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ESCREVER? O BRASIL NÃO ESTÁ PREPARADO.





*Deise Natividade



É possível sentir nos corredores dos cursinhos e das escolas toda a preparação em volta do dia 05 e 12 de novembro devido ao ENEM 2023. E até quem não pensa em fazer a prova acaba por esperar pelas reportagens previsíveis que mostram estudantes correndo, antes que o portão se feche, e a verdadeira enxurrada de memes nas principais redes sociais. Sem falar em toda a expectativa para com o tema da redação. Mas, será mesmo que o Brasil está preparado para escrever? Penso que não.


A história do Brasil com a educação já começou por linhas tortas, visto que o interesse era catequizar os povos indígenas. Ainda, hoje, mesmo após muitas conquistas, quando o assunto é “a escrita”, as linhas ainda estão tortas, e isso é muito fácil de constatar: quantas aulas de produção de texto tem um aluno durante uma semana? Muitas vezes uma, no máximo duas aulas. E no que diz respeito ao novo ensino médio, a realidade é assustadora. Só mesmo um professor com verdadeiro compromisso com seu ofício que, além de lecionar conteúdos gramaticais e literários, solicita uma produção e faz uma correção comentada.


Há uma carga horária bem extensa para o ensino de gramática, o que não é um fator surpresa, pois o padrão normativo da língua foi delineado pela elite. Como, então, não ser imposto? Não defendo “Probrema” e a troca do “a gente” por “agente”, mas se existe minutos a mais na persistência em fixação de regras (que no dia a dia não são nada efetivas), em detrimento ao ensino de fato da linguagem, veremos uma medicina cada vez mais branca.


O estudo está errado, como já avisava a canção de Gabriel, O pensador. É ensinado estruturas de textos que funcionam como uma receita de bolo; porém não é compartilhado o prazer que é escrever assim. É muito comum os olhos mirarem na instrução que diz qual o mínimo de linhas. O Brasil não está pronto para escrever, porque não é um Brasil pronto para a leitura. Lê-se “Direitos humanos” e ainda há trabalho escravo. Lê-se “Respeita as minas” e a cada 24 horas, quatro mulheres são assassinadas. Lê-se “Não ao racismo” e ainda a carne mais barata do mercado é a carne negra. Existe um problema grave de leitura. Há um problema grave de escrita.


Claro que para toda regra há uma exceção. O mundo da leitura e da escrita não parou em Maria Firmina dos Reis, Machado de Assis, Clarice Lispector e Jorge Amado. Temos Sérgio Vaz, Jarid Arraes, Itamar Vieira Júnior e Conceição Evaristo. Mas, é preciso mais combatentes. Pessoas que lotem bibliotecas, pessoas que reabram as livrarias da cidade, pessoas que comprem literatura negra, nordestina e feminina. Pessoas...que escrevam. Pessoas que não tenham medo de resistir.


Esses dias ouvi a seguinte frase com um certo ar de desdém: “Você escreve por que se acha sábia?” a resposta meio desaforada estava quase que escorregando. No entanto, sorri e disse: “Não! Escrevo para continuar aprendendo”, afinal a cada dia, frente a frente com as palavras, aprende-se um mundo de possibilidades, perde-se o medo de uma folha em branco, mesmo que nela esteja escrita ENEM, permite-se em ser OUSADIA. Imagina só! Você em terras em que há falta de preparo para a leitura e escrita, ser um escritor (a)? Será que você vai se tornar um sucesso a ponto de se tornar um best seller? Obter nota 1.000 na prova mais esperada do ano? Aí já é enredo para outra crônica. Todavia, uma verdade é bem evidente: Quem escreve, escreve para se sentir vivo diante das múltiplas leituras que passa pelas retinas. Sente-se preparado (a) para resistir ?


*Deise Natividade. Professora de língua portuguesa e cronista. Instagram: @deisedamile




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Jorge A. Ribeiro
Jorge A. Ribeiro
Sep 07, 2023
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Reflexão muito pertinente, ainda mais hoje que boa parte dos alunos andam trocando os livros pelas telas. Ensinar o português, a literatura e a redação, é algo absolutamente essencial para a formação social, intelectual e profissional de todos nós, e por isso mesmo que é muito legal quando o professor consegue trazer isso para o mundo da vida, para que os alunos enxerguem os conteúdos em sua vida cotidiana.


Símbolo disso é Merlí Bergeron, professor de filosofia da série Merlí, que fazia isso com a filosofia na sua turma de ensino médio. Os tempos são outros, e a nossa metodologia, a forma de abordagem aos alunos também tem que se adaptar, em alguma medida, aos dias de hoje.

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