top of page

"CORPO FECHADO", O FILME; "GRUPO FECHADO", O WHATSAPP




*Everton Nery


Assisti por esses dias o filme Corpo Fechado (Unbreakable, 2000), dirigido por M. Night Shyamalan, que explora de forma sutil e profunda a ideia do heroísmo como uma jornada de autodescoberta e aceitação de um destino extraordinário. Bruce Willis interpreta David Dunn, um homem comum que descobre ser praticamente invulnerável após sobreviver a um acidente de trem sem ferimentos. A trama é tecida com a tensão psicológica característica de Shyamalan, misturando o realismo com o místico. O título, que remete à expressão popular de proteção espiritual contra danos, é um símbolo de resiliência física e emocional, mas também evoca a clausura de David em relação à sua verdadeira natureza, que ele reluta em aceitar até ser confrontado com a visão inquietante de Elijah Price, vivido por Samuel L. Jackson.


A força de Corpo Fechado está em seu ritmo contemplativo e na subversão do gênero de super-heróis. Em vez de cenas grandiosas e batalhas épicas, o filme se concentra nos dilemas internos de suas personagens, desconstruindo o arquétipo heroico e apresentando um protagonista relutante que só começa a entender seu propósito ao confrontar sua mortalidade e a moralidade ambígua de Elijah. O final, ao mesmo tempo inquietante e revelador, deixa o espectador com perguntas sobre destino, responsabilidade e a linha tênue entre o bem e o mal.


A reflexão sobre o filme Corpo Fechado, com sua trama centrada na descoberta de um propósito e na oposição entre fragilidade e força, dialoga profundamente com as discussões sobre a axiologia entre "corpos fechados" e "abertos" e grupos de Whataspp “fechados” e “abertos”. A jornada de David Dunn, como um homem "fechado" contra as vulnerabilidades físicas e emocionais, espelha o ideal do "corpo fechado" como uma figura de proteção e resiliência. No entanto, sua trajetória também expõe os perigos de uma clausura excessiva: ao negar sua verdadeira natureza e evitar seu papel no mundo, David vive uma existência limitada, desprovida de propósito.

 

Por outro lado, o personagem de Elijah Price desafia a noção de fragilidade como uma simples fraqueza. Apesar de sua condição física debilitada, ele usa sua vulnerabilidade como força intelectual e motriz, subvertendo a ideia de um "corpo aberto" como algo necessariamente negativo. Assim como grupos "abertos" podem ser vulneráveis, mas também plurais em diversidade e troca, Elijah demonstra como a abertura ao mundo – ainda que trágica e manipuladora no caso dele – pode ser uma ferramenta de impacto e transformação. Ambos personagens refletem a tensão entre fechamento e abertura, proteção e exposição, e o equilíbrio que se faz necessário para que tanto indivíduos quanto coletividades vivam com propósito e conexão genuína.


Seguindo esta linha, na encruzilhada entre o espiritual e o tecnológico, conceitos aparentemente distintos como o corpo fechado e o grupo aberto e também corpo aberto e grupo fechado se entrelaçam, oferecendo reflexões amplas e diversas sobre nossas práticas, valores e identidades, numa perspectiva da epistemologia da cruz, ou seja, a estaca e a trave, que representam o profundo e o largo, sem qualquer dicotomia ou divórcio. O corpo fechado, ancorado na tradição mística, evoca proteção, fortaleza e resiliência espiritual. Por outro lado, o grupo aberto, típico dos espaços digitais contemporâneos como o WhatsApp, representa a fluidez, a inclusão e a pluralidade. Nesta oposição, construímos uma axiologia que valoriza o equilíbrio entre ambos: a força do corpo fechado e a amplitude do grupo aberto. Já os conceitos de corpo aberto e grupo fechado revelam fragilidades tanto no plano espiritual quanto nas dinâmicas digitais. O corpo aberto, vulnerável às influências externas, e o grupo fechado, enclausurado em suas próprias fronteiras, tornam-se símbolos de dispersão e isolamento, respectivamente.


Na perspectiva mística, o corpo fechado é um símbolo de resistência contra forças externas que ameaçam o indivíduo. Protegido por rituais, rezas ou práticas espirituais específicas, ele é impenetrável às energias negativas, maus-olhados e influências malignas. Esta concepção atribui valor ao fortalecimento da interioridade e à construção de barreiras simbólicas que preservam a integridade da pessoa.


O corpo fechado é uma metáfora para o autocuidado e a construção de uma identidade robusta que não se deixa dissolver pelas pressões externas. Em tempos de sobrecarga informacional e emocional, o corpo fechado nos ensina a importância de dizer "não" e de cultivar espaços de silêncio e introspecção.


Em contraste, o grupo aberto — especialmente no contexto digital — é um espaço onde a diversidade floresce. Ele é permeável a novas ideias, pessoas e perspectivas, funcionando como um ponto de encontro dinâmico. Em grupos abertos, o inesperado se torna protagonista: opiniões conflitantes, novas amizades, debates plurais e diversos emergem. A valorização do grupo aberto reside na sua capacidade de acolher o outro, de expandir horizontes e de criar redes de interconexão que transcendem fronteiras. Ele simboliza a abertura ao aprendizado contínuo, à troca de experiências e ao reconhecimento da alteridade como uma força. O grupo aberto não teme o diferente; ele o acolhe, abraçando a fluidez como uma virtude.


