top of page
Foto do escritorJacqueline Gama

GAY E BOLSONARISTA



A saída do armário, de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, no programa de Pedro Bial, suscitou um questionamento muito grande nas redes sociais sobre sua posição política, a qual impactará nas tão aguardadas eleições de 2022: é possível ser gay e bolsonarista? O governador que será pré-candidato à presidência, pelo PSDB, conversou com Pedro Bial e afirmou “sou um governador gay e não um gay governador, tal qual, Barack Obama era um presidente negro e não um negro presidente”, a frase tomou os maiores jornais do país nesse dois de julho. Será que é possível ser gay e conservador? Quem Eduardo Leite cooptará como eleitorado a partir da afirmação de sua sexualidade?


É sabido que Bolsonaro tem total aversão a comunidade LGBTQIA+, inclusive muitos escândalos envolveram a proibição dos estudos de gênero nas escolas – que nada tem a ver com ensinar a ser gay-, além de afirmações como: preferia um filho ladrão a gay – e isso já sabemos que ele possui. Contraditoriamente, existem um grupo de eleitores em favor do presidente que são LGBTQIA+ e o apoiaram na eleição de 2018, alguns continuam o apoiando.


As políticas indentitárias, dentre elas, a sexual e a de gênero, nas últimas décadas vem ganhando um espaço enorme para decisões políticas, porém o caso Eduardo Leite e a revelação de que muitos apoiadores de Bolsonaro são LGBTQIA+ chocam ao mesmo tempo em que nos coloca em um ponto de colisão: é possível ser LGBTQIA+ e não apoiar a comunidade LGBTQIA+, porque está valendo mais o projeto de governo conservador do que a proteção a vida de minorias.


Primeiramente esses apoiadores usam argumentos como “somos todos iguais, não há minorias”, “se há violência para um, há para todos”, os gays dentro de um padrão heteronormativo ainda podem dizer “não sou bicha, se sofreu violência é porque estava querendo se aparecer” *, outro argumento é o ser a favor de armas e das próprias políticas neoliberais.


Fazer parte da sigla LBTQIA+ não imuniza ninguém de ter uma mente conservadora. Recordo aqui também a candidatura de Thammy Miranda, homem trans, que foi eleito em 2020 vereador pelo Partido Liberal (PL). Na época, a escolha partidária do filho de Gretchen foi super comentada, afinal, esse não é um partido que acolhe a pauta LGBTQIA+ , aqui chegamos no X da questão.


Muitos LGBTQIA+ não querem serem vistos apenas pela sua sexualidade e/ou gênero, afinal fazer parte da sigla, não significa ter opiniões em favor da sigla. Daí a importância de entender o que é Interseccionalidade. O conceito explorado por Patricia Hill Collins e Sirma Bilge nos E.U.A e por Carla Akotirene aqui no Brasil, analisa a sociedade com base em raça, gênero, sexualidade e classe econômica, a questão não é hierarquizar essas posições, mas sim entender que os indivíduos estão atravessadas por elas.


Se um homem for gay, branco, rico e seguir uma heteronormatividade, com certeza será mais aceito na sociedade do que uma bicha preta de periferia, então, em teoria, o primeiro precisará muito menos de políticas públicas do que o segundo, daí se justifica um pouco a inclinação desse a direita conservadora. Porém, você me pergunta: mas, se essa pessoa for pobre, preta, gay e conservadora? Leva para um consultório de psicanálise, porque realmente não sei que resposta social teria, talvez ela se sentisse menos ameaçada se portasse uma arma ou isso fizesse parte de alguma armadilha de alto sabotagem.


No caso de Eduardo Leite é nítido que ele faz parte do primeiro grupo, seguindo o exemplo anterior. O seu discurso, sou um governador gay, ainda que corajoso, porque ser LGBTQIA+ no Brasil implica em sofrer diversos tipos violência, mesmo que essa seja mais dura para alguns grupos e indivíduos em detrimento de outros -olha a importância da Interseccionalidade-, implica também em um cooptação de eleitorado.


Leite quer com essa afirmação atrair os eleitores que apesar de simpatizar com políticas neoliberais e conservadoras, se preocupa com as pautas identitárias, ou seja, pessoas mais de centro, centro direita e até de direita, além de ganhar simpatia do lado da esquerda. A estratégia deu certo, muitas pessoas públicas, em especial políticos, praticamente de todas as frentes, elogiaram a atitude de Leite.


Mas do que adianta se assumir LBTQIA+ no país que mais mata transexuais e um dos que mais violentam e matam homossexuais, se essas vidas não serão protegidas pelo Governo? Falei de Bolsonaro que sempre demostrou aversão a homossexuais e apoia a ditadura militar brasileira (que matou muitas pessoas LGBTQIA+), mas não posso deixar de citar a bancada evangélica, que compactua com o Governo federal, essa é uma das que mais suscita o discurso de ódio contra a comunidade LGBTQIA+, inclusive o slogan do presidente não mente sobre o pacto: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.” Fazer alianças com o Governo Federal é também estar com seus demais apoiadores.


