[GATILHO / VIOLÊNCIA SEXUAL]
Hoje eu vou colocar o pau na mesa. O da expressão e o fálico que habita entre as pernas de certas pessoas nesse mundo. A estrela da vez será essa forma cilíndrica, com desvios à direita ou à esquerda, que admite muitos tamanhos, dos polegares às toras monumentais. Aquele que escancara as capas de vídeo pornô, jorrando seu volumoso gozo na cara sedenta de uma peituda de língua para fora. Ele é o centro das atenções nos sexos costumeiros e tradicionais, nas piadas de bares héteros e nas portas dos banheiros públicos.
O pau que, quando não está presente na anatomia humana, torna-se o outro bicho, a mulher, como diziam prontamente os filósofos de outrora:
“Para Aristóteles a mulher é uma espécie de desvio relativamente a um tipo mais perfeito que se concretiza no homem. É uma privação. O homem é a medida da humanidade e ela é uma falha, uma falta, um homem incompleto ou mesmo mutilado como é explicitamente referido noutros textos: ‘A fêmea é um macho mutilado’ ” (FERREIRA, 2014, p.3)
Para os estadunidenses, ele é o rei dos arrojados porque quem tem coragem, tem “balls” (bolas), e os fracotes são “pussies” (xerecas). Os paus são medidos na broderagem dos vestiários masculinos e aversos a serem encapados porque “não tem camisinha que caiba meu pau”. Poderosos e ostentadores de uma cabeça única, são eles que instigam aqueles que os detém a loucuras, mentiras, enganações e até crimes. Não é o homem que pensa. É seu pau.
Minha intenção aqui é convocar esse pau para uma boa conversa, em duas facetas que causam buxixo, apreensão e/ou tesão: o pau mole e o pau duro. De fato, de um para o outro está encaixada a rotina de qualquer homem médio no mundo ocidental que conhecemos. Pau bom é aquele que trepa, que encaixa, que bate ponto nos buracos disponíveis e variados que se apresentam na vida. Ele não dispensa convites, contato que ele sempre ganhe o protagonismo da cena. Precisa ser lambido, chupado, acariciado apenas para cumprir seu papel: ser pau firme e pronto para o coito.
A pesquisadora Valeska Zanello indica que a performance de um pau é uma premissa invariável do roteiro masculino sobre poder e eficácia:
“Sucintamente, um “verdadeiro” homem seria um bom provedor/trabalhador e um “comedor” sexual ativo”.
Submetidos por uma cultura falocêntrica, homens são ensinados a praticar e esbanjar seus desejos sexuais como prova factível de sua masculinidade, pois, não se nasce homem, prova-se sê-lo segundo as regras do jogo. É preciso acompanhar os alvos, escolher as condizentes a estética e a anatomia validada pelos amigos, instigar o desejo e executar a tarefa estando por cima de toda a situação (por vezes, literalmente), deixando o reizinho ganhar a cena e gozar com toda pompa e festa. Mas nada se termina no gozo. Finaliza-se esse teatro gabando-se com os amigos, cheio de detalhes falsos e um escarcéu de mentiras. Agora sim! O homem serviu seu pau tal qual manda o figurino.
Embutidos dessa mentalidade, dois machos, um do pau mole, outro do pau duro, chamaram a atenção das mídias pelas consequências terríveis de seus atos. Um traiu a famosa esposa grávida de seis meses. Outro abusou a companheira que encontrou em um famoso reality dos streamings. A deslumbrante cantora Iza e a participante do Casamento às Cegas 4, a fabulosa Ingrid Santa Rita, escancararam suas dores ao se verem vítimas do comportamento torpe e cruel de seus respectivos companheiros, levantando pontos importantíssimos sobre fidelidade masculina e estupro marital. Vamos olhar um de cada vez.
