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APARTHEID NA EDUCAÇÃO




Se você é mãe/pai/familiar/responsável ou simplesmente tem crianças em casa já deve ter passado (ou ainda vai) por uma situação corriqueira: em qual escola vou matricular essa criança? 


A escolha da melhor instituição de ensino, para a criança e para o seu bolso, é motivo de debate entre as famílias de todo mundo, afinal, tem que botar na escola para ser gente amanhã [1]. 


No início do ano o dilema é esse, quem já tem a sua escolinha e vai continuar, ótimo; mas e quem ainda não tem ou vai precisar trocar? 

E quando essa decisão chega, o que você pensa para conseguir decidir? Escola pública ou privada?


Para a maioria das pessoas a decisão é uma só: ‘’meu filho vai para a escola pública, aquela perto de minha casa, onde eu possa ir andando’’. 


Em outros casos ainda existe a possibilidade de pensar em matricular a criança na escola que tenha aula de inglês, esportes variados no contraturno e a possibilidade até de fazer um intercâmbio, para que aos 10 anos meu filho já saia dominando o verbo To Be nos textos escritos em inglês, nadador profissional e de quebra possa dividir com seus amigos estrangeiros a viagem para a Disney


Mas, entre essas duas realidades, existentes em polos opostos, há aquela família que mira seus olhos para aquela escolinha bacana que tem no seu bairro ou no bairro circunvizinho para tentar escolher a melhor opção para que seu filho tenha uma educação de qualidade, diferente (e melhor) daquela da primeira família, (fadada a única opção da escola pública), mas não tão boa, quanto parece, aquela que se deseja, mas que não se pode pagar (já que essa é artigo de luxo e só ganhando na loteria para esse sonho utópico se transformar em realidade). 


A pergunta para fomentar o debate é: qual delas presta? Ou melhor, pode vir a existir alguma escola privada que não preste e alguma escola pública que preste ‘’de verdade’’? 


Embora algumas ideias nos façam pensar que na vida precisamos nos posicionar apenas entre dois vieses e escolher um lado bem definido (bem x mal, crime x justiça, verdade x mentira, sempre x nunca, tudo x nada, …), é válido deixar de lado alguns reducionismos deterministas a fim de pensar nuances. Principalmente quando estamos falando sobre educação (um tópico onde, do nada, todo mundo se transforma em especialista). 


Esse é um dos casos em que precisamos pensar nessas nuances, pois ao debater a respeito do tema da educação, é necessário levar em consideração as camadas que compõem as percepções que temos da realidade e a própria realidade em si. 


Pensar em respostas para a educação básica é abrir os olhos para a disposição de combinar variáveis. Além de se preparar para atravessar um campo minado recheado de surpresas.


Especulações sobre os dois universos distintos entre escolas públicas e privadas rondam nosso dia a dia mais do que podemos imaginar. E realmente precisa, pois, não é fácil conceber como em um mesmo bairro ou em bairros vizinhos pode existir uma escola totalmente privilegiada e outra totalmente sucateada. 


O privilégio e o sucateamento em escolas são duas estruturas complexas, uma vez que, a dimensão de escola dual sempre existiu. Quero dizer, sempre houve a escola dos ricos e a escola dos pobres. Resumidamente, é isto. 


Assim como, sempre será difícil para algumas pessoas acessar determinados espaços e se sentir plenamente confortável, mesmo com a perspectiva de que ocupar é necessário e aquele corpo pode sim estar naquele espaço. Mas, ao sair da dimensão do pensamento e ir para a realidade concreta, quem vive sabe o quão desafiador é estar em determinados lugares – mesmo que legítimos a nós. 


Ademais, retornando ao ponto central, mesmo que uma identidade associada a formação básica (MOEHLECKE, 2012) seja garantida sem distinção de raça, gênero, sexualidade ou classe social, na realidade não é assim que a banda toca. Sabemos bem. 


Pelo contrário, Luckesi (1994) pontua muito bem que a educação serve a um projeto de sociedade, e, claramente, o projeto de sociedade que se constrói neste país não é baseado na justiça, na equidade ou na real experiência em um Estado de Bem Estar Social. 


Além disso, enquanto uma nação colonizada, pensar a respeito dos efeitos do imperialismo na educação nos remota principalmente à desigualdade no acesso e a pouca inclusão no sistema educacional (RAMOS, 2023).


Por esse motivo, pensar na educação e na escola em que a(s) criança(s) da sua vida vai pertencer é mais do que um dilema pedagógico. Sobretudo, é uma questão política. E saiba, ela está em disputa o tempo todo, por muitas bases diferentes. 


Mas e você? Em qual escola vai (re)matricular a criança da sua casa?




Nota

[1] Debates a respeito da função social da escola se apresentar enquanto promotora de ascensão podem ser elucidados com a teoria da relação com o poder de Bernard Charlot (2000). 



Referências: 

LUCKESI, C. Educação e Sociedade: redenção, reprodução e transformação. In: Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994, p. 37-51. 

MOEHLECKE, S. O ensino médio e as novas diretrizes curriculares nacionais: entre recorrências e novas inquietações. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 17, n. 49, p. 39–58, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?scr… . Acesso em: 13 nov. 2022. 

Ramos, Kelly. O projeto dos Colégios-modelo no Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio na Bahia: Nuances da trajetória do Colégio Estadual Odorico Tavares (1994-2019). 2023. Trabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Pedagogia. Universidade Federal da Bahia. jul. de 2023.


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4 Comments

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O desafio de termos uma escola pública de qualidade e para todos, além de estar ligado às políticas públicas, também passa pela consciência de que o público, ao pertencer a todos nós, pede o nosso compromisso. Enquanto pais e comunidade estiverem fora da escola, vai ser difícil essa consciência. E essa, também é um desafio.

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Com certeza, Tattiana. A perda da noção de educação como um direito social fundamental em detrimento da mesma ser visualizada enquanto mercadoria é um aspecto relevante também. Obrigada pelo comentário!

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O processo de sucateamento público é muito cruel. Transformar os mais básicos acessos a serviços em mercadoria é também objetificar o próprio ser humano. É privar do seu direito de ocupar e resistir, para algo que lhe pertence por direito.

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Exatamente, Vinicius. Quando tudo é mercadoria, inclusive nós, somos reduzidos a meros objetos. Obrigada pelo comentário!

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