não precisaria falar. Passa por uma provocação danada em quem já está “por aqui” com o provável sucesso eleitoral do fundador do PT.
Houve críticas contra a fala sobre o aborto? Ululante que sim. Vindos de deputados da frente evangélica e - tchan, tchan,tchan,tchan!!!! – do filho do atual presidente, conhecido como “03”, o mesmo que debochou da tortura da jornalista Mirian Leitão (Mirian teria sido colocada numa sala sozinha com uma cobra, nos tempos da ditadura, e o filho-deputado zombou dela, afirmando ter pena dessa cobra). Não demonstrou empatia por uma vida humana e reclama que Lula prega a extinção de várias...
Passou mais batido ainda a carta do candidato a vice do atual presidente, que publicou uma carta no dia 31 de março comemorando o golpe militar e afirmando que este golpe teria gerado “fortalecimento da democracia” e que teria afastado o “perigo comunista”. Esse papo aí rendeu nos últimos anos e pode ser falado, à vontade! Que beleza! Interromper essas asneiras, ninguém quer.
Quem mais vai falar sobre aborto? Alguém da terceira via? Alguém?
FONTE:
IMAGEM: Agência Brasil
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