* Por Iuçara Cilea Souza
Esta semana, buscando aprofundar princípios budistas, surgiu a temática – mais que necessária – acerca do profundo abismo que assolou a sociedade, impossibilitando a discussão de ideias, a divergência, a discordância pacífica, enfim, a elevação do conhecimento através do diálogo.
É possível sustentar que não mais nos comunicamos, mas sim, nos confrontamos.
Confronto. É o Latim CONFRONTARI, “ficar face a face com”, de COM-, “junto”, mais FRONS, “face, testa”¹.
Podemos imaginar duas pessoas, frente a frente – testa a testa – cada um defendendo o que está à sua frente, ou seja, o que enxerga, como enxerga, dentro dos seus limites, de seu costumeiro sistema de pensamento.
Se observarmos a etimologia de FRONTEIRA², deriva do antigo latim para indicar parte do território situada em frente.
É o que interpretamos, por vezes, instintivamente. É um debate de “visões”. É o defender sua fronteira de ideias, pensamentos, conhecimentos... Lembrando que a fronteira delimita, limita, o território.
No diálogo, mais uma vez etimologicamente, “provém do vocábulo grego diálogos por intermédio do vocábulo latino dialogu-. A palavra original grega foi formada pelo elemento dia-, que significa «por intermédio de», e por logos, que significa «palavra». No conjunto, a palavra grega diálogos significa «conversa» e «conversação».' Aqui é possível, “por intermédio” da palavra, analisar seus conceitos e CONVERSAR...
Não é debater, não é defender-se, apenas nos conectar “através” das palavras.
Analisar as diferenças de tais posturas é um convite a baixar as armas, retirar o exército da autodefesa das fronteiras, e convidar o outro, o diferente, o divergente, o diverso para outro território. Não é preciso vencer a “batalha”, apenas expor e apreciar.
Não é preciso se sobrepor, conhecer o outro e se deixar conhecer pelo outro. É deixar-se, efetivamente ouvir o outro sem, necessária e simultaneamente, elaborar um contraponto imediato para debater. É apreciar, é digerir, considerar. Após, consequentemente, deixar-se apreciar, digerir, ser considerado.
Para mudar é preciso se dispor! E na sua fronteira, cada um dentro dos seus limites, ninguém poderá conhecer o território do outro. Para adentrar o território do outro é conveniente ser convidado, posto que não temos boas experiências históricas com a “conquista de territórios”.
Explorar novos territórios com um guia nativo permitirá conhecer as nuances mais despercebidas daquele novo horizonte que efetivamente fará com que o visitante sinta que é uma experiência a ampliar suas perspectivas... E aí a mágica acontece: fronteiras são derrubadas e territórios são expandidos com excelentes possibilidades da tão sonhada convivência pacífica na diversidade humana.
E, frise-se, em que pese toda essa exposição, a ideia aqui não é “passar pano” para o intolerável. Como diria Emicida “não há diálogo com racista”. Sim, não há! Não tem como “apreciar” esse território beligerante que prega a eliminação do outro. No entanto, também não é possível replicar este mesmo comportamento exclusivo, eliminatório. O outro existe, é um fato. Mas, acredite, há como mudar! Em especial quando se trata da pura ausência de experiência em outros territórios (sim, me refiro aos viventes em suas bolhas). E é diante disso que a palavra se afigura como uma eficiente arma. Uma arma insistente, contundente, interminável e determinada, a fim de promover profundos reflexos no outro.
Será que conseguimos vislumbrar num novo horizonte nas relações humanas com a incansável disposição para eliminar confrontos através do diálogo? Se ainda não for possível conjecturar, convido-o (a) a um novo sistema de pensamento que, em seu fundamento mais basilar, prega o funcionamento do universo por meio da Lei de Causa e Efeito. Tudo é causa e efeito. Não existe efeito sem causa e vice-versa.
Assim, convidar o outro para um novo universo, só o ato, já traz em si o efeito desejado: pode não ser “aqui”, pode não ser “agora”, mas o efeito já está plantado. E é necessário ao menos plantar! Sim, é importante nessa guerra enorme estabelecida aí fora da ojeriza ao diferente “fazer a nossa parte”. Parece lugar comum, mas, pasmem senhores, para os curiosos dos profundos, sábios e (talvez) místicos princípios budistas, a ação é fundamental. Fica a dica. A ação bem direcionada. Sim, a intenção é onde tudo começa. Faço aqui a minha parte de despertá-lo à intenção. A 2ª parte fica com você.
Podemos começar a transformar esse território inexplorado da harmonia na diversidade?
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* Iuçara Cilea Souza é advogada. Membro da Comissão da Advocacia Negra da OAB Bahia. E Membro da Comissão de Direito do Consumidor OAB Bahia
Obrigada pelo texto! Amei como você conectou o significado das palavras ao nosso comportamento!
Texto muito bom! Gostei muito! Inclusive é uma proposta realmente inadiável para nosso futuro, especialmente que esse fenômeno da não-escuta, da negação da diversidade, sempre esteve latente em nosso meio e cresceu muito nos últimos anos. A reflexão que me fica é que trata-se de uma nova abordagem. Conversando com a Michele Prado uma vez, ela mencionou isso (dentro do tema de estudo dela que é 'extrema-direita, alt-right e extremismo online') e enfatizou a necessidade de que esse caminho que você tratou é um meio muito eficaz de desarmar as pessoas que estão envoltas em teorias conspiratórias e realidades paralelas, isto é, se aproximando, compreendendo o mundo delas e aos poucos inserindo outros dados da realidade concreta, que pode transformar…
Um texto para refletir sobre a ação baseada na sabedoria,porém,ainda estamos socialmente distantes de tal vigência do