No último mês de janeiro ocorreu um fato pouco comentado, sem grandes debates na mídia. O Hospital São Camilo, localizado em São Paulo, se negou a colocar um Dispositivo Intra Uterino (DIU) numa paciente, alegando seguir valores religiosos e que, portanto, não realizaria nenhum procedimento contraceptivo (apenas em caso de emergência). Juristas apontaram a ilegalidade do ato, pois fere a autonomia médica. O hospital afirma que é uma entidade que segue os ritos do catolicismo. E aí vem a pergunta: como uma instituição que pratica um serviço essencial para qualquer ser humano se nega a utilizar métodos que dizem respeito a uma prevenção que é um direito de qualquer mulher em idade reprodutiva? Isso não diz respeito apenas a um hospital. Vou dar exemplo de como a doutrina importa mais que o juramento dos profissionais.
Bem, se uma organização qualquer monta uma equipe de técnicos especializados para cumprirem funções respectivas, todos devem cumprir o que lhe é devido. Mas quando esta coloca preceitos religiosos à frente desses desígnios, como agir? Ora, o estabelecimento é médico, não é pastoral. Ninguém utiliza igrejas para parir ou buscar medicamento, então não se vai procurar um médico pra confessar um pecado! Isso é muito claro, mas quero ir além: com o crescimento do número de evangélicos no país, futuramente podemos ter uma institucionalização das éticas cristãs em todos os setores. Teríamos mais e mais associações médicas negando laqueaduras, vasectomias, e outras ferramentas de cunho reprodutivo; tribunais tomariam decisões baseados em juízos morais; faculdades podem ter métodos científicos – razão de sua existência – confrontados!; emissoras produziriam reportagens seguindo valores e costumes de sua ideologia religiosa.
Isso aí até já existe, viu? Um canal de TV local – filial de uma rede nacional administrada por um famoso bispo da Igreja Universal – não noticia nada que diga respeito a outra religião senão a que os proprietários professam. Já observei isso há tempos. Chama o festejo de Iemanjá de “Festa do Rio Vermelho” e mostra apenas o vai e vem do público, sem pautar a real presença daquele povo por lá. O mesmo faz com a Lavagem do Bonfim; não apresenta matérias sobre tombamentos de terreiros, cultos de campanhas da fraternidade, nem possui programação especial de transmissão do carnaval. É quando princípios filosóficos estão a frente da principal meta de seu núcleo jornalístico: informar o que acontece na cidade de modo integral e transparente, sem subterfúgios para ocultar a realidade dos fatos. Ainda apresentava um slogan bem cara de pau: “a TV que é a cara da Bahia”. Piada!
Não encontrei consequências sobre o ato do Hospital São Camilo, nenhum processo por parte da paciente afetada, nem – como mencionei – debates sobre esse posicionamento pra lá de acintoso. Irmã Dulce – que ergueu praticamente sozinha suas obras sociais e o Hospital Santo Antônio – nunca negou atendimento a quem quer que fosse, solicitando internação ou emergência. Também não encontrei no estatuto nenhuma proibição cirúrgica ou de intervenção contraceptiva. Porque ajuda se dá pra quem precisa, e não pra quem merece. Porém, segundo alguns preceitos, algumas coisas importam mais do que outras, seguindo ritos e atingindo apenas quem aceita seus regramentos.
FONTE:
IMAGEM: Método Raidac
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