Entre o corpo fechado e o grupo aberto, não se trata de escolher um em detrimento do outro, mas de compreender como ambos podem coexistir e se complementar. O corpo fechado nos ensina a importância de estabelecer limites saudáveis e preservar nossa energia diante das demandas externas. Ele é o refúgio necessário para manter a integridade em um mundo que constantemente exige exposição.


Por outro lado, o grupo aberto nos desafia a sair de nossa zona de conforto, a nos aventurarmos no território do desconhecido e a ampliar nossa experiência por meio da interação com o diverso. Ele nos lembra que, embora o fechamento possa proteger, é na abertura que encontramos crescimento, conexão e inovação.


O corpo fechado e o grupo aberto, em sua aparente oposição, são expressões de necessidades humanas complementares. O primeiro nos protege do excesso; o segundo nos convida à expansão. A sabedoria está em reconhecer quando precisamos fechar nosso corpo para nos preservar e quando devemos abrir nosso grupo para nos transformarmos. Nesse jogo de limites e possibilidades, encontramos um caminho de equilíbrio que valoriza tanto a fortaleza quanto a fluidez, tanto a introspecção quanto a coletividade.


Seguindo esta linha da abordagem no campo da tradição mística e espiritual, o corpo aberto é visto como um estado de fragilidade extrema, no qual a ausência de proteção torna o indivíduo suscetível a energias negativas, influências alheias e forças externas. Desprovido de barreiras, o corpo aberto permite que o mundo externo invada a interioridade, gerando dispersão, confusão e perda de vitalidade.


Na perspectiva da análise axiológica do corpo aberto, tem-se situado a sua incapacidade de preservar o que é essencial. A exposição sem limites não é sinônimo de liberdade, mas de rendição a forças que podem corroer a identidade e a integridade do ser. Sem fronteiras nítidas, o corpo aberto se torna um espaço de vulnerabilidade constante, onde o “eu” é facilmente apagado pelo “outro”, e o equilíbrio interior dá lugar ao caótico.


No que tange ao ambiente digital, o grupo fechado, como um grupo de WhatsApp restrito, é o equivalente moderno de uma bolha social. Ele se caracteriza pela exclusividade, pelo acesso limitado e pela tendência a filtrar informações e perspectivas de forma a reforçar um pensamento homogêneo. Embora, à primeira vista, pareça seguro e coeso, o grupo fechado frequentemente promove o isolamento intelectual e emocional.


Na perspectiva axiológica, um grande problema do grupo fechado reside em sua recusa de incluir o diferente, de dialogar com o novo e de abraçar a diversidade. Ele se torna um ambiente de repetição e estagnação, onde as mesmas ideias são reproduzidas sem contestação. Ao invés de oferecer proteção, o grupo fechado sufoca a inovação e a expansão do conhecimento, transformando-se em um espaço de eco e confinamento.


Tanto o corpo aberto quanto o grupo fechado nos alertam para os perigos de extremos opostos. O corpo aberto, na tentativa de ser receptivo, perde sua capacidade de discernimento e proteção. O grupo fechado, ao buscar exclusividade, priva seus membros do crescimento que surge da interação com o diferente. Ambos se revelam insuficientes diante da complexidade da vida contemporânea.


Em oposição a esses extremos, valoriza-se o corpo protegido, que acolhe o necessário sem se render ao excesso, e o grupo inclusivo, que equilibra limites nítidos com a abertura ao diverso. Essas posturas oferecem uma alternativa saudável: proteção sem isolamento e conexão sem vulnerabilidade.


O corpo aberto e o grupo fechado, embora pareçam opostos, compartilham um denominador comum: a incapacidade de lidar com o mundo de forma equilibrada. O primeiro se dissolve no exterior; o segundo se aprisiona no interior. Ao rejeitarmos ambos, buscamos construir espaços que honrem a integridade do indivíduo e a diversidade da coletividade. É nesse caminho de abertura crítica e proteção sensata, que encontramos as condições para uma existência plena e autêntica.


A convergência entre as reflexões sobre Corpo Fechado e os conceitos de "corpo aberto/grupo fechado" versus "corpo fechado/grupo aberto" nos convida a pensar no equilíbrio necessário entre proteção e exposição. Assim como o protagonista David Dunn aprende a equilibrar sua invulnerabilidade física com a aceitação de sua vulnerabilidade emocional para descobrir seu propósito, nós, enquanto sociedade, precisamos avaliar como navegamos entre as barreiras que criamos e as aberturas que permitimos, tanto no plano individual quanto coletivo.


A lição do filme e da análise conceitual reside na busca por uma síntese entre essas perspectivas. O "corpo fechado" nos ensina o valor da resiliência e do autocuidado, enquanto o "grupo aberto" revela o poder transformador do diálogo e da inclusão. Negar o outro, seja em um espaço simbólico ou digital, limita a capacidade de aprendizado e evolução. Por outro lado, abrir-se indiscriminadamente, sem filtros, dissolve a identidade e mina a estabilidade. Assim, o equilíbrio reside na capacidade de proteger sem isolar e de se abrir sem se perder, encontrando, nesse jogo de forças, o caminho para uma vida mais integrada e autêntica.


*Doutor em Teologia


IMAGEM: Vídeo Pérola

1 Comment

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
Alba Cristina
Feb 21
Rated 5 out of 5 stars.

Alegria

Like
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page