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DANIEL ALVES: ESTUPRADOR NÃO PODE SER ÍDOLO

Intervenção na estátua de Daniel Alves, em Juazeiro-Ba, 2024.


Estuprador não pode ser idolatrado, sem 'mas' nem 'porém'. Daniel Alves foi condenado em fevereiro de 2024 a 4 anos e 6 meses de prisão pela justiça da Espanha, após estuprar uma mulher em uma boate em Barcelona. Desde o início da denúncia, a repercussão se deu de forma infeliz e habitual, pela mídia e pela sociedade, com a culpabilização da vítima por estar em um ambiente propício ao uso de álcool e ao sexo, com um agravante, a mulher seria interesseira por se tratar de um milionário e famoso jogador de futebol.


A partir desse caso, mais uma vez, constatei o quanto é bizarra a forma violenta em que o machismo e o patriarcado imperam na nossa cultura brasileira. Li e ouvi diversos comentários, dentro e fora das redes, nos quais a palavra da vítima foi desacreditada, como na maioria dos casos de estupro ou outro tipo de violência sexual contra as mulheres.


No entanto, felizmente, nesta trágica narrativa, que se repete diariamente, a justiça condenou o agressor. E a partir daí, o que já era medonho, piorou. Ocorreu uma série de repercussões terríveis em que as pessoas simplesmente afirmaram que a vítima destruiu a brilhante carreira do jogador, e o homem foi colocado em posição de coitado, quando, na verdade, é o culpado.


Lembro que o mesmo aconteceu com o caso do feminicídio, a mando do goleiro Bruno, em que muitas pessoas não acreditaram ― e algumas até hoje não acreditam, a maioria homens ― que ele foi o mandante do feminicídio contra Eliza Samudio. E, como para a justiça cabe a reparação e o retorno à sociedade, ainda hoje Bruno atua como goleiro em um time de futebol, ou seja, sua carreira não foi acabada e ― infelizmente― ele ainda é um ídolo de alguém, enquanto Eliza nunca teve a chance de criar seu filho e envelhecer.


Também não podemos esquecer do estuprador Robinho, que segue livre e impune aqui no Brasil, apesar de condenado a 9 anos de prisão por um estupro coletivo a uma mulher, numa boate em Milão, caso análogo em fato e em repercussão ao de Daniel Alves. Robinho fugiu da justiça italiana. O processo aqui no Brasil segue tramitando para um futuro julgamento na Justiça brasileira. Porém, sem data marcada. Enquanto isso, a mulher que carrega uma ferida de um trauma enorme no seu corpo sabe que seu agressor está tendo a vida de um rei, curtindo praia e festas, e provavelmente sendo o ídolo de alguém.


Apesar da pena reduzida pela justiça espanhola, após Neymar, muito amigo de Daniel, ajudá-lo, deixando depositado na justiça uma quantia de 150 milhões de Euros, o que equivale a mais de 800 mil reais, como um ato de desejo de reparação do agressor, interpretação da justiça espanhola. Alves teve uma sentença de quatro anos de prisão e mais cinco anos de vigilância da justiça espanhola. Porém, de acordo com a legislação da Espanha, ele pode sair em menos de um ano e meio. Felizmente, nesta data em que escrevo o texto, três de março de 2024, o Ministério público da Espanha ainda tramita para que a pena seja aumentada de acordo com o crime cometido.


Bom, para além dos fatos, que em certa medida ainda beneficiam Daniel Alves. Pena reduzida com colaboração do amigo ultra milionário, nos fazendo lembrar de que na nossa sociedade, os estupradores têm amigos e eles são e serão cúmplices deles na maioria das vezes, reproduzindo uma cultura de proteção masculina, fomentada pelas ideologias do patriarcado. Sem contar que também mostra o poder do capitalismo sobre o corpo do outro: se você tem dinheiro, você pode ser solto.


Para fechar com um soco no estômago, Daniel Alves mesmo preso se manterá rico e faturando; ele continuará recebendo 500 mil por mês do São Paulo, por uma dívida de quebra de contrato. Ou seja, assim como a maioria dos homens estupradores, sua carreira não foi destruída, apesar de ter traumatizado por toda a vida uma mulher.


Pensando em como esse mundo tem andado ultra fascista e conservador, mas também com um desejo de equidade e justiça. Por um lado, há quem continuará apoiando esse estuprador, talvez até algum clube lhe dê uma chance de continuar atuando como jogador depois do cumprimento da pena ou até antes dela, e nada para ficarmos boquiabertos, muitos ainda dirão: 'Ah, a justiça foi feita, ele já pagou a pena e a vida continua', do ponto de vista legislativo até pode ser verdade. Mas, me pergunto, isso é de fato a concretização da justiça diante do trauma de uma mulher em ter seu corpo violado em uma boate sem qualquer direito de defesa física e psicológica?


Por outro lado, também penso que nesta tensão entre ultra direita, e o empoderamento das identidades e das questões de gênero, que vem fortalecendo cada dia mais o papel da mulher na nossa sociedade, há quem rejeite Daniel Alves e o negue como ídolo. Não importa o quanto ele contribuiu para o futebol, quantos títulos ganhou, quantos gols fez, ele é um criminoso antes de tudo e devemos enxergá-lo como isso e levar o assunto da violência sexual contra mulheres ainda mais a sério.