Que tipo de Deus é esse que o Governo Federal defende? O Deus do ódio. Apoiar esse Governo é compactuar com o ódio. Fazer apologia a Deus em um Estado laico deveria ser configurado no mínimo como contravenção, porém isso é um tema para outro texto. A reflexão que pretendo aqui é: até que ponto vale a pena colocar a própria vida em risco em prol de um neoliberalismo e um neoconservadorismo, religioso e político, que pretende a violência contra corpos dissidentes?


Até que ponto vale a pena seguir um padrão normativo ou, só poder sair do armário se você colocar algumas de suas características como sexualidade em segundo plano? Esse é o caso de Leite, o fato de ser gay é só mais um fator sobre ele, como o ter olhos verdes. Para o governador isso não é pauta colocada em questão. Ser gay não altera o seu desempenho de governo e, muito menos, interfere em suas decisões.


A postura de Eduardo Leite e de alguns políticos LGBTQIA+ é a do tipo, sou gay, mas isso só interessa a minha vida privada, não estou nem aí para as necessidades da coletividade. Sou gay, mas antes de tudo sou um governador e é isso que importa. Esse posicionamento implica em minimizar as necessidades dos grupos LGBTQIA+ na nossa sociedade e o fator violência. Ao mesmo tempo em que dribla a junção pública e privada que o Brasil sempre viveu, desde que se tornou república e se instaurou o voto, o que é interessante para algumas pessoas que podem dizer: "apesar de não concordar com a sexualidade dele, pelo menos ele não usa isso como comitê político".


Primeiro que ninguém tem o direito de concordar ou discordar de sexualidade alguma, depois que será que não usar isso como pauta não é também estar negando a política para alguns grupos que mais precisam delas?! Nesse caso o não usar da esfera individual seria também negar a esfera pública. Grupos minoritários fazem parte da sociedade, existem, sofrem violências, são pleiteados e precisam ser assistidos pelo Estado em suas mais diversas necessidade como no campo da saúde, da educação e do trabalho.


Realmente, se Eduardo Leite estivesse preocupado com as políticas identitárias não estaria abrindo só agora a sua sexualidade, apesar de essa não ser completamente desconhecida do eleitorado e, principalmente, dos colegas políticos. Li em algumas canais jornalísticos que Leite está tentando se desvincular de sua ligação com Bolsonaro, o que é no mínimo plausível pensando que suas políticas de enfrentamento a pandemia diferiram em certa medida com o negacionismo do Governo Federal, já que a política genocida do presidente a nega o básico, como o uso de mascaras e o distanciamento social. Além disso, o presidente desde que assumiu a cadeira tem sido citado em incontáveis escândalos de corrupção, envolvendo o próprio nome e o da família, alguns deles tem haver com as politicas de enfretamento a pandemia e a relação da família Bolsonaro com milícias no Rio de Janeiro.


Eduardo Leite pode vir a ser um dos políticos de terceira via, ao mesmo tempo em que pode colocar novamente no jogo presidenciável o PSDB, partido neoliberal, de direita, que apareceu como nanico nas eleições passadas, esse teve seu grande momento na década de 1990, com Fernando Henrique Cardoso na presidência. Também, a figura de Eduardo Leite interessa a mídia, uma vez que compactua com políticas econômicas neoliberais, mas consegue atrair simpatizantes de políticas identitárias, ainda que ele não tenha feito nada concreto para a causa LGBTQIA+, mas só o fato de se declarar gay publicamente acaba implicando que ele não atacará gays ou as pessoas LGBTQIA+ (será?). O futuro de Eduardo Leite só saberemos em 2022.


Quanto aos conservadores LGBTQIA+ só posso trazer uma reflexão: até que ponto vale arriscar a própria liberdade para um crescimento econômico inexistente? Até que ponto uma arma na mão de fato trará segurança se a educação no nosso país está impedida – ainda que indiretamente- de ensinar a respeitar quem você é, já que o Estado não deixa que essa educação exista? Até que ponto vale a pena apoiar um governo que não está nem aí para medidas publicas de saúde que atenda às suas necessidades básicas? Se ainda assim continuar apoiando esse governo, sugiro no mínimo que procure a psicanálise para entender o porquê disso, talvez, nem Freud explique.


*Sugiro a leitura do texto sobre orgulho LGBTQIA+ em que falei um pouco sobre as diferenças entre identidades dentro da sigla e um pouco do dia do orgulho LGBTQIA+: https://www.soteroprosa.com/single-post/2020/06/28/orgulho-lgbtqia.


Referências:


(Foto de capa) <https://www.esquerdadiario.com.br/IMG/arton30423.jpg>

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page