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Foto do escritorKarla Fontoura

DEIXA A MÃE TRABALHAR!



Por esses tempos, voltou a viralizar um vídeo da jurada Cristiana Arcangeli do Shark Tank Brasil criticando fortemente aqueles que defendem o home office. Nas palavras da própria: “Sou contra o home office. O seu foco tá perdido. Cada um tá pensando num negócio”. Ela comenta como as pessoas preferem o home office porque afirmam ter mais tempo para outras tarefas como fazer atividade física ou deixar os filhos na escola. A executiva é categórica: “Você estava usando o tempo da empresa para fazer coisas para você”. Ela conclui dizendo que ter qualidade de vida é bom, mas acredita que o crescimento de um negócio só é garantido com foco e dedicação, especialmente ao tempo. 


Claramente, diante das inúmeras condições de desigualdade que existem no Brasil, esse pequeno trecho da palestra da Cris foi altamente criticado, com volumosos questionamentos sobre o que significa dedicar seu tempo para uma empresa que paga muito mal e que não leva em conta todo o tempo de deslocamento, especialmente nos grandes centros urbanos, que podem tomar até 4 horas da vida da pessoa! Porém, não apenas isso é um fator de insatisfação quando se fala do trabalho presencial. E as mães? Quando elas não têm rede de apoio constante e segura para cuidar de seus filhos, como elas podem trabalhar presencialmente e ficar fora de casa por cerca de 12 ou mais horas por dia?


Essa é a realidade que eu vivo e que compartilhei com uma amiga, também mãe solo, que está em busca de trabalho. Em poucos minutos de conversa, percebemos que a equação de cuidar do filho e sair para trabalhar não fecha. Ganhar um salário quando somos a única e principal cuidadora de uma criança significa usar metade do que recebemos em algum plano de cuidado, seja contratar alguém, facilidades de deslocamento, acesso a alimento pronto e outras necessidades. No fim das contas, entendemos que sair de casa para trabalhar é perder um enorme tempo para ganhar muito pouco. A melhor e, talvez, única alternativa para nossa realidade é utilizar do trabalho online ou ter um negócio próprio com possibilidade de administrar os dias e horários da labuta. 


Após dois anos de intensa transição para o trabalho remoto, com a vacinação geral da população, muitas empresas têm se apressado em trazer de volta as pessoas para os escritórios, alinhados à fala da Cristiana Arcangeli do Shark Tank. Os manda-chuvas corporativos acreditam que o trabalho remoto torna o funcionário menos dedicado à empresa, utilizando o tempo que deveria estar produzindo para resolver questões pessoais, atrapalhando a jornada de sucesso do negócio, em um mercado cada vez mais competitivo. Ter os funcionários debaixo de sua guarda significa assumir o controle da performance deles sobre as necessidades corporativas, levando a sério aquele conhecido ditado: “O olho do dono engorda o gado”. 


Se o mundo do trabalho romper a tendência da modalidade remota e exigir o presencial ou híbrido, as mães param de trabalhar! Retirar essa opção de flexibilidade do trabalho é uma enorme ameaça para expulsar milhares de mulheres-mães de cargos de trabalho e afetar drasticamente o andamento de suas carreiras e vidas financeiras. Conforme a pesquisa Motherly de 2023, 18% das mães americanas deixarem seus empregos por conta do retorno ao modelo presencial e, segundo a pesquisa McKinsey de 2022, em todo globo, 49% das mulheres temem tomar a mesma decisão de abandonar seus trabalhos se não houver flexibilidade neste aspecto. Esses dados registram um enorme retrocesso na luta contra a desigualdade de gênero, já que, por conta do trabalho à distância, 70,5% das mães com filhos de até 4 anos estavam trabalhando nos EUA, uma marca histórica, segundo a pesquisa The Hamilton Project de 2023. 


De fato, segundo a ganhadora do Nobel de Economia de 2023, Claudia Goldin, a flexibilidade no mercado de trabalho é essencial para corrigir as desigualdades no campo do gênero. Sem isso, possivelmente, não haverá mães trabalhando fora de casa, afinal, é impossível para elas darem conta de tantas jornadas de atividades e até bancar a estrutura necessária para conseguir sair de casa, como apontei no exemplo meu e da minha amiga. Claro que, pela difícil condição financeira que muitas vivem, deixar de trabalhar não é uma escolha e elas acabam sendo as mais sujeitas a empregos em condições precárias e mal pagos ou adentram o mercado da informalidade. 


Diminuir as barreiras da jornada profissional de uma mãe vai muito além de oferecer um trabalho online, dado que a depender da rotina, quantidade de filhos e idades e demandas domésticas, ainda é preciso apoio e suporte direto e financeiro para que essa mulher possa se dedicar ao emprego e estar presente na vida pública. Porém, se esse privilégio recente de ter a possibilidade de ficar em casa e conseguir trabalhar for retirado, as opressões da desigualdade de gênero se perpetuarão por muito mais tempo e, inegavelmente, as mulheres-mães perderão mais oportunidades de realizar seus sonhos pessoais e profissionais. Por isso, endosse esse coro e diga: “Deixa a mãe trabalhar!”


FONTE:




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Esse pessoal pede desoneração da folha e só oferecem de volta "o emprego". Nem ao menos considerar o trabalho remoto como alternativa aos trabalhadores!

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