Em uma rápida olhada por aí, não importa onde ou quando, você já deve ter percebido que conspirações fazem parte do nosso cotidiano, dissolvidas na nossa rotina mais insuspeita. Elas não apenas fazem parte de plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, mas são também a base de tudo o que acontece nesses espaços digitais. Quando olhamos com calma o funcionamento do algoritmo, e o seu nível de impacto nas pessoas, posts conspiratórios chamam sempre mais atenção, causam muito mais impacto, como se existisse algo místico neles que nos encanta, nos captura, nos envolve. Segundo Steven Pinker, um psicólogo evolucionista norte-americano, posts bombásticos, quase na beira da paranoia, tem cerca de 10x mais chance de serem compartilhados, independente do conteúdo ser verdadeiro ou falso. O compartilhamento independe de parâmetros epistêmicos (verdade ou falsidade), já que circula por um outro espaço de jogo, um campo mais conveniente, digamos assim. Partindo do princípio de que as experiências cotidianas são pouco glamourosas, ou até entediantes, a matriz conspiratória oferece um tipo de respiro em meio a tanto tédio, seduzindo quem a observa. Existe aqui uma moldura bem atraente, ou seja, hollywoodiana, de grande porte, quase sempre incorporada em algum sistema explicativo poderoso.
Mas qual o problema de um conspiracionista? Além, claro, dos efeitos que produz no mundo, desde simples mal-entendidos até mortes e crises institucionais, existe algo curioso acontecendo dentro da sua cabeça, na própria forma como se estrutura. Vamos a um exemplo rápido... Imagine duas premissas: 1) sempre que tenho um ensaio reprovado numa revista acadêmica chove lá fora, 2) logo, chuva (o clima) interfere no meu desempenho. Observe que existe aqui um erro básico, um tipo de deslize fácil de ser encontrado em um discurso conspiracionista. Por conta de sua moldura explicativa toda poderosa, e super encadeada, seus defensores confundem correlação com causalidade. Em termos gerais, duas coisas podem acontecer simultaneamente em um cenário qualquer sem um vínculo causal entre as duas. Mas a cabeça do conspiracionista, ou de uma linguagem conspiracionista, na medida em que funciona em um nível de racionalidade exagerado, não consegue aceitar a existência de acasos ou de simples correlações. Afinal, tudo faz parte de um grande sistema explicativo onde excessos não existem.
Vamos a um exemplo mais específico, algo recente na nossa história. Lembra quando descobriram que o Coronavírus começou na China? E você lembra que os Estados Unidos foram os mais afetados no processo? E lembra também que a China é o principal concorrente dos Estados Unidos na corrida econômica? O que essas três informações nos ensinam sobre a origem do vírus? ABSOLUTAMENTE NADA. Todas elas descrevem correlações, circunstâncias paralelas, mas nenhuma causalidade. Mas, se você é um conspiracionista, cada uma delas não apenas conversa entre sim, como também se conecta em um enorme sistema causal.
É preciso deixar claro que a estrutura conspiratória não necessariamente funciona na base de dados falsos, já que o problema não é factual, mas a generalização das conclusões, independente dos fatos em jogo serem reais ou não. Por exemplo, “é um fato que o vírus surgiu da China”, “é um fato que os Estados Unidos foram os mais afetados”, “é um fato que a China é o principal concorrente econômico dos Estados Unidos”. Observe que a conspiração não é sinônimo de simples fake News. Ou melhor, o “fake” não está nas premissas usadas, mas no resultado, nas conclusões, quase como um tipo de silogismo estranho: a) moscas tem asas, b) pássaros tem asas, c) logo, moscas e pássaros são da mesma família.
Diante de tanta conveniência em jogo, existe alguma possibilidade de criticar um conspiracionista? Em geral, é muito difícil, quase impossível. Como a base das conspirações não é o fato descrito, mas a matriz generalizadora em seus bastidores, e a conveniência dessa mesma matriz, críticas são quase ineficazes. A linguagem conspiracionista é circular, sempre retorna ao seu ponto de partida, reforçando a si mesma. Isso significa que uma crítica feita a um conspiratório apenas reforça suas intuições originais. Em outras palavras, se você revela as falhas no argumento de um terraplanista, por exemplo, seu gesto é imediatamente interpretado como um sinal da conspiração que você tenta desprovar. Segundo a cabeça de um conspiratório, você trabalha PARA ELES, ou, no mínimo, está sendo enganado POR ELES, seja lá o que isso signifique. Por isso, é impossível desmentir um conspiracionista, já que sua estrutura de linguagem é ampla e flexível demais, sempre encontrando no mundo fatos (ou fakes) disponíveis ao uso.
Claro que os exemplos desse ensaio foram extraídos da extrema direita, mas o risco dessa estrutura conspiratória desconhece orientação política. A vida cotidiana, com todo o seu pragmatismo embutido, não é bem o terreno de analises cuidadosas e investigações metodológicas sofisticadas. Afinal, as pessoas não tem tempo a perder. Elas buscam menos rigor metodológico e muito mais ferramentas úteis que as ajudem a organizar a experiência, ainda que sejam vagas, apressadas ou contraditórias. Imagine o seguinte cenário: a) José é negro, b) José foi desrespeitado por uma atendente de banco. Observe o risco de generalização, ao concluir a causalidade entre cor de pele e o tratamento desrespeitoso. Talvez tenha sido realmente um caso de causalidade e não apenas correlação, mas essa resposta demandaria um cuidado maior, circunstância pouco provável de ser encontrada na vida cotidiana.
Isso significa que embora nem todos sejam conspiracionistas, a própria dinâmica interna da vida cotidiana, e seu pragmatismo espontâneo, criam suas condições necessárias de surgimento. A pressa em compreender certos fatores, o desejo de reforçar meu próprio ego e suas definições de realidade, podem produzir como efeito colateral traços conspiratórios, ao menos certas características previsíveis. Por isso, a ciência, enquanto processo, é necessária. O campo científico, na medida em que é um espaço de jogo resistente à nossa aura pragmática, nos lembrando que o mundo lá fora não foi feito nos moldes do nosso desejo, não se apresenta como um reservatório que preenche minhas demandas, mas algo com um percurso próprio, uma temporalidade própria. A ciência é uma alternativa ao conspiracionista não por ser mais verdadeira, mas por ser mais cuidadosa, mais humilde e mais descentrada. Ciência não lida com verdades absolutas, com grandes sistemas gigantescos de ideias, mas com testes, revisões de pares, bancas, críticas, redefinições e toda uma rede complexa de atores humanos e não humanos. A ciência descentra meu EGO, minhas pretensões “pragmáticas”, mergulhando a mim em um mundo que me ultrapassa, transborda.
REFERÊNCIAS
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/09/24/interna_politica,707789/teorias-da-conspiracao-no-periodo-eleitoral.shtml
Baseado em seus exemplos, comecei a pensar que o conspiracionista é uma ampliação das pequenas crenças do cotidiano sabe? Entrar com o pé direito, azar se quebrar espelho, bater na madeira. As coisas não se relacionam mas a pessoa mantem as supertições por conforto emocional. Na conspiração, a pessoa mantém a ideia por necessidade de se sentir pertencente ao "grupo certo".
Pior é que o conspiracionista segue um modelo de pensamento e as pessoas que o seguem dão crédito para que suas teorias infundadas substituam o próprio raciocíniode quem recebea informação. Perigoso,muito