top of page
Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

....E o Trem do Subúrbio saiu dos trilhos.

E o Trem do Subúrbio saiu dois trilhos. Definitivamente. A partir do próximo dia 15 de fevereiro sai de cena um dos sistemas de transporte mais antigos de Salvador. Há muito o Governo do Estado propagandeia a criação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), para substituir as locomotivas da ferrovia que liga a Calçada até o bairro de Paripe e implementar um novo modal, moderno, rápido e confortável, e estender as estações de transbordo até Ilha de São João, localizada no vizinho município de Simões Filho. Serão dois bilhões de reais investidos, ao longo de estimados 24 meses.


E assim se encerrará uma história que começa no longínquo século XIX, quando a linha Salvador – Alagoinhas perfazia a viagem partindo da Calçada. Ao longo do tempo, reformas foram aumentando em alguns trechos e reduzindo drasticamente em outros para enfim ganhar os contornos atuais nos primeiros anos da década de 1980. A paisagem vista dos vagões pode ser um bom passeio turístico e seu amplo espaço tornou-se salão de dança a partir de 2002 com a edição do “Trem do Forró”, que levava animação junina em 13,5 quilômetros de percurso com arrasta-pé e quadrilha. Acidentes também ocorreram. Descarrilamentos, atropelos, batidas e panes fazem parte desse deslocamento. Falta de investimento nos veículos e na infraestrutura é visível. Já ouvi muitos relatos de depredação. Apedrejamentos das janelas aconteciam com frequência ao longo do caminho. Como vimos, um caldo de locomoção, divertimento, turismo, emoção, relações de amizade, discórdia, vandalismo, abandono... Tudo está prestes a terminar. Isso é bom ou ruim?


Depende. Governos deixaram o sistema ruir, tornaram os trens obsoletos, à mingua, e o descaso com os usuários permitiu que o sucateamento fosse irreversível. Um dos graves problemas do Brasil é não contar com um complexo ferroviário amplo como meio de transporte, tanto de carga como de passageiros. Uma pena, lamentável! O país tinha potencial para um modal desse porte interligando todas as regiões do país, de ponta a ponta. Como isso foi deixado de lado, investimentos nessa área terminam em terceiro ou quarto plano. Até hoje a ferrovia Oeste – leste – ligando os municípios de Barreiras a Ilhéus – estão com obras paralisadas.


Quanto à reforma, vem aí muita dor de cabeça. Cerca de 449 famílias serão desapropriadas no trecho onde o VLT vai passar. Imaginem: pessoas que residem há mais de 40 anos e sobrevivem da pesca e atividades extrativistas na área terão que deixar o local de moradia e sem saber onde irão residir. Ainda não se tem ideia do valor das indenizações. O impacto da mudança para essa comunidade, no entanto, é incalculável.


Mas a verdadeira dor de cabeça do usuário está por vir. Com a inativação do serviço total em decorrência das obras, a única saída são os coletivos. A tarifa para se deslocar pelo trem é de R$0,50 centavos, praticamente um valor simbólico. O buzu vale R$ 4,20. Se uma pessoa se locomove em dias úteis por via férrea, o custo mensal é de 20 reais. Mas de ônibus sairá por 169 reais! Um aumento que ultrapassa os 700%! 90% desses usuários usa apenas o trem como transporte. Cidadãos de baixíssima renda que são, de que forma vão suprir esse acréscimo vertiginoso? Poderemos ver a partir de fevereiro milhares de pessoas caminhando pela Avenida Suburbana! Um descalabro!


O Ministério Público tenta mediar a mitigação dos transtornos e acusa o governo de não realizar audiências públicas para um debate com a sociedade a respeito de alteração tão abrupta no dia a dia de uma população cotidianamente desassistida. Também não houve acordo prévio com a prefeitura, caso algum tipo de benefício para os mais miseráveis seja oferecido, como uma tarifa social.

Decerto que os habitantes daquela região mereciam uma reestruturação daquela via desconfortável, arcaica, e insegura. Todavia, não se pode projetar algo de tamanha envergadura sem soluções que antecedam a grandiosidade da obra. Há muito se sabia que o VLT seria instalado, mas a divulgação em cima da hora, sem tempo para ajustes a uma perda desse porte, foi irresponsável. Também não foi divulgado qual será o valor cobrado – com certeza bem mais que os atuais 50 centavos (presume-se que seja o mesmo valor do metrô, atualmente em R$3,90). A velocidade da modernização e urbanização acompanha a rapidez de um trem avançado. Pena que a percepção dos indivíduos para o baque e os transtornos que virão não seja a mesma.


FONTE:









41 visualizações0 comentário

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page