* Taís Maria
No mundo, após a pandemia da COVID-19, segundo dados da CNN coletados no ano de 2020, cerca de 246 milhões de pessoas sofrem de transtorno depressivo maior e 374 milhões são diagnosticadas com transtornos de ansiedade. Como consequência disso, há um aumento considerável no consumo de medicamentos que alteram os medidores químicos e atenuam os sintomas dos transtornos mentais. Apesar desses medicamentos serem prescritos de forma controlada, a fim de evitar o abuso das substâncias e dependência, são encontrados e comercializados de maneira fácil. O Rivotril, sem dúvidas, é o queridinho de quem procura um tranquilizante que age de forma “eficaz” e tem um preço acessível. Prova disso, é ultrapassar o remédio Dorflex em vendas no ano de 2012.
A pergunta que não quer calar é: como os medicamentos antidepressivos são tão consumidos se as receitas ficam retidas e o uso é estritamente controlado? Parece existir uma mobilização entre a classe que atua na área da saúde para indicar e disponibilizar esses fármacos como solução para as dores modernas. As restrições do limite da normalidade ou ampliação dos limites do patológico fazem parte desse processo.
Em um artigo publicado na revista Nuance, sobre essa temática, os professores e pesquisadores Melissa de Almeida e Rogério Gomes explanam sobre o mecanismo de patologizar e ampliar os diagnósticos no âmbito da saúde mental. De acordo com os professores citados, no DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), as pessoas em período de luto até dois meses não seriam diagnosticadas com depressão. No DSM V, esse critério foi reduzido para duas semanas. Outros transtornos também passaram por uma revisão no critério de diagnóstico, como por exemplo, o transtorno bipolar, que antes era entendido como presente só em adultos e passou a ser “possível” em crianças a partir de 12 anos.
Nesse contexto, é perceptível que tem sido cada vez mais difícil ser considerado “normal”. Nessa discussão, não pretendo de maneira alguma dizer que as dores não existem, de fato elas existem e impactam no cotidiano das pessoas; no entanto, há quem interessa uma sociedade cada vez mais doente?
É possível que hábitos sejam configurados como patologias para melhor controlar modos de vida que destoam das necessidades do sistema capitalista? Somos perpassados por uma ideologia de que temos que ser cada vez mais produtivos, afinal, somos "donos" da nossa força de trabalho, "pequenos empreendedores". Nada mais é sagrado, nem descanso. Em todas as esferas de nossas vidas nos sentimos cada vez mais controlados. A saúde do trabalhador passou a ser preocupação do empregador desde que foi entendido que é melhor prevenir do que exaurir a força de trabalho. Nesse sentido, a medicina parece estar, também, à serviço do grande capital.
A indústria farmacêutica é uma das que mais crescem no Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela IQVIA Brasil. Esse setor teve um crescimento de 12% em 2022 e se estima que cresça mais 11,5% neste ano. Em cada esquina, uma farmácia, e em cada farmácia, uma solução rápida para problemas complexos.
Como já foi discutido no texto, estamos na era da produtividade e nessa era o individualismo é a chave para se dar bem na vida. Com a ascensão do neoliberalismo, o forte discurso meritocrático diz que enquanto você dorme alguém está trabalhando. Os coachings afirmam que o homem é o inimigo do homem, afinal, somos competitivos por natureza.
Sem tempo para maturar nossos sentimentos só conseguimos parar quando não aguentamos mais. Ademais, para prevenir que paralisem, o melhor então, seria tomar pílulas da felicidade para relaxar do dia estressante.
Ademais, para prevenir que paralisemos, tomamos cada vez mais polivitamínicos e remédios. Nenhum modo de vida que atrapalhe o andamento do sistema pode ser aceito. O etiquetamento dos considerados desviantes e que conduz ao estigma se torna cada vez mais frequente.
Nesse sentido, há um movimento dúbio e contraditório, pois, ao mesmo tempo que o adoecimento é causado pelo sistema capitalista, acaba sendo controlado e gerenciado pelo mesmo sistema.
Por fim terminarei citando Foucault,
A medicina como técnica geral de saúde [...] assume um lugar cada vez mais importante nas estruturas administrativas e nesta maquinaria de poder que, durante o século XVIII, não cessa de se estender e de se afirmar. O médico penetra em diferentes instâncias de poder. [...]. E constitui-se, igualmente, uma ascendência político-médica sobre uma população que se enquadra com uma série de prescrições que dizem respeito não só à doença mas às formas gerais da existência e do comportamento. (p. 202)
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* Taís Maria. Graduanda em ciências sociais - UFBA. Instagram: @ta.ism
Fonte da imagem: https://m.facebook.com/marxdarevolucao/photos/medicaliza%C3%A7%C3%A3o-e-adoecimento-no-capitalismo-para-refor%C3%A7ar-a-dissimula%C3%A7%C3%A3o-do-car%C3%A1t/1242488325784899/
Fontes
https://www.hypeness.com.br/2015/01/rivotril-como-um-remedio-tarja-preta-se-tornou-um-dos-mais-vendidos-do-brasil/
https://guiadafarmacia.com.br/industria-farmaceutica-movimenta-quase-r-90-bilhoes-no-brasil/#:~:text=A%20ind%C3%BAstria%20farmac%C3%AAutica%20brasileira%20%C3%A9,dados%20da%20consultoria%20especializada%20IQVIA.
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/uso-de-medicamentos-para-a-saude-mental-cresce-no-brasil-especialistas-alertam-sobre-cuidados/#:~:text=A%20comercializa%C3%A7%C3%A3o%20de%20antidepressivos%20e,anos%20de%202017%20e%202021. DE ALMEIDA, M. R.; GOMES, R. M. Medicalização social e educação: contribuições da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 25, n. 1, p. 155–175, 2014.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo, Graal,1984.
O mais incrível e que a geração Menos distante por causa da tecnologia e a que sente mais sozinha, hj em dia as pessoas ficaram hiper sensível a dores e a estímulos, querendo sempre o agora e desprezando o depois, e isso vem refletindo dessa forma no âmbito psicológico dos mesmos.
Preocupante, porém necessária reflexão!