Este é o meu primeiro texto na Soteroprosa e é com muita seriedade e alegria que me somo a esse grupo que tem como um de seus principais objetivos contribuir para uma leitura crítica da realidade brasileira. Nesse sentido, minha primeira publicação é uma apresentação crítica acerca dos temas que priorizo, deixando claro aos nossos leitores e leitoras quais serão minhas intenções como comentarista.
A temática da educação, que é um dos temas fundamentais desta coluna, é abordada de maneira recorrente entre os estudiosos e em roda de conversa informal. Todos nós temos algo para dizer sobre a educação no Brasil e isso é muito positivo uma vez que não deve existir tema ou assunto reservado aos/às especialistas.
No entanto, é certo que precisamos qualificar nossas considerações, pois, a realidade educacional não pode ser reduzida com experiências individuais. Ao fazermos isso, limitamos a complexidade existente e, com muita frequência, expomos posições dualistas (certo e errado, pode e não pode ou lícito e ilícito), inibindo a análise da heterogeneidade presente.
Ao limitarmos nossas impressões sobre a educação a nossas opiniões, arriscamos simplificar o seu significado, suas determinações bem como os sujeitos que estão direta e indiretamente envolvidos no seu processo. É da leitura e do abandono de respostas rápidas e lacradoras que podemos abrir caminhos para a reflexão.
Longe de desejar dar respostas definitivas, o que seria um contrassenso, o propósito dessa coluna é o de oferecer argumentos, de modo que um processo consciente de conhecimento seja iniciado ou complementado. Alerto que minha compreensão sobre a complexidade da educação não significa a afirmação de que o pensamento é neutro ou relativo. Pelo contrário, entendo que todas as manifestações humanas têm partido diante da realidade e minha posição é crítica à democracia restrita às classes dominantes, à exploração do trabalho, às mais diversas formas de violência e desigualdade que os diferentes segmentos da classe trabalhadora, racializados e generificados, estão sujeitos cotidianamente.
Abordarei situações cotidianas registradas em nosso país, partindo do pressuposto de que todos têm o direito a uma educação de qualidade, diversa, laica e cientificamente orientada, pois, certamente, há muito que pensarmos juntos. Deixo como exemplo a complexidade existente na ascensão das escolas cívico-militares em todo o território nacional.
Há muita coisa em jogo neste modelo e que precisa ser desvelada, dentre elas, cito: i) a centralidade que os militares tiveram na história brasileira ao longo de todo o século XX, seja à frente de governos autoritários com apoio de empresas e civis, seja sua escalada por meio de processos eleitorais; ii) a adesão social que seus valores – por sua natureza, produzidos para a eliminação do inimigo – têm em amplos setores da população brasileira; iii) e o recente papel que os militares vem desempenhando na política nacional.
Esse assunto está na ordem do dia, tanto pelo avanço deste modelo para outros estados quanto pela divulgação do aumento de casos de violência presentes nos colégios cívico-militares, segundo o sindicato dos professores do Paraná[1]. No estado de Goiás, o governador Ronaldo Caiado trocou o comando de sete escolas militares, após apuração de tráfico de influência, pagamento de propina, superfaturamento na compra de matérias escolares e esquema para escolha de empresas que oferecem serviços de formatura[2].
Outro assunto extremamente relevante, no que diz respeito à educação, é o uso e, por que não, abuso, das tecnologias informacionais na educação. Tanto a aplicação das tecnologias precisa ser problematizada quanto as próprias tecnologias em si. Entendidas de forma corrente como a solução para diversos problemas sociais, o governo de São Paulo anunciou, em abril de 2024, que estava avaliando a utilização de inteligência artificial (IA) para a produção de conteúdo[3].
Aqui há questionamentos possíveis e necessários como: i) a precarização da qualidade dos materiais produzidos por IAs que não possuem a experiência e o aprendizado oriundo da sala de aula; ii) a precarização efetiva do trabalho docente, não pela sua substituição pela IA, mas pelo barateamento do valor de sua força de trabalho, uma vez que a introdução dessa tecnologia para a produção de conteúdo desvaloriza o conhecimento docente (conteúdo, experiência e metodologia), colocando-o em um lugar secundário; iii) e o fenômeno de plataformização do ensino que consome horas de trabalho docente associado ao cumprimento de metas.
Não poderia encerrar esse texto sem citar o recente caso do suicídio de um aluno de colégio tradicional paulistano. O estudante, negro, homossexual, periférico e bolsista, pelos relatos publicados na imprensa, há tempos vivia situações vexatórias e de constrangimentos públicos[4]. E esse não é um caso isolado, pois há notícias de que o suicídio tem crescido entre os jovens.
O ambiente escolar, por vezes, não tem sido um espaço acolhedor, isso porque posições pautadas em valores contrários aos princípios dos direitos humanos predominam nesses espaços, (re)produzindo a violência e a discriminação contida na sociedade brasileira que estruturalmente é racista, patriarcal e LGBTQIfóbica.
Essas agressões, discriminações e desigualdades impõem nosso posicionamento de maneira argumentativa, científica e coerente aos valores humanistas. A educação formal e informal são meios fundamentais para a transformação social e coletiva e, portanto, a formação antidiscriminatória, voltada para a diversidade e a inclusão, tende a ser significativa para os indivíduos que convivem dia a dia nos espaços escolares.
Por tudo o que já argumentei nesse texto, reforço meu compromisso em contribuir para o debate público e reflexivo, sempre almejando conhecer o mundo em que vivemos para assim, de maneira mediada, pensarmos coletivamente para onde estamos indo e para onde queremos ir. Como ilustra a imagem inicial, e de maneira simbólica, é da junção de nossos conhecimentos e nossas mãos que novas trajetórias e novos enredos são forjados.
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NOTAS
[1] https://appsindicato.org.br/casos-de-violencia-explodem-em-civico-militares-do-parana-militares-lavam-as-maos-ou-apoiam-agressoes/
[2] https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/caiado-troca-comandantes-de-7-colegios-militares-apos-denuncia
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