Essa semana é especial. Meu baixo vai voltar para as minhas mãos depois de um tempo passando por uma restauração. Afinal, é um baixo de 40 anos, quase o dobro da minha idade, e vai trabalhar muito nas minhas mãos ainda. A volta dele para casa é mais especial do que parece. Durante o serviço, o luthier (profissional responsável pela fabricação e manutenção de instrumentos) tornou-se um dos milhões de brasileiros infectados pela COVID-19. Felizmente, também entrou para o hall dos que venceram a doença. Uma volta para casa com um gosto de vitória.
Enquanto meu baixo passava pela revitalização necessária, continuei meus estudos baixolão. O nome diz exatamente o que ele é, um baixo que mais lembra um violão. É o instrumento que está a mais tempo na minha mão. Possivelmente, vai ser um instrumento que meus filhos vão usar ainda. Sendo mais otimista ainda, meus netos. E assim, ele seguirá a sua função como um instrumento musical, que, ao contrário do que muitos falam, não se limita a apenas a “ferramenta” para fazer música. Um instrumento musical conta uma história. Talvez mais de uma, afinal nunca se sabe quantos donos um instrumento terá.
Meus instrumentos são meus fiéis escudeiros para os momentos bons e ruins. Não só para mim, mas também para qualquer músico. Enquanto um músico tem seu instrumento em mãos, ele te teletransporta para outro mundo. As emoções se convertem em notas e, de um estúdio, ou até mesmo do próprio quarto, nós viajamos para os palcos de Glastonbury, do Rock in Rio, ou voltamos no tempo para Woodstock. Um músico com seu instrumento não encontra fronteiras.
Porém, o instrumento não muda apenas a vida do músico profissional. Nessa pandemia, muitos músicos amadores se juntaram com seus instrumentos e decidiram fazer “shows” para a sua família ou, até mesmo, da varanda do seu prédio, alegrar a vida dos vizinhos enclausurados. Tem também aqueles que encontraram em seus instrumentos largados em armários uma forma de manter a mente sã de forma um pouco mais “tímida”. Criaram coragem para resgatar aquele sonho de infância esquecido ao longo dos anos de aprender a tocar violão, ou baixo, ou teclado, etc. Alguns foram até mais corajosos e compraram um instrumento novinho e folha.
Para conseguir o baixo que citei no primeiro parágrafo, eu fiz uma troca com um amigo meu. Passei um baixo que tinha comprado zero. Um baixo que mexi tanto internamente quanto externamente no intuito de deixa-lo perfeito para mim. Logo, vocês devem imaginar que não foi fácil passa-lo a diante. E não foi. Lembro que no dia que fui fazer a troca, olhava para aquele baixo amarelo pensando várias vezes se faria ou não a troca. E, até hoje, ao ver um vídeo do atual dono tirando músicas nele, sinto aquele leve aperto no peito. No entanto, alivia a mente saber que ele continua sendo bem cuidado e continuando uma história além da que teve comigo.
Quando olhamos para um instrumento, vemos tudo. O primeiro show que fizemos com ele, o último show, as músicas tiradas, as alegrias comemoradas, as tristezas consoladas... de certa forma, um instrumento vira um membro da família. Pode ser aquele chato ou o que todo mundo quer ficar perto, o instrumento aos poucos vai ganhando vida. Ganhando um lugar nas lembranças chegando a dar saudade quando vai embora. Um instrumento não fala, mas fala. Escuta e entende tudo o que você quer dizer. Talvez por isso eles ganhem nomes, como meu Giannini 1980 chamado Suzy, chorem em canções como na música de George Harrison e sejam lembrados por Caetano Veloso, que já diz “como é bom tocar um instrumento”.
Kommentare