No lado do pau duro, temos Yuri Lima, jogador do time de futebol Mirassol e agora ex-companheiro da cantora Iza. Ele se envolveu em conversas abertamente sexuais com uma mulher de programa e produtora de conteúdo adulto na internet da qual ele já teve um relacionamento. No papo, é possível ver como ele quer provar a ex todo seu tesão, exaltando a anatomia do corpo dela, a fudência passada e sua sede por mais. É apenas um homem de pau duro, duro, duríssimo, achando total liberdade para mentir e enganar a companheira grávida de seis meses que tranquilamente confiava nele. Lá está o pau, tomando conta dos neurônios do Yuri, se engraçando no seu caráter e sua conduta e fazendo ele “ficar sem chão”, como o próprio disse ao admitir o que tinha feito, com o adendo de que foi levado por um “momento de fraqueza”. Claro! Pau potente enfraquece a dignidade de qualquer ser, levando a escorregões inimagináveis!
Vamos para o pau mole. Esse pertenceu a Leandro Marçal, participante do Casamento às Cegas 4, reality show da Netflix, que se casou no programa com a Ingrid. Na lua de mel do casal, a participante já trouxe à tona os problemas eréteis do rapaz, com muito cuidado e carinho, sem expor os fatos na lata. Ela falou sobre as inseguranças dele, sobre o tempo como algo favorável para que se encaixessem melhor no sexo e como isso não atrapalharia a afeição que ela tinha por ele. O relacionamento seguiu firme e forte até a celebração do casamento.
O jogo vira quando acontece a reunião dos casais que participaram do programa e a Ingrid afirma que eles se separaram após alguns meses da união. Com tamanha coragem, a participante revela ter sido abusada pelo ex-companheiro enquanto dormia. Dias depois, em seu Instagram, ela deu mais detalhes do acontecido. Leandro, ainda acuado pelo pau mole, não buscou tratamento e quis resolver o problema do seu jeito. Decidiu abordar sexualmente a companheira apenas no sono. Com o falo mole, ele investia em penetrações mal-sucedidas. Depois usava dedos, boca e insistia no abuso mesmo com ela, muitas vezes, acordando e pedindo que ele parasse.
Era o pau de novo que ditava o roteiro! O que é um homem com um pau que não funciona? Pela lógica machista e patriarcal, um derrotado, um perdedor, abrindo precedente para desvalidar sua carteirinha de homem viril. Então, se o pau não obedece, busca-se o impensável: o desrespeito, a invasão, a tortura, o crime. Sendo casado, ele sabia que seria perdoado de seus pecados mortais e a oportunidade estaria lá todas as noites, bastava ela fechar os olhos e dormir profundamente… Foi preciso a Ingrid ter um sério ataque de pânico, ao ponto de desmaiar no meio do estupro que ele a incutia, para que fosse ao fim a sequência criminal.
Passeamos por duas narrativas e deixamos ele tomar o centro da história, o pau! Dessa forma, experimentamos a rotina casual da mentalidade masculina engendrada na performance de gênero. Descobrimos que não é sobre os homens, seu caráter, seu desvio moral, sua perversidade, sua insensibilidade e seus requintes de crueldade. É sobre o pau, o duro e o mole, fazendo o favor de governar suas mentalidades e comportamentos ao ponto de nos surpreender com mais uma história terrível de dor, desapontamento e agressão ao corpo feminino.
À parte de todas as ironias, eu, autora deste texto, deixo aqui registrados minha dor e prantos quando soube das duas notícias tratadas no conteúdo. Como corpo que sofre a consequência da opressão machista de uma vida inteira, me enxerguei nas carnes desoladas e machucadas de Iza e Ingrid. Não vivi histórias como as delas, mas sei exatamente o que é carregar a dor de desapontamento e tristeza causado por alguém que, um dia, foi centro de nossa afeição. Escrevo porque senão morro por dentro de tanto desgaste, tristeza e amargura….
Fontes:
FERREIRA, Maria Luísa Ribeira. A mulher como o «outro»: a filosofia e a identidade feminina. Filosofia. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, v. 24, n. 1, 2014.
ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, 2020.
Fonte das imagens:
Texto deu o recado,proposta de escrita bem elucidativa.
Me choca a Netflix ter editado e gravado e exibido como se fosse entretenimento, nenhuma discussão séria foi feita sobre um caso de estupro relatado na maior rede de stream do mundo.