O papel de um cientista social não é fazer previsões, nem criar suposições de um futuro que não ocorrerá. É analisar diante de dados e fatos a composição de um cenário social e sugerir interpretações sob um olhar criterioso e distante de juízos de valor e moralidades. Porém, o espaço por mim utilizado aqui não limita um esforço hipotético. Sendo assim, assumo uma condição idealista que pode perfazer um questionamento comum a muitos leitores: e se Haddad tivesse vencido o pleito eleitoral de 2018? Como estaríamos hoje? Para alguns, seria lógico que “obviamente” estaríamos bem melhor em termos de governança. Mas a questão não seria a governabilidade? Vamos ao exercício desses dias de um futuro que não aconteceu.
Lembremos que o atual presidente quase levou no primeiro turno, não conseguiu por milímetros. No entanto, digamos que a virada ocorresse no segundo turno. Se o vencedor naquela ocasião já duvidava da confiabilidade das urnas, imagina derrotado. Lembremos que muitos que louvavam o “mito” e tiraram o corpo fora posteriormente, estariam com ele no maior alarido, não aceitando a derrota. Se em 2014 houve uma tremenda insatisfação com a derrota de Aécio, em 2018 a bronca soaria praticamente como uma guerra relâmpago. Por fim, o resultado não seria aceito e o caos estaria instalado.
O papo sobre o funcionamento das instituições estava em voga e não creio que elas suportassem tamanha pressão. O risco de golpe seria iminente, visto que o comandante do exército havia peitado o Supremo Tribunal Federal na decisão sobre o HC de Lula (Villas Boas), o ministro Dias Toffoli tinha um militar como assessor direto (o ex-ministro da Defesa Azevedo e Silva), e na investigação sobre os disparos irregulares de WhatsApp que teriam beneficiado o então candidato do PSL, a presidente do TSE Rosa Weber convocou a imprensa para concluir que não houve irregularidades nesses disparos... ao lado de um general (Sergio Etchegoyen). Um destacamento das Forças Armadas já estava presente no funcionamento de instituições de modo bem insinuante... Visto que o aparelhamento do atual governo por militares extrapola o razoável, a vitória de um petista naquela oportunidade transformaria a República num barril de pólvora. Donald Trump não aceitou bem a derrota e até incitou seus apoiadores a invadirem o Capitólio nos EUA para melar a homologação da vitória de Joe Biden. O episódio culminou com cinco mortos e demais feridos. Ao tomar conhecimento desse fato, o nosso chefe de Estado informou que em 2022, com a não-reeleição, “as coisas podem ser piores”. Em 2018 ele estava no auge da sua popularidade e não faltaria gente que o venera doidos pra uma confusão dessa. Posto isto, os rumos não indicariam uma posse de Haddad. Mas meu texto precisa continuar... Com toda balbúrdia pavorosa que poderíamos imaginar, “o PT” assume a presidência.
Após a vitória de Dilma em 2014, o Congresso derrubou um veto da presidenta poucas semanas depois do anúncio que a petista comandaria um segundo mandato. Esta Câmara dos Deputados agora eleita, com 54 deputados do PSL e uma forte bancada do boi, da bala, e da Bíblia, faria não uma oposição, mas uma hecatombe parlamentar contra o executivo. Haddad é conhecido por ser um político moderado e certamente seu jeito sereno não combinaria com uma adversidade tão histriônica e selvagem, com um derrotado capitão inflamando um rebanho (no sentido metafórico, calma) de inflamados, mais poderoso que nunca, insuflando a massa e seus correligionários contra qualquer ato oficial. Não teria Paulo Guedes, agenda liberal...
E a Lava Jato? Estaria plena e forte, determinada, Moro estaria gigante, concentrando Spectreman, Ultraman, Ultraseven, Jaspion, e todos os heróis japoneses no mesmo juiz (não sei por que mencionei apenas japoneses, foi aleatório...). Os diálogos divulgados pelo The Intercept – conhecidos como “Vaza Jato” – seriam um escândalo, mas não pelas ações reprováveis dos procuradores, e sim como uma suspeita de envolvimento do governo na contratação dos hackers. Estardalhaço garantido. Além do “Quem contratou Adélio”, teríamos o “Quem mandou vazar”. Crise certa.
Enfim, chega a pandemia. Haddad não é negacionista, nunca foi, e isso – aleluia – pode até ser reconhecido pelos detratores do Partido dos Trabalhadores. Porém, as ações de combate não significariam sucesso absoluto. Milhares de morte acontecidas, a pressão de uma parte significativa de bolsolavistas (Olavo continuaria a ser o beato supremo dessa gente) seria latente, uma horda de congressistas “mitais” diria que “caso nosso capitão estivesse no poder, não morreria tanta gente”, o intervencionismo do Estado a toda, índices econômicos negativos, reações enérgicas contra o lockdown... Resultado: atingindo um número “inaceitável” de 100 mil mortos, em algum momento, Haddad muito provavelmente seria deposto debaixo de uma pesada oposição e uma imensa pressão “popular”. Tudo baseado em um grande inconformismo com a vitória nas urnas. Adivinhem quem viria com toda força em 2022?
Toda essa explanação pode ter sido uma grande viagem via molho industrializado utilizado em sanduiches e saladas. Cabe ao leitor identificar o grau do devaneio.
Posicionamento de fala incrível.