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ANTI-GOOGLE: POR UMA CURIOSIDADE MAIS PLURAL



Em um momento em que a humanidade está de pernas bambas com a evolução dos recursos de inteligência artificial que criam músicas de um artista com a voz do outro, que dublam rostos famosos perfeitamente com idiomas diferentes e que criam histórias do zero usando apenas um lista de direcionamentos, eu, atrasada que sou, me sinto impelida a questionar algo muito trivial da nossa relação com as tecnologias: a pesquisa google. 


A popular plataforma está tão instalada na nossa cultura que virou verbo no inglês (“google it”) e achou seu espaço no português (“dar um google”). Para qualquer necessidade e até situações de emergência, lá estamos nós usando o google e conseguindo quebrar muitas barreiras de acesso a informações valiosas. Essa perspetiva de vastidão da internet tornou a ferramenta de pesquisa um achado, uma agulha no palheiro capaz de direcionar pessoas em qualquer parte do mundo para conteúdos antes inimagináveis de serem facilmente acessados. 


As redes sociais seguem o mesmo caminho da plataforma google e já assumem um papel de buscador de tendências com suas hashtags. De fato, foi noticiado que a geração Z utiliza amplamente o tiktok quando precisam pesquisar algo. Apesar de serem super úteis, todos esses mecanismos estão no olho do furação das fake news, o que leva pessoas relevantes da opinião pública a enfatizarem a importância de uma educação digital, onde o internauta se coloca pró-ativo em sua maneira de buscar informações online, sabendo separar o joio do trigo, através de um entendimento sobre fontes confiáveis. 


Meu foco neste texto será outro, vindo de uma reflexão pessoal sobre comparações da minha forma de aprender na infância e o ambiente a qual meu filho tem acesso. Essa análise geracional me deixou angustiada com a ideia de que meu pequeno tem experimentado sua curiosidade, predominantemente, através dos recursos de pesquisa google. Ele ainda não tem acesso a redes sociais, mas sei que isso será inevitável com o passar dos anos. Logo ele estará pesquisando no tiktok a receita de um bolo de chocolate vegano ou qual a melhor forma de montar um cubo mágico. 


É bem nesse ponto que vem minha alegação de sermos anti-google ou sermos contra essa cultura única sobre o ato de pesquisar. Em um rápido passeio pelas minhas lembranças, eu acesso ao dia em que aprendi a fazer samosas indianas. Estava visitando o templo Hare Krishna pela primeira vez e fui chamada para ajudar na cozinha. Tinha 16 anos de idade e nunca tinha cozinhado nada na vida. Naquela tarde, eu aprendi a suavidade de uma boa massa do pastel indiano, como separar em bolinhas iguais, amassá-las e abri-las com um rolo de macarrão. Bem desajeitada, me esforcei muito para aprender tantas coisas ao mesmo tempo e, ao final, participei da confecção de mais de cem samosas. 


Porém, existe algo muito maior que vivi naquele dia. Eu fui ensinada na arte da comida indiana pelo Jorginho, um senhor de idade muito doce e calmo, que pacientemente repetiu para mim diversas vezes como abrir, rechear e fechar as samosas do jeito certo. Se eu parar agora, consigo ouvir o som da sua voz, a sua risadinha, quando eu errava de novo e toda sua bondade em falar para mim: “Está tudo bem. Continue tentando, continue tentando. Faça de coração.” Seu Jorginho não está mais entre nós, porém, essa experiência com ele está marcada na minha alma. A vivência de uma simples receita transformou muitos lugares da minha psique e da construção do meu ser. 


Agora, imagina um jovem dessa geração descobrindo que existe um pastel indiano chamado samosa e que parece muito apetitosa? Ele vai correr para o tiktok (ou você leitor vai direto para o google, curioso para saber a cara dessa iguaria tão distante da cultura brasileira), vai achar alguém ensinando a receita da samosa e vai tentar fazer em casa. Vai errar algumas vezes e, se tiver pique, continuará pesquisando mais dicas na internet e vai descobrir que a massa precisa descansar um tempo para que fique macia ou que é bom formar pequenos discos com as pontas dos dedos antes de abrir a massa. Enfim, a pessoa terá a tal samosa em mãos, mas dificilmente terá a experiência que vivi ao lado do Jorginho. 


Não à toa, alguns pesquisadores apontam como um modo vida movido pela informação instantânea pode afetar negativamente a nossa capacidade sensorial. Estamos pulando muitas etapas ao receber tudo pronto e a qualquer momento. Nesse aspecto, eu considero que o mecanismo de pesquisa rápida é um grande obstáculo para a absorção das experiências da vida, especialmente os aspectos mais ordinários. Viver não é sobre ter as respostas mais fáceis ou mais acessíveis, afinal, existem tantas camadas na experiência humana que só podemos viver pela diversidade de possibilidades, incluindo a ideia de como conduzir a nossa curiosidade. 


A autora Brené Brown, que estuda há mais de vinte anos a vulnerabilidade, enaltece a curiosidade como uma ferramenta poderosa para nos libertarmos das garras da perfeição e da necessidade de sermos amplamente aceitos por todos em nossa volta. Famosa por falar da imperfeição, a autora explica que a curiosidade nos move e nos auxilia a entender que não caminhamos para um fim específico, mas experimentamos a vida pelo momento em si. Não estamos aqui para fecharmos um projeto perfeito de nós mesmos e de nossa vida. A graça está em ser quem se é com todas as partes boas e ruins, fáceis e difíceis. 


Ainda nesse ponto da curiosidade, eu consigo lembrar do dia em que escrevi uma música. Eu tinha 15 anos de idade, amava ouvir Elis Regina e um dia, por motivo nenhum, eu decidi que escreveria uma canção, mais especificamente um samba, bem no estilo da cantora de “Como nossos pais". Na época, eu não tinha acesso a internet ou qualquer mecanismo semelhante. A única coisa que me moveu foi meu desejo e minha curiosidade. Mergulhei fundo nas canções de Elis e imaginei melodias, histórias e ritmos até que cheguei em uma música muito legal que até hoje amo cantar. Se eu tivesse cortado toda essa experiência, pulando direto para os tutoriais online, será que eu perceberia por conta própria tantas nuances da musicalidade brasileira ou da minha própria capacidade em entender uma melodia? 


Enfim, minha legítima preocupação está na perda dessas experiências que apenas a ausência de certas culturas nos davam e que não sei o quanto meu filho e toda uma geração será capaz de compreender. Ser anti-google é, na verdade, dar a oportunidade de caminhar pela curiosidade humana para além do fast-food de respostas e aproveitar as várias possibilidades que a vida nos convida a participar. É sobre aprender com o outro, aprender com sua própria vontade, aprender com espaços, livros, e muitas outras oportunidades que podem se formar no nosso caminho pelo mundo. 


FONTE:



BROWN, Brené. A arte da imperfeição. Editora Novo Conceito, 2012.






2 comentários

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Acho que o que a gente pode fazer como pais e mães é instigar os filhos a ter outras vivências e acessos ao conhecimento. O dar um Google é um caminho sem volta, mas podemos ajudar na resistência para que a cultura dos contatos humanos não se perca

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carlosobsbahia
carlosobsbahia
25 de jul.

Legal seu texto,Carla. Essa galera mais nova tem tudo mastigado,e issi deixa a mente preguiçosa e aberta pra um monte de influencer mal intencionado,tendencioso,e alienado.

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