O Esporte Clube Bahia, time em que Daniel Alves despontou, tirou a camisa do jogador do museu que guarda os ídolos do clube, uma grande atitude do Bahia, que recentemente lançou uma campanha contra a violência sexual. Além de corroborar com seus princípios e ideologias, o Bahia está dando o exemplo de ação do como uma instituição e uma entidade ― que agrega uma das maiores torcidas de futebol do Brasil ― não deve tolerar, sob nenhuma circunstância, o passamento de pano para esse tipo de crime.


O Barcelona também tomou uma atitude análoga e retirou o nome do jogador da lista de lendas do clube, corroborando com a ética e a moral que valoriza os direitos das mulheres, provando que há princípios humanos que não podem ser tolerados pelos atos bons ou conquistas obtidas antes de um ato de horror, ultraviolência ou crime.


Pessoas em Juazeiro, cidade da Bahia onde nasceu o jogador-estuprador, têm feito várias intervenções na estátua de Daniel Alves, enquanto clamam para que o artefato-homenagem seja retirado da cidade. A mídia de massa noticiou essas intervenções como vandalismo. Porém, me pergunto, renegar a imagem de um estuprador como símbolo de uma cidade é um crime?


Alguns vão dizer que é crime contra o patrimônio público, legislativamente pode até ser se pensarmos que a estátua foi feita com dinheiro público e está exposta em praça pública, porém, não se torna incoerente uma prefeitura manter uma homenagem a um estuprador? A prefeitura também não estaria corroborando com a simbologia do crime de estupro que hoje encarna a pessoa Daniel Alves? Mesmo com os feitos no futebol, tal idolatria não se justifica diante da gravidade do caso, que também é tipificado no Código Penal Brasileiro.


As intervenções na estátua de Daniel Alves são pungentes, como a da cabeça enrolada em um saco preto, podendo ser interpretada tal qual ele fosse um lixo, ou tivesse uma mentalidade de lixo, e ainda como um cadáver (é preciso matar simbolicamente a imagem do estuprador). Ou ainda, a tinta branca salpicada, de cima a baixo escorrendo,, jogada de qualquer jeito, remetendo ao esperma ou cuspe, como se estivesse ocorrendo um simbólico estupro reverso ou um gesto de humilhação. É preciso que se esqueça Daniel Alves como profissional, como jogador de futebol, ele é um estuprador e ponto.


O que a estátua nos diz sobre a repercussão do estupro?


Estátua de Daniel Alves pintada em protesto, na cidade de Juazeiro-Ba, 2024.


Todas essas atitudes na estátua, que rechaçam o estuprador, demonstram que ainda há esperança para que se leve a sério a vítima de um crime estupro. O Brasil é um dos países líderes em feminicídio e de casos de violência contra a mulher. Então, saber que o estupro tem se tornado um crime cada dia mais intolerável, como mulher é um alívio.


Apesar do conservadorismo, do ultra direitismo e da visão machista e patriarcal, principalmente engendrada por princípios cristãos e que hoje tem se difundido amplamente a partir de igrejas neopentecostais, sem generalizar, ou condenar religiões, acresço que tanto Daniel Alves, quanto Robinho e Bruno, são evangélicos praticantes, então há um padrão a que se atentar e combater.


Faço um adendo que existe uma parte da população, principalmente aquela adepta ao empoderamento feminino, que prega o fortalecimento de medidas que punam e eliminem a violência contra a mulher. No entanto, não basta só a aplicação das leis, em favor da mulher.


É preciso que se tenha condições humanizadas de acolhimento a vítima que faz a denúncia de estupro, o afastamento eficaz do agressor/abusador e uma aplicabilidade justa, fatores indeléveis para que os casos de violência de gênero, principalmente contra a mulher, sejam tratados como crimes inadmissíveis, imprescritíveis e inafiançáveis, o que de fato o são. Afinal, ninguém paga a dor de ter seu corpo ferido sem nenhum direito de defesa. Idolatrar um estuprador é idolatrar um criminoso.


Foto de capa: G1. Foto: Créditos Valma Silva/g1/ Redes sociais <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/09/07/estatua-em-homenagem-a-daniel-alves-e-vandalizada-em-juazeiro.ghtml> Visto em 05 de março de 2023.


Foto no corpo do texto.: CORREIO. Estátua de Daniel Alves. Foto crédito. Crédito: Ronaldo Silva / TV São Francisco.<https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/prefeitura-de-juazeiro-se-pronuncia-sobre-estatua-em-homenagem-a-daniel-alves-0324> Visto em: 05 de Março de 2023.

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Tava por fora do desenrolar dessa história do estuprador... Triste pelo andamento da justiça e o podre do Neymar e feliz pela revolta popular. Quero ressaltar que a quantidade de provas que ajudaram a condenar o crimonoso aconteceu graças a um protocolo incrível de proteção as mulheres que tem na Espanha. Vou deixar aqui:

  1. Atenção prioritária à vítima: o estabelecimento deve estar atento a situações de agressão e acompanhar a vítima em casos mais graves — a não ser que ela não queira.

  2. Respeito às decisões da pessoa agredida: todas as informações legais devem ser passadas à vítima que deve ter liberdade para tomar a decisão final.

  3. O foco não deve estar em um processo criminal: é preciso informar que…

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Tem o caso do técnico Cuca,acusado de estuprar junto com outros colegas uma adolescente na Suiça. O crime prescreveu e somente quando ele foi contratado pelo Corinthians que houve reação da ala feminina da Gaviões da Fiel denunciando a contratação em função desse passado. Agora,ele assinou com o Atlético Paranaense e a mídia vem repercutindo a reação dos torcedores.

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Porrada!

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